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A Arquitetura Gótica em compasso com a Filosofia Medieval


Por Douglas S. Rodrigues, Gustavo A. Batista, Luiz Eduardo D. Lima e Marcelo P. Maciel.

I GÓTICO PRIMITIVO

O estilo gótico surge no século XII como uma resposta ao enfraquecimento do estilo romântico, trazendo novas concepções religiosas, filosóficas e sociais. Particularmente o início do estilo gótico caracteriza-se pelas construções religiosas, principalmente das Catedrais que eram os grandes templos das cidades. Este primeiro passo do estilo pode denominar-se de duas maneiras: gótico primitivo ou gótico inicial.


A primeira nomenclatura dada ao estilo gótico faz referencia ao local de onde teve sua origem. No século XII quando ainda era uma arte moderna o gótico era chamado de "opus francigenum", que significa obra francesa. Com o passar dos anos a arte gótica obviamente deixou de ser contemporânea e assim teve a necessidade de uma nova nomenclatura.

O termo gótico surge através de Giorgio Vasari, considerado o fundador da história da arte. Porém o termo Gótico carrega em sua origem um sinônimo pejorativo. Aos olhos de Vasari e de seus contemporâneos a arte Gótica era feia e obscura, assim a denominaram com relação ao povo bárbaro mais conhecido da época, os Godos. Por isso este termo gótico que provém de um povo bárbaro queria denominar a arte gótica como uma ate bárbara. Foi somente no século XIV que o termo gótico perde este sentido pejorativo.

O estilo gótico surge numa época de mudanças sociais política e religiosas, neste sentido a arte sempre é um reflexo das mudanças. Por isso o surgimento do gótico como resposta ao comportamento social que também passa por modificações relevantes. A expansão do comércio na Europa esta em grande crescimento, isto gera uma integração maior entre os povos e países gerando assim não somente um crescimento econômico, mas também uma facilidade maior nas relações e na troca de ideias, tendo um reflexo importante nas artes.

Surge neste contexto um novo mundo cosmopolita, onde a sociedade passa a ter como centro as cidades. Paralelamente o a sociedade passa a ter como poder político mais unificado o poder monarca, fazendo do estado uma poderosa entidade que vai transformar o pensamento da sociedade, visando trazer novamente a glória e a dignidade dos povos. Isto também terá uma representação na arte com o investimento na construção das catedrais como veremos a seguir.

Assim como a sociedade passa a ter uma importância maior na cidade como grande centro, a Igreja também passa a de certa forma ter uma secularização. Isto se refere essencialmente a mudança de visão da Igreja do meio monástico com algo primordial, e volta-se para a cidade.

E nas cidades que serão erguidas os grandes templos religiosos, as Catedrais. Esta serão por muito tempo a grande representação da cidade, justamente pela alta competitividade nas suas construções.

Segundo o texto de Henri Focillon, vemos a importância da Igreja nesta perspectiva da arte gótica como unificação das cidades:

Mas ela nasceu do consentimento da Igreja, é favorável às suas fundações; nas primeiras lutas da sua unidade dominical, apoia-se na gente das paróquias e a benevolência que testemunha para com as comunas é uma alavanca da sua política. Ora, o desenvolvimento da arte gótica está ligado a um fenômeno urbano. É certo que o fervor espiritual das peregrinações não abandona o Norte no século XII e veremos como a primeira ogiva francesa esta ligada a uma transferência de relíquias. Mas a arte gótica exprime-se acima de tudo pelas catedrais e, se é verdade que houve grandes catedrais românicas como houve grandes catedrais góticas, não se deve ignorar essa espécie de deslocamento de eixo que coloca nas cidades as fundações mais importantes.1

Vemos portanto esta migração para as cidades como centro, tendo em suas catedrais a representação do orgulhos de seus cidadãos:

