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Imaculada Conceição - apologética



Hoje inicia-se o mês dedicado à Virgem, e o Papa Bento nos exorta a procuramos ter uma maior dedicação mariana nas nossas orações, devoções e na defesa da doutrina sobre Maria.

Aproveitando o alcance ilimitado desse blog dedicaremos esse mês no aprofundamento teológico sobre diversos aspectos mariológicos, para a instrução dos católicos e no combate aos hereges.

Veremos sobre a Imaculada Conceição de Maria, desde os primórdios do cristianismo até o documento que o definiu, a Bula Ineffabilis Deus , o que a Igreja ensinou a este respeito.

Em 1823, dois sacerdotes dominicanos, Pes. Bassiti e Pignataro, estavam exorcizando um menino possesso, de 12 anos de idade, analfabeto. Para humilhar o demônio, obrigaram-no, em nome de Deus, a demonstrar a veracidade da Imaculada Conceição de Maria. Para surpresa dos sacerdotes, pela boca do menino possesso, o demônio compôs o seguinte soneto:

"Sou verdadeira mãe de um Deus que é filho,
E sou sua filha, ainda ao ser-lhe mãe;
Ele de eterno existe e é meu filho,
E eu nasci no tempo e sou sua mãe.

Ele é meu Criador e é meu filho,
E eu sou sua criatura e sua mãe;
Foi divinal prodígio ser meu filho
Um Deus eterno e ter a mim por mãe.

O ser da mãe é quase o ser do filho,
Visto que o filho deu o ser à mãe
E foi a mãe que deu o ser ao filho;

Se, pois, do filho teve o ser a mãe,
Ou há de se dizer manchado o filho
Ou se dirá Imaculada a mãe.

Conta-se que o Papa Pio IX chorou, ao ler esse soneto que contém um profundíssimo argumento de razão em favor da Imaculada.

Nossa Senhora foi a restauradora da ordem perdida por meio de Eva. Eva nos trouxe a morte, Maria nos dá a vida. O que Eva perdeu por orgulho, Nossa Senhora ganhou por humildade.

A história que remete aos primórdios do cristianismo, lá pelas bandas do século II quando começaram reflexões acerca da participação de Maria, nova Eva, na obra redentora do Cristo, novo Adão.

Pouco mais tarde, no quarto século, começa-se a valorizar também a temática de Maria, plenificada pela graça.

São Máximo de Turim, cerca de cem anos depois, aborda o tema "graça original". Outros mais, começam a falar em Maria, "feita de barro puro e imaculado", distinguida com o "dom da primeira criação, por parte de Deus" (Sto. André de Creta).

Na passagem dos séculos VII para o VIII, no Oriente, é instituída a festa da Conceição de Maria, comemoração que percorreu a Europa e foi adotada na Irlanda, Inglaterra, França, Bélgica, Espanha e Alemanha.

E assim, a Tradição já encaminhava o seu curso, faltando ainda a conciliação da doutrina com o dogma da necessidade da salvação por meio de Cristo.

Tão firme era a convicção acerca da Imaculada Conceição que o Concílio de Basiléia chegou a defini-la em 1439, mas não houve aceitação porque, desde 1437, ele tinha se tornado ilegítimo.

Ainda no século XV, Sixto IV aprovou o Ofício e a Missa da Imaculada para a liturgia da Igreja Romana.

S. S. Alexandre VII, em 1661, consultou membros do Santo Ofício (hoje, Cong. para a Doutrina da Fé), faculdades de Teologia, teólogos ilustres, e elaborou o breve "Sollicitudo" que já era a prefiguração do dogma que seria, com palavras semelhantes, definido por Pio IX, no século XIX.

Da Conciliação Doutrinária à Innefabilis Deus

A Igreja, já no séc. XVII, não obstante não haver a definição da questão, já professava, em Sua quase totalidade, a fé na doutrina da Imaculada Conceição.

No séc. XIV, João Duns Scotus, franciscano, efetuava a conciliação entre o dogma da universalidade da Redenção e a Imaculada Conceição. Maria, em virtude da antecipação dos méritos de Cristo, manteve a graça desde sua concepção.

Luís Crespi, Bispo de Orihuela, embaixador do rei Gregório XV junto à Santa Sé, pediu ao Papa Alexandre VII que redigisse um decreto em que declarasse o sentido da festa da Imaculada Conceição, comemorada no Oriente desde o séc. VIII, nove meses antes da data em que se festejava o nascimento de Maria (8 de setembro), portanto, aos oito dias de dezembro, como sendo "a conceição imaculada" acontecida "no primeiro instante em que foi infundida a alma em Maria". O Bispo de Roma consultou os demais membros do Magistério, e redigiu o breve "Sollicitudo".

