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SANCTA ECCLESIA

História da única Igreja de Cristo


1. Deus, sapientíssimo criador de todas as coisas, ordenou-as todas a Si, como fim último; isto é, para que Lhe dessem glória manifestando as perfeições divinas que Ele lhes comunicou. O homem, criatura principal deste mundo visível, devia também promover e realizar este fim, conforme sua natureza racional, com os atos livres de sua vontade, conhecendo, amando e servindo a Deus, para alcançar depois, deste modo, o prêmio que do mesmo Senhor havia de receber. Este vínculo moral ou lei universal, pelo qual o homem se acha naturalmente ligado a Deus, chama-se Religião natural.
2. Mas, tendo a bondade divina preparado para o homem uma recompensa muito superior a quanto ele pudesse pensar ou desejar, isto é, querendo fazê-lo participante de sua própria bem-aventurança, como não bastasse já para fim tão elevado a Religião natural, foi preciso que o próprio Deus o instruísse nos deveres religiosos. De onde se segue que a Religião, desde o princípio, tivesse de ser revelada, isto é, manifestada por Deus ao homem.
3. De fato foi assim que Deus revelou a Religião a Adão e aos primeiros Patriarcas, os quais, sucedendo-se uns aos outros e vivendo juntos muitíssimo tempo, a podiam transmitir facilmente uns aos outros, até que Deus Nosso Senhor formou para si um povo que a guardasse até a vinda de Jesus Cristo, nosso Salvador, Verbo de Deus encarnado, que não a aboliu, senão que a cumpriu, aperfeiçoou e confiou à custódia da Igreja, por todos os séculos.
Tudo isto pode ser demonstrado pela História da Religião, a qual, podemos dizer, se confunde coma História da humanidade. Donde é coisa manifesta que todas as que se proclamam religiões, fora da única verdadeira revelada por Deus, de que falamos, são invenções dos homens e desvios da Verdade, da qual algumas conservam uma parte, misturada porém com muitas mentias e absurdos.
4. Quanto às seitas ou divisões que se fizeram da Igreja Católica, Apostólica, Romana, foram elas suscitadas    e promovidas por homens presunçosos, que abandonaram o sentir da Igreja universal, para irem voluntária e obstinadamente atrás de algum erro próprio ou alheio contra a fé, e são os hereges; ou, então, homens orgulhosos e ávidos de mando, que, tendo-se por mais iluminados que a Santa Igreja, lhe arrancam uma parte de seus filhos, dilacerando, contra a palavra de Jesus Cristo, a unidade católica, separando-se do Papa e do Episcopado a ele unido, e estes são os cismáticos.
Enquanto isso, o fiel católico – que inclina sua razão à palavra de Deus – pregada em nome da Santa Igreja pelos legítimos Pastores, e cumpre fielmente a santa lei divina – caminha com segurança pela estrada que o conduz a seu último fim e, quanto mais se instrui na Religião, mais é levado a ver quanto é racional a santa Fé.
5. O modo estabelecido cabalmente por Deus para a perpétua tradição da Religião foi, pois, o seguinte: a sucessiva e contínua comunicação dos homens entre si, de modo que a verdade ensinada pelos mais velhos se transmitisse do mesmo modo aos descendentes; o que durou mesmo depois que no decurso do tempo o Espírito Santo moveu diversos escritores a registrar em livros compostos sob Sua inspiração uma parte da lei divina.
Estes livros escritos com a inspiração de Deus chamam-se Sagrada Escritura, Livros Santos ou Bíblia Sagrada. Chamam livros do Antigo Testamento o que foram escritos antes da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo; os que foram escritos depois constituem o Novo Testamento.
6. A palavra Testamento significa, aqui, Aliança ou Pacto feito por Deus com os homens, a saber: de salvá-los por meio de um Redentor prometido, com a condição de que prestassem fé à sua palavra e obediência a suas leis.
A Antiga Aliança, Deus a Fez primeiro com Adão e Noé, e depois mais especialmente com Abraão e sua descendência; esse pacto exigia a fé no futuro Redentor ou Messias e a guarda da Lei dada no princípio por Deus e promulgada mais tarde para seu povo por meio de Moisés.
A Nova Aliança, depois da vinda e Jesus Cristo, nosso Redentor e Salvador, Deus a estabelece com todos os que recebem o sinal que Ele instituiu, o Batismo, e guardam a Lei que o próprio Cristo veio aperfeiçoar e completar, pregando-a em pessoa e ensinando-a de viva voz aos Apóstolos.
Estes receberam de seu divino Mestre a orem de pregar por todas as partes o Santo Evangelho, e o pregaram realmente de viva voz, antes que fosse escrito por inspiração divina, como depois o foi. Porém nem todos os Apóstolos escreveram, e é certo que nem uns nem outros escreveram tudo o que haviam visto e ouvido.
7. Pelo o que acabamos de dizer, e pelo que indicamos atrás (número 5), compreende-se a suma importância da Tradição divina, que é a própria palavra de Deus, declarada por Ele mesmo de viva voz a seus primeiro ministros e transmitida deles até nós por uma contínua sucessão. Donde nela também se estriba justamente nossa Fé, como em solidíssimo fundamento.
8. Esta Tradição Divina, junto com a Sagrada Escritura, ou seja, toda a palavra de Deus, escrita e transmitida de viva voz, foi confiada por Nosso Senhor Jesus Cristo, a um Depositário público, perpétuo, infalível, a saber, a Santa Igreja Católica e Apostólica.
Essa Igreja – fundada precisamente naquela divina Tradição, apoiada na autoridade que Deus lhe deu, e reforçada com a promessa da assistência e direção do Espírito Santo – define quais são os livros que contêm a Revelação divina, interpreta as Escrituras, fixa o sentido nas dúvidas que surgem a respeito delas, decide sobre as coisas que se referem à Fé e aos costumes, e julga com sentenças inapeláveis sobre todas as questões que nestes pontos de suprema importância possam de algum modo extraviar a inteligência e o coração dos fiéis.
9. Mas advirta-se que este julgamento compete àquela parte escolhida da Igreja que se chama docente ou ensinante, formada primeiramente pelos Apóstolos, e depois pelos seus sucessores, os Bispos, com o Papa, que é o Romano Pontífice, sucessor de São Pedro, à sua cabeça.
O Sumo Pontífice – dotado por Nosso Senhor Jesus Cristo da mesma infalibilidade de que está adornada a Igreja, e que é necessária para conservar a unidade e a pureza da doutrina, pode quando fala ex cathedra, isto é, como Pastor e Doutor de todos os cristãos promulgar os mesmos decretos e pronunciar os mesmos julgamentos que a Igreja, no que toca à Fé e aos costumes. E ninguém pode recusar essas sentenças sem prejuízo de sua fé. Além disso, o Papa pode exercer sempre o supremo poder em todo o concernente à disciplina e bom governo da Igreja, e todos os fiéis devem obedecer-lhe com sincero obséquio da mente e do coração.
Na obediência a esta suprema autoridade da Igreja e do Sumo Pontífice – por cuja autoridade nos são propostas as verdades da Fé, nos são impostas as leis da Igreja e nos é mandado tudo o que quanto ao bom governo dela é necessário – consiste a regra de nossa Fé.
PRIMEIRA PARTE
RESUMO DA HISTÓRIA DO ANTIGO TESTAMENTO
 Criação do mundo
10. No princípio Deus criou o céu e a terra, com tudo o que no céu e na terra se contém; e ainda que pudesse acabar esta grande obra em um só instante, quis empregar seis períodos de tempo, que a Sagrada Escritura chama de dias.