Quanto ao papel da catedral em relação à comunidade, é importante destacar que cada corporação da cidade contribuía para a sua execução. As diferentes Guildas poderiam por exemplo oferecer vitrais ou financiar a construção de uma capela. Em Chartres, os habitantes da cidade atrelavam-se às carroças para transportar a pedra para o local da obra, contribuição pessoal animada tanto pelo entusiasmo religioso como pelo orgulho cívico, pois a rivalidade entre as cidades era então intensa. A catedral era então, não apenas um símbolo da glória de Deus, mas também do poder da Igreja, do rei, da burguesia e de todos que a financiava. Assim Paris construiu Notre-Dame, elevando as abóbadas a mais de trinta metros; um pouco mais tarde, Amiens construiu uma catedral cuja abóbada atingia quarenta metros; Beauvais ultrapassou-as em seguida, com uma catedral cuja nave central tinha perto de cinquenta metros de altura. Em Beauvais, o desejo de ultrapassar as cidades rivais foi tal, que o edifício se desmoronou parcialmente, obrigando a reconstrução; e Siena, sempre invejosa de Florença, foi a primeira das duas cidades a construir uma catedral suntuosa. Florença aceitou o desafio e edificou outra catedral ainda maior. Para não ser batida, Siena decidiu fazer da anterior construção o transepto dum edifício gigantesco. Os sienenses nunca passaram além das fundações, mas estas mostram-nos claramente as suas verdadeiras intenções.2

Através destas competições entre as cidades para ver que possuía a maior catedral e que nasce o período gótico, trazendo para as cidades este sentimento de orgulho perante sua cidade e sua catedral. Porém é difícil encontra registros sobre os construtores destas obras, aqueles que para nós hoje seria denominados de arquitetos. Para época não parecia muito

1 FOCILLON, Henri. Arte do Ocidente: a idade média românica e gótica. Traduzido por José Saramago. Lisboa: Estampa, 1978. p.162 – 163. 2 http://www.beatrix.pro.br/index.php/arte-gotica-introducao/ Acesso em 15/11/2011 ás 10:00.

importante preservar estes nomes. O que se sabe é que dificilmente estas grandiosas obras surgiriam da idéias de várias pessoas, provavelmente haveria uma responsável. E era normal assumir vários papeis perante a obra como: a função de engenheiro de, de mestre de obras e de contramestre.

Embora estas obras tenham servido para o crescimento do orgulho dos cidadãos, por se tratarem de obras religiosas elas também trazem consigo uma relação com o Divino. É nesta perspectiva que o período gótico primitivo tem sua principal característica. É já bastante significativo o fato da cidade ter escolhido a catedral como principal monumento. O arrojo vertical da igreja, com os arcobotantes, os pináculos e as flechas, exprime um entusiasmo religioso e um fervor inigualável. Nenhum outro estilo revelou a exaltação mística com tanta perfeição.

O período gótico primitivo teve sua origem em 1120 e 1150, com a construção da catedral beneditina de Saint-Denis. Esta catedral expressava uma característica filosófica espiritual. A função das luzes que provinham dos vitrais era a expressão da luz divina que iluminava aos cidadãos daquela cidade.

Nas imagens vemos a Abadia de Saint-Denis: “um marco da arquitetura francesa, a abadia de Saint-Denis foi a inspiração de todos os construtores de catedrais góticas.”3 Assim como esta Abadia representa o gótico nas catedrais houve outros tipos de manifestações artísticas que também representaram o gótico primitivo:

3 BRACONS, José. Saber Ver: A arte gótica. Tradução de Jamir Martins. São Paulo: Martins Fontes

Portal do Sarmental. 1230-1240 Burgos. Catedral.

A Porta do Sarmental da catedral de Burgos (assim chamada por estar situada frente ao mercado de sarmentos da cidade) corresponde à fachada sul. Trata-se da mais antiga das portas das grandes catedrais castelhanas, o que se reflete claramente em sua iconografia. Destinara-lhe um tema apocalíptico. Cristo em majestade é rodeado por uma dupla representação dos evangelistas (com seu correspondente símbolo e como escribas da época). No dintel aparecem os apóstolos. Como em seus mais próximos modelos franceses a clareza da composição é muito própria da primeira fase gótica.

II Gótico Radiante

O gótico se divide em basicamente três períodos: o primeiro é o gótico primitivo, o segundo é o gótico radiante (alguns autores o chamam de gótico irradiante e outros ainda de gótico pleno), e o terceiro é o gótico flamejante. O período gótico caracterizado como Radiante, compreende o período cronológico que vai de 1190 até 1359 aproximadamente.