É antiga a piedade dos fiéis cristãos para com a sua beatíssima Mãe, a Virgem Maria; crêem eles que sua alma, por especial graça e privilégio de Deus, foi preservada imune da mancha do pecado original desde o primeiro instante de sua criação e infusão no corpo, em vista dos méritos de Jesus Cristo, seu Filho, Redentor do gênero humano; com estes sentimentos comemoram e celebram com rito solene a festa de sua Conceição. [...] Já abraçam [esta doutrina] quase todos os católicos

Desde o Papa Paulo V, em 1616, a defesa da tese contrária à Imaculada Conceição estava proibida em público.

S. S. Clemente XI, em 1708, declarava a festa de preceito universal para toda a Igreja.

O Santo Padre, Pio IX, em 1848, convocou o parecer de vinte teólogos. Dezessete se manifestaram a favor. Em 6 de dezembro, os Cardeais aderiram ao consenso. Consultado em 1849, o Episcopado da Igreja respondeu com 546, de 603, votos favoráveis à definição. Em 1 de dezembro de 1854, ouviu-se pela última vez os Cardeais. Em 8 de dezembro, a dúvida terminou.

Questões preliminares:

Antes de abordar o tema em questão, parece oportuno frisar que, em linhas gerais, o mistério de Maria pode ser abordado por diferentes perspectivas. Contudo, dois ângulos de abordagem, em especial, foram constantemente valorizados na caminhada da Igreja:

1- Podemos considerar tal mistério sob a incidência direta da Luz de Cristo, tendo então uma mariologia cristológica. Nesta perspectiva, o ponto central é a maternidade divina, uma vez que toda a reflexão decorre da união indissolúvel de Maria a Cristo pelo ato divino que a tornou Mãe de Deus. Maria é, então, parte integrante e fator de compreensão da união hipostática (duas naturezas, não confusas, em uma mesma pessoa) e, portanto, agraciada com os privilégios que daí decorrem: conceição imaculada, virgindade perpétua, assunção ao céu em corpo e alma.

2- Por outro lado, pode-se estruturar a mariologia tendo como pano de fundo o fato de ser Maria o tipo e o modelo da Igreja. Eis a mariologia eclesiástica. Esta abordagem considera em primeiro lugar Maria como imanente à Igreja, da qual é o protótipo, uma vez que aceitou a Encarnação do Verbo e Lhe emprestou a carne para que se fizesse Homem (maternidade divina). Assim também a Igreja, que concebe em seu seio os cristãos, nascidos virginalmente da “água e do Espírito” (Jo3, 5). Tal como a Igreja, Maria é mãe-virgem, imaculada, isenta de todo pecado e em sua assunção corporal ela é o protótipo da plenitude escatológica da Igreja.

Estas duas tendências, por vezes, confrontaram-se, mas de uma e de outra a Igreja sempre buscou inspiração para compreender tão profundo mistério. Integrando-se os valores positivos de ambas temos uma mariologia completa, que representa um inestimável tesouro.

Dito isto, podemos entrar na análise específica do Dogma da Imaculada Conceição.

Primórdios da Igreja

A primeira coisa que se pode dizer acerca dos enunciados mariológicos, em sua forma histórica, é que sempre estiveram relacionados com a situação teológica global de seu tempo. Não é difícil perceber que as verdades de fé possuem dois elementos constitutivos: um caráter objetivo, essencial e perene, e um caráter formal, engendrado historicamente. Portanto, os debates teológicos, sempre presentes no desenvolvimento da Igreja, representam a busca incessante pela melhor explicitação da Fé imutável. Sendo assim, quando a Igreja define um Dogma, não insere uma realidade que não existia até aquele momento, mas põe em destaque, com uma exposição formal, uma verdade antes latente. Esta compreensão ficará bastante clara, ao analisarmos o Dogma da Imaculada Conceição de Maria.

Os séculos inaugurais da era cristã foram marcados pela luta por uma expressão consensual, em termos conceituais e lingüísticos, da convicção de fé da verdadeira divindade e da verdadeira humanidade de Jesus Cristo. Em função disto, os primeiros teólogos da Igreja, ao participarem da discussão cristológica, também formularam enunciados mariológicos, sob forma de poderosos argumentos. Assim, o discurso da Conceição Virginal do Espírito reforçou a confissão da divindade de Jesus Cristo, e a tematização do Nascimento de Jesus influenciou a convicção de fé da verdadeira humanidade de Jesus Cristo.

No tocante à Imaculada Conceição, já no século II, a reflexão da Igreja orientou-se numa direção profundamente radicada na Sagrada Escritura, que continha, implicitamente, o Dogma mariano: a associação de Maria, nova Eva, à obra redentora de Cristo, novo Adão.