No primeiro dia disse: “Faça-se Luz!” – e houve luz; no segundo fez o firmamento; no terceiro separou as águas da terra e a esta mandou que produzisse plantas, flores e toda a espécie de frutos; no quarto dia fez o sol, a lua e as estrelas; no quinto criou os peixes e as aves; no sexto criou as espécies animais e, finalmente, criou o homem.
No sétimo dia cessou Deus de criar, e este dia, a que chamou Sábado, que quer dizer descanso, mandou mais tarde, ao povo hebreu, por meio de Moisés, que fosse santificado e consagrado a Ele.
Criação do homem e da mulher
11. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança, e o fez assim: formou o corpo de terra; depois soprou em seu rosto infundindo-lhe uma alma imortal.
Deus impôs ao primeiro homem o nome de Adão, que significa formado de terra, e o colocou em um lugar cheio de delícias, chamado Paraíso terrestre.
12. Mas Adão não estava só. Querendo, pois, Deus associar-lhe uma companheira e consorte, infundiu-lhe um profundo sono; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela, da qual formou uma mulher, que apresentou a Adão. Este a recebeu com alegria e a chamou Eva, que quer dizer vida, porque ela devia ser a mãe de todos os viventes.
Dos Anjos
13. Antes do homem, que é a criatura mais perfeita do mundo sensível, havia Deus criado uma infinita multidão de outros seres, de natureza mais elevada que o homem, chamados Anjos.
14. Os anjos, sem forma nem figura alguma sensíveis, porque são puros espíritos, criados para subsistir sem ter de estar unidos a nenhum corpo, haviam sido feitos por Deus à sua imagem, capazes de conhecê-lO e amá-lO, e livres para fazer o bem e o mal.
15. Foram eles submetidos a uma prova. No momento da prova, muitíssimos destes espíritos permaneceram fiéis a Deus; mas muitos outros pecaram. Seu pecado foi de soberba, querendo ser iguais a Deus e não depender d’Ele.
16. Os espíritos fiéis, chamados Anjos bons ou Espíritos celestes, ou simplesmente Anjos, foram premiados com a felicidade eterna da glória.
17. Os espíritos infiéis, chamados Diabos ou Demônios, com seu chefe, que se chama Lúcifer ou Satanás, foram lançados fora do Céu e condenados ao Inferno por toda a eternidade.
Pecado de Adão e Eva e seu castigo
18. Deus havia posto Adão e Eva em estado perfeito de inocência, graça e felicidade, isentos, portanto, da morte e de todas as misérias da alma e do corpo.
19. Havia-lhes permitido que comessem de todos os frutos do Paraíso terrestre, proibindo-lhe apenas que experimentassem o fruto de uma árvore que estava no meio do Paraíso, e que a Escritura chama árvore da ciência do bem e do mal. Chama-se assim porque Adão e Eva, por sua obediência, teriam conhecido o bem, isto é, haveriam tido aumento de graça e de felicidade; ou, como castigo de sua desobediência, deveriam decair, eles e seus descendentes, daquela perfeição e experimentar o mal, tanto espiritual como corporal. 
Queria Deus que Adão e Eva, com a homenagem dessa obediência, o reconhecessem como a seu Dono e Senhor.
O demônio, invejoso de sua felicidade, tentou Eva, falando-lhe por meio da serpente, e instigando-a a desobedecer a proibição recebida. Eva, então, tomou o fruto proibido, comeu, e induziu Adão a que também ele o comesse, e ambos pecaram.
20. Este pecado trouxe para eles e para toda a linhagem humana os mais desastrosos efeitos.
Adão e Eva perderam a graça santificante, a amizade e Deus e o direito à bem-aventurança, ficando escravos do demônio e merecedores do inferno. O Senhor pronunciou contra eles a sentença de morte, desterrou-os daquele lugar de delícias e os lançou fora dali para que ganhassem o pão com o suor de seu rosto, entre inumeráveis trabalhos e fadigas.
21. O pecado de Adão propagou-se depois a todos os seus descendentes, exceto Maria Santíssima, e é aquele com que todos nascemos, e que se chama pecado original.
22. O pecado original mancha nossa alma desde o primeiro instante de nosso ser, faz-nos inimigos de Deus, escravos do demônio, desterrados para sempre da bem-aventurança, sujeitos à morte e a todas as demais misérias.
Promessa de um Redentor
23. Deus, porém, não desamparou Adão e sua descendência em tão desventurada sorte. Em sua infinita misericórdia prometeu-lhes logo um Salvador (o Messias), que haveria de vir para livrar o gênero humano da servidão do demônio e do pecado, e merecer-lhe a gloria. Esta promessa, Deus a foi repetindo sucessivamente outras muitas vezes aos Patriarcas e, por meio dos Profetas, ao povo hebreu.
Os filhos de Adão e os Patriarcas
24. Adão e Eva, depois que foram lançados fora do Paraíso terrestre, tiveram dois filhos, a quem deram os nomes de Caim e Abel. Crescidos já em idade, Caim se dedicou à agricultura e Abel ao pastoreio. Deus havia-se mostrado agradado com os sacrifícios de Abel, o qual, piedoso e inocente, oferecia-lhe o melhor de seu rebanho; Deus, porém, desdenhava os sacrifícios de Caim, que Lhe oferecia os frutos da terra, mas o fazia sem piedade e com mesquinhez. Caim encheu-se de ódio e inveja contra seu irmão e, convidando-o para passearem juntos no campo, atirou-se sobre ele e o matou.
25. Para consolar Adão e Eva da morte de Abel, deu-lhes o Senhor outro filho, a quem chamaram Set, que foi bom e temente a Deus.
Adão, durante sua longa vida de 930 anos, teve muitos outros filhos e filhas, que se multiplicaram e pouco a pouco povoaram a terra.
26. Entre os descendentes de Set e dos outros filhos de Adão, os anciãos, pais de imensa progênie, ficavam à cabeça de tribos formadas pelas famílias de seus filhos e netos, e eram príncipes, juízes e sacerdotes. A História honra-os com o venerado nome de Patriarcas. — A Providência concedia-lhes longuíssima vida para que ensinassem a seus descendentes a Religião revelada e para que, velando sobre a fiel tradição das divinas promessas, perpetuassem a fé no futuro Messias.
O dilúvio
27. Com o correr dos séculos, perverteram-se os descendentes de Adão e a terra toda encheu-se de vícios e pecados.
Por tanta corrupção, Deus primeiro ameaçou e depois castigou o gênero humano com um dilúvio universal. Fez então chover durante quarenta dias e quarenta noites, até que as águas cobriram os montes mais altos.
Morreram afogados todos os homens, salvando-se apenas Noé e sua família.
28. Noé, por ordem de Deus, recebida cem anos antes do dilúvio, havia começado a fabricar sua Arca, espécie de navio, em que depois entrou com sua mulher e seus filhos, SemCam e Jafet, as três mulheres destes, e os animais que Deus lhe havia indicado.
A torre de Babel
29. Os descendentes de Noé multiplicaram-se rapidamente e cresceram em tão grande número que, não podendo já estar juntos, tiveram de pensar em se separar. Antes, porém, quiseram levantar uma torre tão alta que chegasse ao Céu. A obra prosseguia a passos largos, quando Deus, ofendido com tanto orgulho, desceu e confundiu as línguas, de maneira que os soberbos edificadores, não se entendendo uns aos outros, tiveram de dispersar-se sem levar a cabo seu ambicioso projeto. A torre teve o nome de Babel, que quer dizer confusão.
O povo de Deus
30.  Os homens, depois do dilúvio, não permaneceram muito tempo fiéis a Deus, mas recaíram logo nas maldades passadas, e chegaram ainda ao extremo de perder o conhecimento do verdadeiro Deus e de se entregar à idolatria, que consiste em adorar como divindade as coisas criadas.