Por que, afinal o segundo período do gótico recebeu o nome de Radiante? Esse nome Radiante é procedente de uma das características arquitetônicas, apresentadas nas igrejas e catedrais construídas naquela época: o formato das grelhas das janelas, bem como das rosáceas era radial (em forma de raios).

Percebemos nitidamente a grande mudança que ocorre em relação às janelas. De simples e pequenas, passaram a ser grandes e ocupavam praticamente o lugar das paredes.

Vejamos o que Robert Ducher nos fala a respeito disso:

O termo “irradiante” (rayonnant) atribuído a esse estilo procede da rosácea dos santuários cujos recortes evocam os raios de uma roda. As simples janelas perfuradas são substituídas por imensas janelas que tomam o lugar das paredes. Ao tipo “chartrense” com três andares sucederá às vezes uma elevação de dois andares, quando os construtores já não se contentarão em iluminar o trifório por uma clarabóia.

Essa corrente, surgida em parte do trifório envidraçado com gablete do coro de Reims, inaugura uma arte refinada que corresponde à época de São Luís. (DUCHER, 1992, p. 600).

Como vimos na citação anterior, existia uma grande preocupação com a questão da luminosidade dentro das igrejas, sendo que as janelas e os vidrais imensos começaram a tomar o lugar das paredes. A construção que mais perfeitamente pode apresentar as características do estilo Radiante é a Sainte-Chapelle, na França. Cito Graça Proença:

O gótico francês da segunda metade do século XIII recebeu o nome de rayonnant (radiante), por causa do rendilhado das grandes rosáceas e das delgadas e delicadas colunas combinadas com amplas áreas de vitrais.

O mais belo exemplo do estilo radiante é a Sainte-Chapelle, construída entre 1242 e 1246 no palácio real da corte de Luís IX, em Paris. O trabalho dos vitrais e a harmonia das colunas revestidas de dourado dão à arquitetura uma grande semelhança com os trabalhos filigranados em metal e esmalte dos relicários medievais. (PROENÇA, 2003, p. 68).

Outro aspecto importante a ser ressaltado, no que se refere à arquitetura das igrejas, é a busca do equilíbrio e da harmonia. Essa preocupação não era apenas com o interior da igreja. O exterior também recebia a mesma atenção. Ambos (interior e exterior) deveriam estar em perfeito equilíbrio e harmonia. Cito Maria Cristina Gozzoli:

O exterior da catedral gótica está em perfeita harmonia com o interior e apresenta análogas características de impulsão vertical, de leveza, de tensão em direção ao céu. Para obter tal efeito, todas as linhas e formas horizontais das fachadas foram camufladas por outras que tendem para o alto: toda uma série de aberturas, portais, janelas, rosáceas, arcos e estátuas, interrompendo a espessura das paredes exteriores por forma a que os vazios prevaleçam sobre os cheios e dêem à construção o efeito aéreo desejado. (GOZZOLI, 1978, p.24).

Toda essa harmonia e equilíbrio das catedrais e igrejas tinham um motivo todo especial: quem, ao se deparar com a beleza dos vitrais e das rosáceas, bem como com a altura das colunas e estátuas não se sentiria como se estivesse no céu? Realmente esse era o objetivo.

O objetivo era fazer com que as pessoas se sentissem extasiadas diante de tão grande beleza, ao mesmo tempo, que sentissem o desejo de transcendência, o desejo de buscar a Deus.

Angelo Guido nos descreve tal experiência:

Na catedral gótica, pelo contrário, o espírito se abandona ao sentimento da infinitude e da transcendência. Arrebata-o a sedução da aventura no seio do ilimitado. Ele se coloca diante do infinito como o Cavaleiro Andante em relação ao fascínio e a magia de terras desconhecidas. E facilmente concebe, então, que a alma pode salvar-se pela veemência do seu impulso lírico e apaixonado que se acende em amor à vida e à natureza, à cultura e a Deus. (GUIDO, 1968, p. 77).

Poderíamos aqui destacar tantas outras características da arquitetura desse período, mas, esse pequeno estudo já serviu para nos mostrar porque esse período do gótico recebeu o nome de Radiante.

Aprofundemos agora esse período a partir da escultura que também aqui alcançou o seu ápice.