É assim que encontramos em Justino († 165), pela primeira vez, os indícios do paralelo Eva – Maria, ainda de modo cauteloso, mas posteriormente tão difundido (Justino, Dial. 84, 1s; 100,4). Também Irineu de Lião († 202), dentro de uma perspectiva teológico-salvífica, desenvolve tal comparação (Ireneu, Adv. Haer. III 22,4; V1,1; 19,1). Assim se desenvolve o tema de Maria cheia de graça.

No séc. V dão-se importantes passos para a explicitação desta verdade, já presente de forma germinal na Fé da Igreja. São Máximo de Turim fala de “graça original” (Máximo, Homilia 5: PL 57, 235). Outros tratam de Maria “feita de barro puro e imaculado” (Teotecno de Lívia: Laus in Assumptionem B.M.V.), distinguida com “o dom da primeira criação, por parte de Deus” (Santo André de Creta, Homilia 1: PG 97,812).

Estão lançadas assim as bases para a compreensão da Imaculada Conceição de Maria.

No próximo passo, poderemos conhecer um pouco do período de controvérsias, desenrolado na Idade Média, que foi bastante útil para a clarificação da definição dogmática.

Desde o período que chamamos de Patrística a Igreja sempre ensinou que uma vez tendo entrado a morte pela desobediência de uma mulher, também a vida veio pela obediência de uma mulher. O sim de Maria não é nada menos que uma resposta à vontade de Deus. Não uma atitude passiva, mas um ato obediente que nasce do amor. Uma abertura ao Bem, que é justamente chamada pela Igreja de liberdade. Eis a liberdade que nos alcançou a Cruz de Nosso Senhor! Pois, uma vez marcados pelo pecado original, estávamos privados desta abertura, impossibilitados do Bem. E é por isso que não se pode conceber que a Virgem Maria pudesse dar a resposta que deu se estivesse acorrentada pelo pecado original.

Por outro lado, não se poderia compreender esta ação da graça em Maria sem estar devidamente relacionada com a morte redentora de Jesus. De fato, o enunciado dogmático formulado em 1854 enfatiza expressamente que Maria foi preservada do pecado hereditário "com vistas aos méritos de Cristo Jesus".

Assim se apresenta a questão: Maria foi chamada por Deus para um serviço salvífico que não se distingue do serviço de seu Filho segundo o grau, mas segundo a natureza, uma vez que o serviço do Filho é pré-condição para o serviço da Virgem. Entra em cena, então, o conceito de pré-redenção.

A cooperação é o fato de Maria ter dado a Deus a sua forma humana.

Era preciso ser "verdadeiro homem" para que se pudesse redimir a falta da humanidade. Por amor, Deus assumiu nossa fragilidade e, para isto, "encarnou-se pelo Espírito Santo no seio da Virgem Maria e se fez homem".

Sem Maria não há Redenção. Ou ainda melhor, sem o seu "sim", ato humano, voluntário, consciente e livre.

Qual o motivo da justificação, como a das grandes figuras do Antigo Testamento, não ser suficiente para a cooperação da Virgem na obra redentora do Filho? Pois bem, respondo que trata-se aqui de dois conceitos distintos de justificação.

No elogio à Fé de Abraão, que São Paulo desenvolve no Cap. 4 da Carta aos Romanos, é perceptível que o sentido de Justificação recai sobre o dom divino do perdão dos pecados. Faço uma citação, para evidenciar o que quero dizer:

"Mas aquele que sem obra alguma crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada em conta de justiça. É assim que Davi proclama bem-aventurado o homem a quem Deus atribui justiça, independentemente das obras: Bem-aventurados aqueles cujas iniqüidades foram perdoadas e cujos pecados foram cobertos! Bem-aventurado o homem ao qual o Senhor não imputou o seu pecado (Sl 31,1s)." (Rm 4, 5-8)

Esta justiça se realiza mediante a fé inabalável que Abraão teve na promessa de Deus. Mas vejamos agora o que diz São Paulo, no cap. seguinte, quando entra Jesus em cena:

"Se pelo pecado de um só homem reinou a morte (por esse único homem), muito mais aqueles que receberam a abundância da graça e o dom da justiça reinarão na vida por um só, que é Jesus Cristo!"(Rm 5, 17)

Não se trata mais somente da recusa da parte de Deus em considerar os pecados dos justos, mas há principalmente a “abundância da graça” “Porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5, 5). Eis o efeito amplo da redenção com o qual a Virgem Maria foi previamente agraciada. Foi este amor abundante que lhe permitiu dizer: “Eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a vossa palavra”!

Referências:

"Bíblia de Navarra" e Lucio Navarro, Legítima interpretação da Bíblia, Campanha de Instrução religiosa Brasil Portugal. Recife: 1938. p 587

ALASTRUEY, G. Tratado da Virgem Santíssima, BAC. Madri: 1952, p 36.

 

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