31.  Por isso Deus, a fim de conservar na terra a verdadeira religião, escolheu um povo e tomou a seu cargo o governá-lo com especial providência, preservando-o da corrupção geral.
Princípio do povo de Deus. Renova-se com Abraão o antigo pacto.
32. Para pai e tronco do novo povo, escolheu Deus um homem da Caldéia, chamado Abraão, descendente dos antigos Patriarcas pela linhagem de Heber. O povo que teve origem nele chamou-se Povo hebreu.
Abraão havia-se conservado justo no meio de sua nação, a qual estava entregue ao culto dos ídolos; e, para que ele perseverasse na justiça, ordenou-lhe Deus que saísse de sua terra e fosse para a terra de Canaã, chamada também Palestina, prometendo-lhe que o faria cabeça de um grande povo e que de sua descendência nasceria o Messias.
Em confirmação da palavra de Deus, Abraão – embora  já em idade avançada – teve  de sua mulher Sara um filho, a quem chamou Isaac.
33. Para provar a fidelidade e obediência de seu servo, ordenou-lhe Deus que Lhe sacrificasse seu filho único, a quem tanto amava e em quem recaíam as promessas divinas. Mas Abraão, seguro destas promessas, não titubeou na fé, e, como está na Sagrada Escritura, esperou contra a própria esperança; preparou tudo para o sacrifício e ia executá-lo. Porém um Anjo deteve-lhe a mão, e, como prêmio de sua fidelidade, Deus o abençoou e lhe anunciou que daquele seu filho nasceria o Redentor do mundo.
34. Isaac, chegado aos quarenta anos, casou-se com sua prima Rebeca, de quem teve, ao mesmo tempo, dois filhos, Esaú e Jacó. 
A Esaú, como primogênito, cabia a bênção paterna; mas o Senhor dispôs que, pela solicitude de Rebeca, Isaac abençoasse Jacó, a quem Esaú vendera, por misera compensação, o direito de primogenitura.
35. Jacó, então, para livrar-se da ira de Esaú teve de fugir para Harão, onde vivia seu tio Labão, que lhe deu por esposas suas duas filhas, Lia e Raquel; depois de vinte anos regressou a sua casa, rico e com numerosa família.
No caminho de volta, antes de reconciliar-se com seu irmão, teve uma visão, e seu nome foi mudado de Jacó para Israel.
36. Jacó foi pai de doze filhos, dos quais os dois últimos, José e Benjamim, eram filhos de Raquel.
Entre os filhos de Jacó, o mais discreto e morigerado era José, que, por isso, era o predileto de seu pai. Por causa dessa predileção, seus irmãos conceberam-lhe uma inveja muito grande, e tramaram sua morte; resolveram depois vendê-lo a uns mercadores ismaelitas, que conduziram ao Egito e o venderam, por sua vez, a Putificar, ministro do Faraó, Rei do Egito.
Jacó e seus filhos no Egito
37. No Egito, José, pela sua virtude, granjeou a estima e o afeto de seu amo; mas depois, caluniado pela mulher de Putifar, foi lançado ao cárcere. Ali esteve dois anos, ate que, por haver interpretado dois sonhos do Faraó profetizado que depois de sete anos de abundância se seguiriam sete anos de carestia, foi tirado do cárcere e nomeado Vice-Rei do Egito.
No tempo de abundância, José determinou que se fizessem grandes provisões, de modo que, quando a fome começou a desolar a terra, o Egito transbordava de víveres.
38. De todas as partes vinha gente buscar trigo ali; Jacó viu-se forçado também a enviar para lá seus filhos, os quais não reconheceram logo a José; mas, reconhecidos por ele, que se deu a conhecer, encarregou-os de levar para o Egito seu pai com toda a sua família.
Jacó, desejoso de abraçar o filho amado, foi para lá, e o Faraó concedeu-lhe a terra de Gessem para sua residência e de sua família.
39. Depois de dezessete anos de permanência no Egito, Jacó, próximo da morte, reuniu em torno de si seus doze filhos, e com eles os dois filhos de José, Efraim e Manassés;  recomendou-lhe que voltassem a terra de Canaã, mas que não lhe abandonassem os ossos no Egito. Abençoou-os a todos em particular, predizendo a Judá que o Cetro do poder supremo não escaparia de sua descendência até vinda do Messias.
Escravidão dos judeus no Egito
40. Os descendentes de Jacó, chamadas hebreus ou israelitas, foram por algum tempo respeitados e tolerados pelos egípcios. Mas, tendo-se multiplicado tanto, a ponto de formar um grande povo, outro Faraó, que reinou mais tarde, oprimiu-os com o jugo da mais dura escravidão, chegando a ordenar que os filhos varões recém-nascidos fossem jogados no Nilo.
Libertação dos hebreus por Moisés
41. Todo o povo hebreu teria perecido na espantosa escravidão do Egito, sem ver a terra de Canaã, se Deus não viesse arrancá-lo das mãos de seus cruéis opressores.
42. Um menino hebreu, chamado Moisés, havia sido salvo providencialmente das águas do Nilo pela filha do Faraó, que o fez instruir e educar na própria Corte de seu pai.
Dele serviu se Deus para livrar o seu povo e cumprir as promessas feitas a Abraão..
43. Crescido Moisés, ordenou-lhe o Senhor que, em companhia de seu irmão Aarão, fosse até o Faraó e o intimasse a permitir a saída do hebreus do Egito. O Faraó recusou. Então Moisés, para vencer o endurecido coração do Rei, armado de uma vara, feriu o Egito com dez castigos prodigiosos e terríveis, chamados as Dez Pragas do Egito. A última delas foi a passagem de um Anjo, que, por volta da meia-noite, começando pelo filho do Faraó, matou todos os primogênitos dos egípcios, tanto dos homens, como dos animais.
44. Na mesma noite em que sucedeu essa mortandade, os hebreus, por ordem de Deus, celebraram pela primeira vez a Páscoa, que quer dizer a passagem do Senhor. Foi este o rito mandado por Deus: que cada família matasse um cordeiro sem mancha e borrifasse com o sangue dele a porta de sua casa, com o que estaria a salvo da passagem do Anjo exterminador; que assasse e comesse logo a carne, em traje de viajante, com o bastão de caminhante nas mãos, como quem esta pronto para a partida.
Este cordeiro era figura do Cordeiro imaculado, Jesus Cristo, o qual com seu Sangue havia de salvar da morte eterna todos os homens.
45. O Faraó e todos os egípcios, à vista de seus filhos mortos, sem mais tardança apressaram os hebreus a que saíssem, entregando-lhe quanto ouro e prata pediram.
Partiram os hebreus e depois de três dias estavam junto a praia do Mar Vermelho.
Travessia do Mar Vermelho
46. Logo, porém, arrependeu-se o Faraó de ter deixado sair os hebreus e imediatamente foi atrás deles com seus exércitos, e os alcançou junto a mar.
Moisés alentou o povo, que estava espantado à vista dos egípcios, estendeu seu bastão sobre o mar, e as águas se dividiram de parte a parte até o fundo, deixando um largo caminho aos hebreus, que passaram a pé enxuto.
47. Obstinado em sua perversidade, o Faraó lançou-se atrás deles por aquele caminho; mas, apenas chegou ao meio, caíram sobre ele as águas, e todos, homens e cavalos, morreram afogados.
Os hebreus no Deserto
48. Passado o Mar Vermelho, entraram os hebreus no Deserto, e em brevíssimo tempo poderiam ter chegado à terra prometida, Palestina, se houvessem sido obedientes à lei divina e às ordens de seu chefe Moisés; porém, havendo prevaricado e havendo-se revoltado muitas vezes, Deus fez com que vagassem quarenta anos no deserto, deixando morrer ali todos os que haviam saído do Egito, menos dois, Caleb e Josué.