Não podemos deixar de estudar a escultura gótica, uma vez que esta estava intimamente ligada à arquitetura. Cito Graça Proença:

De um modo geral, a escultura do período gótico estava associada à arquitetura. Nos tímpanos dos portais, nos umbrais ou no interior das grandes igrejas, os trabalhos de escultura enriqueceram artisticamente as construções e documentaram, na pedra, os aspectos da vida humana que as pessoas mais valorizavam na época. (PROENÇA, 2003, p. 71).

A escultura gótica do período radiante, talvez seja a mais perfeita que se tenha alcançado na História. Nesse período está também em alta a Escolástica, onde não poderíamos deixar de destacar a figura de São Tomás de Aquino, o qual harmonizou a filosofia aristotélica e o cristianismo. Segundo a filosofia Aristotélica, os seres que vemos ao nosso redor, possuem duas características que lhe são intrínsecas, a saber, uma material (do que as coisas são feitas) e outra formal (o que faz da coisa o que ela é). Isso deve se refletir, portanto, na escultura.

Na citação seguinte, veremos como esse período gótico radiante estava envolto pela filosofia de São Tomás de Aquino:

Ao lado, porém, dessa dinâmica ascencional presente em todos os elementos arquitetônicos do Gótico, e na qual se afirma a veemência do seu impulso lírico, poesia e música consubstanciadas na pedra, uma arrojada e clara intelectualidade, uma sabedoria e inventividade construtivas, de modo algum lhe foram estranhas, assim como não foi estranho à “Suma Teológica” de Tomás de Aquino o rendilhado silogístico, no qual a razão se move em sutilezas para chegar à transcendência e justificar o irracional de onde parte o impulso lírico. A razão examina o finito, o puro jogo cego das forças mecânicas, para calcular a pressão das abóbadas com a resistência de feixes de colunas, contrafortes e arco-botantes, mas, acabado esse trabalho, as forças do espírito, como os anjos nas alturas da Catedral de Reims, levantam o seu canto de aleluia e se abandonam ao sentimento do incomensurável. (GUIDO, 1968, 78).

Baseando-se na filosofia de São Tomás de Aquino, buscava-se, então, não apenas reproduzir a idéia de algo, mas também reproduzir o ser real, concreto. Procurava-se valorizar o que o sujeito representado era.

A estatuária gótica radiante, ao contrário do período românico, não se recusou a expressar sentimentos e emoções, ao mesmo tempo em que procurou expressar movimentos. Essas obras expressam naturalidade, e é esse o objetivo da escultura gótica radiante. Uma das obras que demonstra essas características é a obra de Giovanni Pisano, A Virgem e o Menino. Cito Graça Proença:

Diferentemente de uma estátua românica típica, que representava Maria rigidamente sentada com o Menino Jesus em seus joelhos, a figura criada por Pisano está em pé e segura o menino com o braço esquerdo. Nesse detalhe reside um aspecto de sugestiva naturalidade: Maria parece sergurar o filho pequeno com esse braço de modo a ter a mão direita livre para executar outras tarefas, como toda mãe que precisa cuidar dos afazeres da casa. (PROENÇA, 2003, p.73).

Em nenhum outro momento da história, se teve a idéia de representar através de esculturas uma figura sorridente. No período gótico Radiante é que surge, então, essa idéia. Um exemplo desse sorriso, podemos citar através dos exemplos dos Anjos de Reims e da “Virgem Dourada de Amiens”.

Sobre isso, Angelo Guido nos faz a seguinte descrição:

Da alma gótica, como do mistério da música, evola-se uma expressão de inquietude e, ao mesmo tempo, de adoração e anseio de infinito. Mergulham os apóstolos, os profetas e os santos em pensamentos graves e profundos, mas, sobre o azul, cantam os anjos entre os pináculos da catedral De Reims, e, no esplendor de uma portada gótica, sob a palpitação lírica das arquivoltas, floresce o sorriso da “Virgem Dourada” de Amiens.

No gótico radiante se expressa, portanto, a felicidade da Idade Média, que é fruto da paz da alma.