Por todo esse tempo Deus proveu o sustento dos hebreus com uma espécie geada de grãos brancos e miúdos, chamada maná, a qual todas as noites cobria a terra, e de madrugada a colhiam. Porém, na noite que precedia o sábado, dia festivo para os hebreus, não caía o maná, pelo que recolhiam o dobro na madrugada de sexta-feira. Para beberem, Deus os provia de água, que brotou muitas vezes dos rochedos feridos pelo bastão de Moisés.
Uma grande nuvem, que de dia os defendia dos raios do sol, e de noite, mudando-se em coluna de fogo, os iluminava e lhes mostrava o caminho, acompanhou-os durante toda a viagem.
Os Dez Mandamentos da Lei de Deus
49. No terceiro mês de sua saída do Egito, chegaram os hebreus ao pé do Monte Sinai. Foi ali que, entre relâmpagos e trovões, Deus falou e promulgou sua Lei em dez Mandamentos, escritos em duas tábuas de pedra, que entregou a Moisés no alto do monte.
50. Mas, quando desceu do monte, depois de quarenta dias em que estivera a falar com o Senhor, Moisés encontrou o povo caído na idolatria e adorando um bezerro de ouro. Abrasado de santo zelo por tamanha ingratidão e impiedade, Moisés fez em pedaços as Tábuas da Lei, reduziu a pó o bezerro e castigou com a morte os instigadores de tão grave pecado.
Tornou a subir o monte, implorou o perdão ao Senhor, recebeu outras tábuas da Lei, e, quando desceu, o povo ficou atônito ao ver que lhe saíam do rosto raios de luz que o enchiam de glória e resplendor.
O Tabernáculo e a Arca
51. Aqui, ao pé do Sinai, fabricou Moisés, por ordem de Deus, e segundo as prescrições divinas, o Tabernáculo e a Arca.
O Tabernáculo era uma grande tenda a modo de templo que se erguia no centro do acampamento quando os hebreus se detinham. 
A Arca era um cofre de madeira preciosíssimo, guarnecido por dentro e por fora de ouro puríssimo, onde depois se puseram as Tábuas da Lei, um vaso com o maná do deserto e a vara florida de Aarão.
52. Muitas vezes os hebreus no deserto, por murmurações contra Moisés e contra o Senhor, atraíram sobre si graves castigos. Foi notável entre estes o das serpentes venenosas, por cuja mordedura pereceu grande parte do povo; muitos, arrependidos depois, sararam das mordeduras olhando para uma serpente de metal que, levantada em uma haste por Moisés, apresentava a forma de cruz. A virtude desse emblema era símbolo da virtude que havia de ter a Santa Cruz para curar as chagas do pecado.
Josué e a entrada na terra da promissão
53. Depois de os haver feito errar durante quarenta anos no deserto, Deus introduziu os hebreus na terra prometida.
Moisés a viu de longe, porém não entrou; Josué sucedeu-o no governo do povo.
54. Precedidos da Arca, atravessaram o Jordão, cujas águas pararam de correr para deixar livre a passagem pelo leito do rio; tomaram a cidade de Jericó, subjugaram os povos que habitavam a terra de Canaã e a dividiram em doze partes, segundo o número das tribos. Assim castigou Deus por meio de seu povo os gravíssimos delitos daquelas nações.
Essas tribos tomaram os nomes de Rubens, Simeão, Levi, Judá, Issacar, Zabulão, Dan, Neftali, Gad, Aser, Benjamim, filhos de Jacó; e de Efraim e Manassés, filhos de José. Contudo, a tribo de Levi não teve território a parte: Deus a chamou para o ofício sacerdotal e quis ser Ele mesmo sua porção e sua herança. Da tribo de Judá, segundo havia profetizado Jacó na hora da morte, nasceu mais tarde o Redentor do mundo.
55. Por aqueles tempos, vivia na Iduméia um Príncipe muito abastado e justo, de nome Jô, o qua1 temia a Deus e evitava fazer o mal. Querendo o Senhor fazer dele um modelo de paciência nas maiores desgraças da vida, permitiu que Satanás o tentasse com tribulações inauditas. Em poucos dias foram-lhe arrebatadas as imensas riquezas, a morte privou-o de sua numerosa família, e ele mesmo viu-se ferido em todo o corpo por umas chagas malignas.
Atribulado com tantas desgraças, Jó não pecou por impaciência; prostrado com o rosto em terra, adorou o Senhor, e disse: "O Senhor me deu, o Senhor me tirou; bendito seja o nome do Senhor". – Deus, em prêmio de sua resignação, o abençoou e, devolvendo-lhe a saúde, deu-lhe mais prosperidade do que antes.
Tudo isto está luminosamente descrito em um dos livros da Sagrada Escritura, o Livro de Jô.
Os hebreus sob os Juízes
56. Os hebreus, guiados por Josué, tendo-se apoderado da Palestina, não a abandonaram mais, sendo governados segundo a lei de Moisés, ou pelos anciãos do povo, ou por Juízes, e, mais tarde, por Reis.
Os Juízes eram pessoas (entre as quais duas mulheres, Débora e Jael) suscitadas e escolhidas por Deus, de tempos em tempos, para livrar os hebreus, sempre que estes, em castigo de seus pecados, caíam sob a dominação de seus inimigos.
57. Os dois Juízes mais ilustres foram Sansão e Samuel.
Sansão, dotado de força extraordinária e maravilhosa, incomodou e causou durante anos mil estragos aos filisteus, poderosos inimigos de Deus. Depois foi traído e perdeu suas prodigiosas forças; recuperando-as, sacudiu e derrubou um templo de seus inimigos, sob cujos escombros se sepultou com três mil deles.
Samuel, último dos Juízes, vencidos já os filisteus, reuniu por ordem de Deus o povo, que alvoroçado pedia um Rei, e em sua presença elegeu e consagrou Saul, da tribo de Benjamim, para primeiro Rei de todo povo hebreu.
Os hebreus sob os Reis
58. Muitos anos reinou Saul, mas depois dos dois primeiros foi rejeitado por Deus em virtude de gravíssima desobediência. Foi então ungido e consagrado Rei um Jovem chamado Davi, da tribo de Judá, que logo se tornou célebre matando em singular combate um gigante filisteu, Golias, que insultava o povo de Deus posto em ordem de batalha.
59. Saul, derrotado pelos filisteus, deu-se a morte. Subiu então ao trono Davi, que reinou quarenta anos sobre todo o povo de Deus. Acabou de conquistar toda a Palestina, subjugando os infiéis que ali restavam, apoderando-se especialmente da cidade de Jerusalém, que escolheu para sede de sua corte e capital de todo o Reino.
60. A Davi sucedeu Salomão, que foi o homem mais sábio que jamais houve. Edificou o templo de Jerusalém e gozou de longo e glorioso reinado. Porém, nos últimos anos de sua vida, pelas artes insidiosas de mulheres estrangeiras, caiu na idolatria e muitos temem por sua eterna salvação.
Divisão do Reino
61. Sucedeu ao Rei Salomão seu filho Roboão. Por não querer aliviar a carga duríssima dos tributos impostos por seu pai, rebelaram-se contra ele dez tribos, que tomaram por Rei a Jeroboão, cabeça dos insurrectos; só duas tribos permaneceram fiéis a Roboão a de Judá e a de Benjamim. O povo hebreu achou-se deste modo dividido em dois reinos, o Reino de Israel e o Reino de Judá, o primeiro constituído pelas dez tribos revoltadas e o segundo pelas duas fiéis. Estes dois Reinos não se uniram mais, e cada um teve a sua história.