III GÓTICO FLAMEJANTE

Na segunda metade do século XIV, por volta do ano de 1370, originou-se a terceira e última fase da Arte gótica, que vigorou até o século XV. O estilo deste período foi chamado de Gótico Flamejante ou, no francês, “Flamboyant”. Este nome deve-se ao fato de que sua principal característica é a presença de ornamentos florais que lembram a forma de flama, é extravagante. Também foi chamado de Gótico da decadência, pois trouxe uma decadência em relação ao seu glorioso predecessor, o Gótico Radiante.

Na imagem ao lado, podemos ver a rosácea da Catedral de Meaux e, abaixo, a Sainte-Chapelle de Vincennes, ambas na França, como um exemplo dos traços florais presentes no gótico flamejante.


Este novo período do estilo gótico foi orientado pela filosofia de Guilherme de Ockham, o Nominalismo, que ganhara espaço no século XIV, conforme a Escolástica, filosofia aristotélico-tomista, foi sendo deixada de lado. O grande objetivo do Nominalismo é negar que as ideias universais (Homem, cachorro, carro, etc...) existam nos objetos singulares e deles sejam extraídas pela inteligência. Segundo Ockham, as ideias universais seriam apenas nomes dados pela inteligência para certos grupos de objetos singulares, semelhantes entre si, contidos nela.

O problema é que, negando-as, às últimas consequências, chagaríamos à negação de várias ciências, como por exemplo a física, que trabalha com ideias universais (Ex.: Um corpo em repouso tende a permanecer em repouso). Com relação ao senso comum, não poderíamos dizer que colocar a mão no fogo queima, pois estaríamos trabalhando com universais, que seriam reles nomes existentes apenas no pensamento. Logo, nada que acontecesse com um singular aplicaria-se a outro, sendo necessária a experimentação com cada singular para haver a comprovação daquele caso particular.

O Nominalismo de Ockham foi uma resposta bastante astuta à Escolástica. Ora, se ela é magistralmente assentada na realidade, com seus raciocínios lógicos rigorosamente concatenados, é irrefutável, a única solução pensável é atacar pela ideia de conhecimento, negando a raiz da metafísica. Assim também, um homem que desejasse refutar uma solução matemática irrefutável, procuraria como última saída negar que os números de fato correspondem com a realidade, dizendo então que a própria matemática não passa de um jogo de algarismos que nada possuem de real. Logo, ele não a refutaria de fato, mas escaparia pela tangente.

Ora, as ideias universais existem individualizadas nos seres, ou seja, são a substância deles que a nossa inteligência abstraiu. E desta substância provém os acidentes, que são as características próprias de cada ser, cada singular (Cor, textura, etc.).

E é por meio dos acidentes que a nossa inteligência conhece as substâncias dos seres, e abstrai-as, recebendo as ideias universais, também chamadas de essência. Portanto, é devido a este processo que reconhecemos a "igreja" tanto na Catedral de Notre Dame, como de Reims ou Colônia.

Com a influência nominalista na escultura, passou-se a esculpir retratos com o máximo de fidelidade ao indivíduo retratado, chegando ao ponto de, se o indivíduo possuía rugas ou alguma outra característica fisionômica peculiar, estas eram retratadas na escultura. Isto tudo afim de mostrar que quem estava sendo retratado era um determinado indivíduo, singular, realmente existente, e não um criado a partir de uma ideia universal, ou um indivíduo existente com seu retrato influenciado pela mesma, uma vez que as ideias universais eram negadas.

Esta tendência, aliada ao individualismo gerado pelo Nominalismo, incentivaram a vaidade. Pessoas ricas, nobres ou burguesas, quando doavam quantias de dinheiro para a construção de um altar em alguma igreja, exigiam que fossem retratadas em esculturas, ajoelhadas aos pés dos altares que haviam financiado. ‘Piedosamente’ vaidosas.


A escultura do gótico flamejante vai se caracterizar também pela curva e contra curva, o que produzirá linhas sinuosas semelhantes à labaredas. E a curva vem ajudar na representação do real, que para o Nominalismo é o corpo, ou seja, o indivíduo singular. A curva vai proporcionar a representação fiel dos movimentos dos corpos e rostos. O gosto pela curva faz com que os escultores procurem colocar grandes cabelos e barbas com caracóis, as vestes, para que possuam curva e contra curva, são apresentadas como se estivessem sendo agitadas por ventos impetuosos. Como exemplo disto, podemos citar a “Fonte de Moisés”, de Claus Sluter, no poço da Abadia de Champmoll (Dijon/ França), na figura ao lado.

A escultura do Gótico Flamejante também é marcada pelo excesso de emoção. E as emoções serão sempre violentas: pranto ou gargalhada, terrou ou prazer. Já não são mais esculturas calmas, equilibradas, assim como no gótico radiante, reflexo da filosofia aristotélico-tomista.

A exemplo deste desequilíbrio, podemos ver o que houve no século XIV, quando a Europa foi atingida por uma terrível epidemia, a Peste Negra, que dizimou grande parte da população. Nesta época desenvolveu-se um novo tipo de escultura sepulcral, de caráter mórbido. A morte já não é mais vista com aquele misto de dor e esperança, como no gótico radiante, onde a morte é recebida com o pesar e, ao mesmo tempo, com a esperança da vida eterna. Mas agora, é vista com desespero, uma vez que a filosofia nominalista traz o materialismo, que não vê além da morte.

O Gótico Flamejante expressou na pedra esta perda de Fé, assim como o radiante fez com a filosofia aristotélico-tomista e a própria teologia católica, mostrando todo um processo que viria a culminar, mais tarde, no Renascimento.

A criação passou a ser vista não com olhos contemplativos, como uma grande escada, com seus degraus hierárquica e harmonicamente ordenados, que conduz para Deus. Mas ela passa a ser vista como o objetivo, o fim último, claramente um materialismo. Este processo de conversão à criatura, recusa de Deus, manifestou-se na escultura gótica com a perda da elevação. Já não se buscava mais o céu, mas a terra. As linhas que antes apontavam para cima, agora demonstram um apego terreno, tornando-se horizontais.

As ogivas foram abaixando-se e ficando cada vez mais largas, até desaparecerem, dando lugar à uma horizontalidade. Também as abóbadas foram perdendo a profundidade e recebendo ogivas cruzadas, que são uma decoração exagerada, oriunda do materialismo presente no Gótico Flamejante. Como exemplo desta perda de altura das ogivas, podemos citar a igreja de Saint-Germain-l'Auxerrois (Paris/ França), ao lado, ou o Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha/ Portugal), na página seguinte.

Se, no Gótico Radiante havia uma grande verticalidade, linhas que apontavam para o céu, agora existe um apego terreno, onde as linhas horizontais dominam.

As estátuas perderam altura e ganharam sensualidade, refletindo , mais uma vez, o caráter materialista.

Por fim, este terceiro e último período da Arte Gótica foi tornando-se avesso a Deus e converso à criatura, movido pelas mudanças do pensamento filosófico. Assim, foi ‘preparando o solo’ para o Renascimento que viria a seguir.

* Bibliografia:

1. FOCILLON, Henri. Arte do Ocidente: a idade média românica e gótica. Traduzido por José Saramago. Lisboa: Estampa, 1978. p.162 – 163.

2. http://www.beatrix.pro.br/index.php/arte-gotica-introducao/ Acesso em 15/11/2011 às 10:00h.

3. BRACONS, José. Saber Ver: A arte gótica. Tradução de Jamir Martins. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.18.

4. FEDELI, Orlando - "As três revoluções na Arte" http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cadernos&subsecao=arte&artigo=3revolucoes Online, 10/11/2011 às 23:44h

5. SIMSON, Otto Von “A Catedral Gótica”, Lisboa – Editorial Presença – 1991

6. PANOFSKY, Erwin “Arquitetura Gótica e Escolástica” – São Paulo – M. Fontes – 1991

7. FEDELI, Orlando - "Filosofia e Escultura na Idade Média" http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=arte&artigo=filosofiaescult Online, 10/11/2011 às 23:45h

8. DUCHER, Robert. Características dos Estilos – São Paulo: Martins Fontes, 1992.

9. GUIDO, Angelo. Os grandes ciclos da arte ocidental – São Leopoldo: UNISINOS, 1968.

10. GOZZOLI, Maria Cristina. Como reconhecer a arte Gótica – Lisboa: Edições 70, 1978.

11. PROENÇA, Graça. História da Arte – São Paulo: Editora Ática, 2003.

 

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