O Reino de Israel e sua destruição
62. Os Reis de Israel, em número de 19, todos perversos e afundados na idolatria, à qual arrastaram a maior parte do povo  das dez tribos, governaram pelo espaço de 254 anos. Finalmente, em castigo de suas enormes iniqüidades, parte do povo foi dispersa, parte levada cativa para a Assíria por Salmanasar, Rei dos assírios, e o Reino de Israel caiu para não erguer mais (ano 722 a.C.).
Foram enviadas colônias de gentios para repovoar o país, aos quais se associaram em tempos sucessivos alguns israelitas retornados de seu desterro e alguns maus judeus, e entre todos formaram depois um povo, que se chamou Samaritano, inimigo acérrimo da nação judaica.
Entre os israelitas levados cativos a Nínive, capital da Assíria, encontra-se Tobias, varão santíssimo, de quem há na Bíblia Sagrada uma particular história, muito apropriada para fazer-nos adquirir alta estima de santo temor de Deus e das disposições de sua providência.
O Reino de Judá e o cativeiro da Babilônia
63. Os Reis de Judá, em número de 20, dos quais alguns foram piedosos e bons e outros grandes criminosos, reinaram, somados, 388 anos.
64. No tempo de Manassés, um dos últimos Reis de Judá, aconteceu o que se escreve no livro de Judite, a qual, matando Holofernes, general do Rei dos assírios daquele tempo, libertou a cidade de Betúlia e toda a Júdeia.
Mais tarde, outro Rei dos assírios, Nabucodonosor, pôs fim ao Reino de Judá; apoderou-se de Jerusalém e a destruiu, junto com o templo de Salomão, até os alicerces; fez prisioneiro ao último Rei, Sedecias, e levou o  povo cativo para a Babilônia.
Daniel
65. Durante o cativeiro da Babilônia viveu o profeta Daniel. Escolhido com outros jovens hebreus para ser educado e depois destinado ao serviço pessoal do Rei, granjeou com sua virtude a estima e  o afeto de Nabucodonosor, principalmente depois de lhe ter manifestado e interpretado um sonho que este tivera e do qual depois se havia esquecido.
Também foi muito amado do Rei Dario; mas os invejosos acusaram-no de adorar a seu Deus, desobedecendo o decreto real que o proibia, e conseguiram que ele fosse atirado à cova dos leões, dos quais Deus o guardou ileso milagrosamente.
Fim do cativeiro da Babilônia e volta dos hebreus à Judéia
66. O cativeiro da Babilônia durou setenta anos, depois dos quais os judeus alcançaram de Ciro a liberdade. Tornados à pátria, sob a condução de Zorobabel (ano 538 a.C.), reedificaram Jerusalém e o Templo, alentados na santa empresa por Neemias, preposto do Rei persa, e pelo Profeta Ageu.
67. Mas nem todos regressaram à sua pátria. Entre os que ficaram em terra estrangeira, achou-se, por disposição divina, Ester, a qual, escolhida pelo Rei Assuero para sua esposa, salvou depois seu povo da ruína a que estava condenado pelo Rei, instigado pelo ministro Amã, que odiava Mardoqueu, tio da Rainha.
68. Os judeus, recobrada a liberdade, foram daí por diante mais fiéis ao Senhor, vivendo na guarda de suas próprias leis e reconhecendo como cabeça de sua nação ao Sumo Sacerdote, embora com certa dependência ora do Rei da Pérsia, ora do da Síria ou do Egito, segundo a sorte das armas.
69. Entre esses Reis, alguns deixaram os judeus em paz e outros os perseguiram para reduzi-los à idolatria. O mais cruel tirano foi Antíoco Epifânio,Rei da Síria, que publicou uma  lei pela qual todos os súditos estavam obrigados, sob pena de morte, a abraçar a religião pagã. Muitos judeus, então, consentiram naquela impiedade; porém muitos mais se mantiveram firmes e se conservaram fiéis a Deus; outros muitos sofreram glorioso martírio. Assim aconteceu a um santo ancião de nome Eleazar e a sete irmãos, chamados Macabeus, com sua mãe.
Os Macabeus
70. Levantaram-se então contra o ímpio e cruel Antíoco alguns intrépidos defensores da Religião e da independência da pátria, à cabeça dos quais se colocou um sacerdote, Matatias, com seus cinco filhos, virtuosos e horóicos como ele. Retirou-se primeiro para um monte, e ali, juntando alguns valentes, desceu e desbaratou os opressores.
71. Judas, apelidado Macabeu,filho de Matatias, prosseguiu a guerra começada por seu pai, e com o favor de Deus e ajuda de seus irmãos fundou um pequeno Reino, chamado dos Macabeus; pelo espaço de 128 anos os Macabeus governaram a Judéia como pontífices e generais, e depois também como Reis.
Esse grande chefe militar, Judas Macabeu, chamado nas Sagradas Escrituras “varão fortíssimo”, deu insigne exemplo de piedade para com os defuntos e confirmou solenemente a fé no purgatório, ordenando uma grande coleta de dinheiro com destino a Jerusalém, para que ali se oferecessem dons e sacrifícios em sufrágio dos que haviam caído mortos na guerra santa. Foi por suas muitas vitórias bendito pelo povo e era o terror de seus inimigos. Mas, no fim, esmagado por estes e não sustentado pelos seus, morreu como herói, com as armas na mão, no ano 161 antes da era cristã.
A Judas Macabeu sucederam, um após outro, seus irmãos Jônatas e Simão, e depois o filho deste, João Hircano, que governou sábia, gloriosa e felizmente.
72. Mas os filhos e descendentes degeneraram da virtude de seus maiores, e discordes entre si envolveram-se em desastradas contendas com seus poderosos vizinhos; em breve a Judéia, perdidas as forças e autoridade, veio a cair pouco a pouco em poder dos romanos.
Os romanos e o fim do Reino de Judá
73. Os romanos transformaram a Judéia primeiro em nação tributária; mas pouco depois lhe impuseram um Rei de nação estrangeira, Herodes, o Grande, assim chamado por algumas felizes empresas, mas não certamente grande no juízo da História, que não cala as vilezas e trapaças que empregou para subir ao ambicionado poder, do qual se valeu mais tarde  para perseguir a pessoa adorável de Jesus Cristo em Sua infância. Feliz no exterior, viveu e morreu desgraçadamente: fim ordinário de todos os perseguidores de Deus.
Depois dele reinaram, com maior ou menor poder, três filhos seus e dois netos, mas durou pouco a sua glória, pois seu Reino foi logo reduzido a mera província do Império romano, que enviou um governador para regê-la em seu nome.
Os Profetas
74. Para conservar seu povo na observância da Lei, ou para fazê-lo voltar a ela, quando prevari-cava, e em especial para preservá-lo da idolatria, suscitou Deus em todas as épocas homens extraordinários chamados Profetas, que, inspirados por Ele, prediziam os acontecimentos futuros.
75. Alguns desses Profetas, como Elias e Eliseu, não deixaram nada escrito, mas deles e de seus feitos faz menção a História Sagrada. 
Outros dezesseis deixaram escritas suas profecias, que se conservaram entre os livros da Bíblia Sagrada.
76. Quatro destes, Jeremias, Daniel, Ezequiel e Isaías, são chamados maiores porque suas profecias são mais extensas; os outros doze são chamados menores pela razão contrária.
77. A principal missão dos Profetas era conservar viva a memória da promessa do Messias e preparar o povo para que O reconhecesse. Anunciaram, muitos séculos antes, o tempo preciso da sua vinda, e descreveram com tais pormenores seu Nascimento, Vida, Paixão e Morte, que, lendo o conjunto de suas profecias, mais parecem historiadores que Profetas.
Algumas profecias relativas ao Messias
78. Eis aqui algumas profecias que se referem ao tempo da vinda do Messias:
O Profeta Daniel, perto do fim do cativeiro da Babilônia, anunciava com toda a clareza que o Messias apareceria, viveria, seria negado e morto pelos judeus dali a setenta semanas de anos; e que pouco depois Jerusalém seria destruída e os judeus dispersos, sem se poderem constituir mais em nação.
79. Os Profetas Ageu e Malaquias anunciaram aos judeus que o Messias viria ao segundo Templo, e, por conseguinte, antes da sua destruição.
O Profeta Isaías, além de descrever muitas circunstâncias do nascimento e da vida do Messias, a gentilidade (isto é, os outros povos, os não-judeus) se converteria.
80. O que este e os demais Profetas anunciaram teve seu cumprimento. A saber: completaram-se as setenta semanas de anos, Jerusalém foi destruída, o segundo Templo foi destruído, os judeus foram e continuam dispersos por toda a terra, e os gentios se converteram: logo, o Messias deve ter vindo. Mais: todas estas profecias tiveram sua realização na Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, e só n’ele; logo, Ele é o verdadeiro Messias prometido.
SEGUNDA PARTE
RESUMO DA HISTÓRIA DO NOVO TESTAMENTO
Anunciação da Virgem Maria
81. Reinando Herodes, chamado o Grande, vivia em Nazaré, pequena cidade da Galiléia, uma Virgem santíssima, chamada Maria, desposada com José, a quem o Evangelho chama “varão justo”. Embora fossem ambos descendentes dos Reis de Judá e, portanto, da família de Davi, viviam pobremente e ganhavam o sustento com seu trabalho.
82. A esta Virgem foi enviado por Deus o Arcanjo Gabriel, que A saudou chamando-A “cheia de graça” e Lhe anunciou que Ela seria a Mãe do Redentor do mundo. Ao ouvir estas palavras e à vista do Anjo, turbou-se a princípio Maria, mas logo, tranqüilizada por ele, respondeu: “Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em Mim segundo a tua palavra”. No mesmo instante, o Filho de Deus por obra do Espírito Santo encarnou-se em suas puríssimas entranhas, e, sem deixar de ser verdadeiro Deus, começou a ser verdadeiro homem. Foi esse o começo da redenção do gênero humano.
Visita a Santa Isabel e nascimento de São João Batista
83. No colóquio com o Arcanjo, soube Maria que sua prima Isabel, mulher de um sacerdote chamado Zacarias, embora em idade avançada, ia ter um filho. Com santa solicitude, foi Maria visitar a prima nas montanhas da Judéia, para congratular-Se com ela e, mais ainda, para servi-la como humilde criada, como o fez por três meses
Aqui foi que Maria, respondendo à saudação da prima – que, inspirada pelo Espírito Santo, chamou-A “Mãe de Deus” – entoou aquele cântico Magnificat, que amiúde canta a Igreja.
84. O filho de Isabel foi João Batista, o santo Precursor do Messias.
Nascimento de Jesus e circunstâncias daquele grandioso acontecimento
85. Naquele tempo foi publicado um édito pelo qual o Imperador César Augusto ordenava que todos os vassalos do Império romano se registrassem e que, para isso, cada um se dirigisse à cidade de onde a família era originária. Maria e José, por serem da casa e família de Davi, tiveram de ir à cidade de Belém, onde havia nascido aquele santo Rei. Mas não encontrando hospedagem, pelo grande número de pessoas que ia registrar-se, tiveram de abrigar-se em uma espécie de gruta, que servia de estábulo, não longe da cidade.
86. Foi ali que, à meia-noite, o Filho de Deus, feito homem para salvar os homens, nasceu de Maria Virgem. Ela, envolvendo-o em pobres panos, reclinou-O numa manjedoura onde comiam os animais.
Nessa mesma noite apareceu um Anjo a uns pastores que vigiavam seus rebanhos naquela região, e lhes anunciou que havia nascido o Salvador do mundo. Os pastores correram atônitos ao estábulo, encontraram o Santo Menino e foram os primeiros a adorá-Lo.
Obediência de Jesus e de sua Mãe Santíssima a Lei
87. No oitavo dia após o nascimento, para obedecer à Lei, foi circuncidado o Menino e foi-Lhe posto o nome de Jesus, conforme havia indicado o Anjo a Maria, ao anunciar-Lhe o mistério da Encarnação.
Além disso, Maria Santíssima, por deferência para com a Lei, à qual não estava obrigada, apresentou-Se com Jesus no Templo aos quarenta dias, para a cerimônia da purificação, oferecendo por Si o sacrifício das mulheres pobres, que era um par de rolas, e pelo Menino Jesus o preço do resgate.
88. Havia no Templo um santo velho, chamado Simeão, que havia tido a revelação do Espírito Santo de que não morreria sem ver primeiro o Ungido do Senhor. Tomou em seus braços o divino Menino e, reconhecendo n’Ele o seu Redentor, louvou-O com sumo júbilo, e saudou-O com aquele terno cântico com que a Igreja termina cada dia o Ofício Divino: “Nunc dimittis”: “Deixai ir agora em paz o vosso servo, Senhor, segundo a vossa palavra, pois os meus olhos viram o Salvador que será a glória de Israel e a luz das nações”.
Ao mesmo tempo, acudiu uma velha e piedosíssima viúva, de nome Ana, que vendo o divino Menino regozijou-se em seu coração, e dizia maravilhas d’Ele a todos os que esperavam a redenção de Israel.
Os Magos
89. Algum tempo depois do nascimento de Jesus, entraram em Jerusalém três Magos ou sábios, vindos do Oriente, e perguntaram onde havia nascido o Rei dos judeus. Pois, estando em sua terra, haviam visto uma estrela extraordinária, e por ela, em virtude de uma antiga profecia conhecida no Oriente, entenderam que devia ter nascido na Judéia o Desejado das nações; e, inspirados por Deus, seguiram o caminho indicado pela estrela e O vieram adorar.
Reinava então em Jerusalém Herodes, o Grande, homem ambicioso e cruel. Perturbou-se ele grandemente com as palavras dos Magos, e informou-se com os príncipes dos sacerdotes em que lugar havia de nascer o Messias. Havendo sabido que o lugar indicado pelos profetas era Belém, enviou para lá os Magos e recomendou que voltassem logo, fingindo que queria ir também lá adorar o Menino recém-nascido. 
Partiram os Magos, e, imediatamente, a estrela que haviam visto no Oriente voltou-lhes a aparecer, e foi-lhes guiando até Belém, parando sobre o lugar onde estava o Menino Jesus. Entraram nele e, encontrando o Menino com Maria, sua Mãe, prostrados O adoraram, e, abertos seus tesouros, ofereceram-Lhe ouro, incenso e mirra, reconhecendo-O assim como Rei, como Deus e como Homem mortal. Pela noite, avisados em sonhos para que não voltassem a Herodes, regressaram por outro caminho à sua terra.
Morte dos inocentes e fuga para o Egito
90. Herodes esperou em vão pelos Magos. Vendo-se enganado, enfureceu-se em extremo e, esperando em sua bárbara astúcia matar Jesus, mandou que se matassem todos os meninos de menos de dois anos que houvesse em Belém e redondezas.
Um Anjo, porém aparecera antes em sonhos a José avisando-o disso e dando-lhe ordem de que fugisse para o Egito. José obedeceu imediatamente e foi com Maria e Jesus para o Egito, onde ficaram até a morte de Herodes. Depois disso, avisado novamente pelo Anjo, voltou, mas não a Belém da Judéia, e sim a Nazaré da Galiléia.
Jesus no Templo entre os Doutores
91. Chegado Jesus aos doze anos, levaram-n’O seus Pais a Jerusalém, para as festas da Páscoa, que duravam sete dias. Acabadas as festas, Maria e José partiram para Nazaré; mas Jesus, sem que eles soubessem, ficara em Jerusalém. Depois de uma dia, procuraram-n’O em vão entre os parentes e conhecidos, e, aflitos, voltaram a Jerusalém, encontrando-o ao terceiro dia no Templo, sentado entre os Doutores, ouvindo-os e interrogando-os. Sua Mãe perguntou-Lhe docemente porque se havia deixado procurar assim; a resposta que deu Jesus foi a primeira declaração de Sua divindade: “E por que me procuráveis? Não sabíeis que é preciso ocupar-Me das coisas de meu Pai?”
Depois disto, Jesus voltou com eles para Nazaré. Desde esse ponto até a idade de trinta anos nada de particular nos conta o Evangelho sobre Ele, resumindo toda a história desse período nestas palavras: “Jesus vivia obediente a Maria e José, e crescia em idade, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens”.
Pelo fato de ter passado em Nazaré o tempo de sua vida privada, foi chamado mais tarde Jesus Nazareno.
Batismo de Jesus e seu jejum no deserto
92. João, filho de Zacarias e Isabel, destinado por Deus, como vimos, para ser o Precursor do Messias e preparar os judeus para que o recebessem, havia-se retirado para o deserto para levar vida penitente.
Chegado o tempo de dar princípio à sua missão, vestido de pele de camelo e cingido com um cinto de couro, saiu para as margens do Jordão e começou a pregar e batizar. Ele dizia: “Fazei penitência, porque está próximo o Reino dos Céus”.
Um dia apresentou-se no meio da multidão do povo Jesus, que, tendo chegado aos trinta anos, devia começar a manifestar-Se ao mundo.
João, que O reconheceu, quis ao princípio escusar-se, mas dobrou-se à ordem de Cristo e O batizou. Eis que, apenas Jesus saiu da água, abriram-se os céus, e o Espírito Santo, sob a forma de uma pomba, desceu sobre Ele, e ouviu-se uma voz que dizia: “Este é meu Filho muito amado, em Quem pus as minhas complacências!”
Recebido o batismo e guiado pelo Espírito Santo, foi Jesus para o deserto, onde passou quarenta dias e quarenta noites em jejuns, vigílias e orações. Foi então que quis ser tentado de várias formas pelo demônio, para nos ensinar a vencer as tentações.
Primeiros discípulos de Jesus e seu primeiro milagre
93. Depois desta preparação, Jesus para dar começo à sua vida pública, voltou para as margens do Jordão, onde João seguia pregando. Este, ao vê-lo aproximar-Se, exclamou: “Eis aqui o Cordeiro de Deus, eis Aquele que tira os pecados do mundo”. Por este e por outros testemunhos em favor de Jesus, repetidos no dia seguinte, dois discípulos de João o Divino Mestre. Um destes, de nome André, encontrando-se com seu irmão chamado Simão, levou-o a Jesus, que, olhando-o no rosto, disse-lhe: “Tu és Simão, filho de João; de agora em diante te chamarás Pedro”. E estes foram seus primeiros discípulos.
94. Outros muito, ou chamados por Ele, como Tiago, João, Filipe e Mateus, ou movidos pela sua palavra, resolveram segui-Lo. No começo não ficavam continuamente com Jesus, mas depois de ouvir suas palavras, voltavam aos seus afazeres e suas famílias; só algum tempo depois é que deixaram tudo para seguir o Mestre e não O abandonaram mais. 
Jesus foi convidado com alguns de seus discípulos para um casamento, em Caná da Galiléia; também sua Mãe, Maria, havia sido convidada. Esta foi a ocasião em que, por intercessão de sua Mãe Santíssima, Jesus transformou uma grande quantidade de água em vinho finíssimo. Este foi o primeiro milagre de Jesus, pelo qual manifestou a própria glória e confirmou na fé os discípulos.
Eleição dos Doze Apóstolos
95. Dentre estes discípulos, Nosso Senhor escolheu doze, chamados Apóstolos, para que estivessem sempre com Ele, e para enviá-los a pregar. Foram eles: Simão, a quem havia dado o nome de Pedro, e seu irmão André; Tiago e João filhos de Zebedeu; Filipe; Bartolomeu; Mateus; Tomé; Tiago, filho de Alfeu; Judas Tadeu; Simão Cananeu; e Judas Iscariotes, que O havia de trair. Para chefe dos Apóstolos escolheu a Simão Pedro, que haveria de ser depois seu Vigário na terra.
Pregação de Jesus
96. Acompanhado dos Apóstolos e outras vezes precedido por eles, percorreu Jesus pelo espaço de três anos toda a Judéia e toda a Galiléia, pregando seu Evangelho, e confirmando sua doutrina com um número infinito de milagres.
De ordinário, aos sábados entrava na sinagoga e ensinava; mas não escolhia lugar para ensinar, e fazia-o sempre que aparecia ocasião. Lemos, com efeito, que as turbas O seguiam e que Ele não só pregava nas casas e praças, mas também ao ar livre, nos montes e no deserto, nas praias e até do meio do mar, sobre a barca de Pedro. – O célebre sermão das oito bem-aventuranças é conhecido como Sermão da Montanha pelo lugar em que o pronunciou.
Não pregava menos com o exemplo do que com a palavra. Admirados de sua longa oração, pediram-Lhe um dia os discípulos que os ensinasse a rezar, e Jesus ensinou-lhes a sublime oração do Pai-Nosso.
97. Por várias razões, entre as quais para acomodar-se à capacidade da maior parte de seus ouvintes e à índole dos povos orientais, servia-Se Jesus comumente de parábolas ou comparações. São singelas as do filho pródigo, do samaritano, do bom pastor, dos dez talentos, das dez virgens, do rico mau e o pobre Lázaro, do mordomo infiel, do servo que não quer perdoar, dos operários da vinha, dos convidados às núpcias, do grão de mostarda, do semeador, do fariseu e do publicano, do joio e do trigo, e outras muito conhecidas dos bons católicos que assistem à explicação dos Evangelhos aos domingos nas Paróquias.
98. Comumente, depois de seus discursos, apresentavam-Lhe enfermos de todos os tipos: mudos, surdos, paralíticos, cegos, leprosos; e Ele a todos devolvia a saúde.
Não só nas sinagogas ia derramando suas graças e favores; mas em qualquer lugar em que Se achava, sempre que aparecia ocasião, socorria os infelizes que em grande número Lhe eram levados, não só da Palestina e regiões vizinhas, chegando até a Síria a fama de seus milagres. Levavam-Lhe especialmente possessos do demônio, dos quais havia não poucos naquele tempo, e Ele os livrava dos espíritos malignos, que saíam gritando: “Tu és o Cristo, o filho de Deus!”
99. Duas vezes, com uns poucos pães milagrosamente multiplicados, deixou fartas e satisfeitas as multidões que o seguiam pelo deserto; às portas de Naim, ressuscitou o filho de uma viúva que ia ser enterrado; e pouco antes da Paixão ressuscitou a Lázaro, cujo corpo já cheirava mal na sepultura onde estava havia quatro dias.
100. Infinito é o número dos milagres, muitos dos quais famosíssimos, que fez Jesus nos três anos de sua pregação, para demonstrar que falava como enviado de Deus, que era o Messias esperado pelos Patriarcas e vaticinado pelos Profetas, que era o próprio Filho de Deus. Tal se manifestou em sua transfiguração no Tabor, pelo resplendor de sua glória e pela voz do Pai, que O proclamava seu Filho muito amado.
À vista de tais milagres, muitos se convertiam e O seguiam, muitos O aclamavam e chegaram a buscá-Lo para fazê-Lo Rei
Guerra aberta contra Jesus
101. Esses triunfos de Jesus despertaram desde o princípio a inveja dos escribas e fariseus, dos príncipes dos sacerdotes e dos anciãos do povo, inveja que aumentou em extremo quando Ele Se pôs a desmascarar sua hipocrisia e a reprovar seus vícios. Não tardaram em persegui-Lo e desacreditá-Lo e até em chamá-Lo de endemoninhado, procurando encontrar contradições em suas palavras, tanto para O desautorizar ante o povo como para O acusar ante o governador romano.
Essa inveja foi crescendo e se exacerbou mais quando, em consequência da ressurreição de Lázaro, se multiplicou grandemente o número dos judeus que creram n’Ele. Reuniram-se então para tramar sua morte, e o pontífice Caifás terminou com estas palavras: “É preciso que um homem morra pelo povo e não pereça toda a nação”. Dizia, sem o saber, uma profecia, pois na verdade, pela morte de  Jesus, havia de ser salvo todo o mundo.
Causa do ódio extremo. Traição de Judas
102. Finalmente, seu aborrecimento chegou ao cúmulo quando, próximo da Páscoa (era a quarta que Ele celebrava em Jerusalém depois que começara a sua pregação), estando a cidade cheia de forasteiros que de todas as partes vinham para a festa, Jesus entrou triunfante sobre um jumentinho, aclamado pelo povo que, com palmas e ramos de oliveira, havia saído ao seu encontro, enquanto muitos estendiam seus mantos pelo caminho e outros cortavam ramos e flores que espalhavam por onde Ele ia passar.
103. Então os anciãos do povo, os príncipes dos sacerdotes e os escribas se reuniram em casa do pontífice Caifás, e combinaram prender Jesus com algum ardil e às escondidas, por medo que as turbas se alvoroçassem. A ocasião não se fez esperar: Judas Iscariotes, um dos doze Apóstolos, possuído pelo demônio da avareza, ofereceu entregar-lhes o Divino Mestre por trinta moedas de prata.
A última Ceia. Instituição do Sacramento da Eucaristia
104. Era o dia em que se devia sacrificar e comer o cordeiro pascal. Chegada a hora indicada, veio Jesus à casa onde Pedro e João, mandados por Ele, haviam preparado tudo para a ceia, e puseram-se à mesa.
105. Nesta última ceia, Jesus deu aos homens a maior prova de seu amor, instituindo o Sacramento da Eucaristia.
Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
106. Acabara a ceia, saiu da cidade nosso Divino Redentor, acompanhado pelos Apóstolos. Dizendo-lhes pelo caminho as coisas mais ternas e dando-lhes os ensinamentos mais sublimes, foi como costumava, ao jardim de Getsêmani, ou Horto das Oliveiras, onde, pensando em sua própria Paixão, orando e oferecendo-Se ao Pai Eterno, suou sangue vivo e foi confortado por um Anjo.
107. Veio Judas, o traidor, à testa de um esquadrão de gente atrevida, armada de paus e espadas, e deu a Jesus um beijo, que era o sinal combinado para dá-Lo a conhecer.
Jesus, abandonado pelos Apóstolos, que fugiram de medo, viu-Se logo preso e amarrado por aqueles esbirros, e com toda a espécie de insultos e maus tratos foi arrastado, primeiro à casa de um príncipe dos sacerdotes, chamado Anás, depois à do pontífice Caifás, que naquela mesma noite reuniu o Sinédrio, o qual declarou Jesus réu de morte.
108. Dissolvida a junta dos juízes, foi Jesus entregue aos soldados, que durante toda a noite O injuriaram e ultrajaram com bárbaros tratos.
Nessa mesma dolorosa noite, Pedro amargurou o Coração de Jesus, caiu em si e chorou seu pecado por toda a vida.
109. Depois de amanhecer, havendo-se reunido de novo o Sinédrio, foi Jesus levado ao governador romano, Pôncio Pilatos, a quem o povo pediu aos gritos que Lhe desse a morte. Pilatos, que conhecia a inocência de Jesus e a perfídia dos judeus, procurava um meio de salvá-Lo; e devendo por ocasião da Páscoa dar liberdade a um malfeitor, deixou que o povo escolhesse entre Jesus e Barrabás, um facínora. O povo escolheu Barrabás!...
Pilatos, ouvindo dizer que Jesus era Galileu, enviou-o a Herodes Antipas, que regia aquela província e estava em Jerusalém para a Páscoa. Este O desprezou e tratou como louco, devolvendo-O vestido por escárnio com a túnica branca dos insensatos.
Por fim, Pilatos fez açoitar a Nosso Senhor pelos soldados, os quais depois de O terem transformado em uma chaga viva, com atroz insulto colocaram-Lhe na cabeça uma coroa de espinhos, sobre os ombros um trapo de púrpura, na mão um bordão, e zombaram d’Ele saudando-O como rei.
Mas, não bastando isso para acalmar o furor de Seus inimigos e da plebe amotinada, Pilatos condenou Jesus à morte na cruz.
110. Jesus, então teve de carregar sobre os ombros o pesado madeiro da cruz e levá-lo até o alto do monte Calvário. Ali, despido, cravado na cruz entre dois ladrões, abeberado com mirra e fel, submerso em um mar de angústias e dores, depois de três horas de penosíssima agonia, expirou rogando pelos que O crucificavam, os quais, nem assim, deixaram de manifestar sua fúria contra Ele... Depois de morto, transpassaram-Lhe o coração com uma cruel lançada.
111. Não há mente humana capaz de imaginar, nem língua que saiba exprimir, quanto padeceu Jesus desde a noite de Sua prisão, nos diversos caminhos de um tribunal para outro, na flagelação e coroação de espinhos, na crucifixão e, finalmente, em sua prolongada agonia!... Só o amor, que foi sua causa, pode despertar uma pálida idéia de tudo isto nos corações compadecidos.
Maria Santíssima assistiu com sobre-humana fortaleza à morte de seu divino Filho e uniu o martírio de seu coração às dores d’Ele para a Redenção do gênero humano.
O Pai celeste fez com que resplandecesse a divindade de Jesus em sua morte, como o havia feito em sua vida: estando Ele na cruz, obscureceu-se o sol e cobriu-se a terra de espessas trevas; e, ao expirar, tremeu a terra com espantoso terremoto, rasgou-se de alto a baixo o véu do Templo, e muitos mortos, saídos da sepultura, foram vistos em Jerusalém e apareceram a muitas pessoas.
Sepultura de Jesus. Ressurreição e Ascensão aos Céus
112. Jesus foi crucificado e morreu na sexta-feira, e na mesma tarde, antes do pôr-do-sol, foi descido da cruz e depositado em um sepulcro, no qual puseram selo e guardas, com medo de que os discípulos O roubassem.
Ao raiar a aurora do dia que se seguiu ao sábado, sentiu-se um grande terremoto: Jesus havia ressuscitado e saído glorioso e triunfante do sepulcro. Depois de aparecer a Madalena, deixou-se ver pelos Apóstolos para alentá-los e consolá-los; alguns Santos Padres pensam que Ele apareceu primeiramente à sua Mãe Santíssima.
113. Quarenta dias esteve Jesus na terra depois de sua ressurreição, mostrando-Se em diversas aparições a seus discípulos e conversando com eles. Assim fortalecia de modo milagroso os Apóstolos, confirmava-os na fé, comunicava-lhes coisas altíssimas e dava-lhes as últimas instruções; até que aos quarenta dias, os reuniu no Monte das Oliveiras e tendo-os abençoado, visivelmente e a seus olhos elevou-se da terra e subiu aos Céus.
Vinda do Espírito Santo. Pregação dos Apóstolos.
114. Os Apóstolos, seguindo as ordens do Divino Mestre, recolheram-se depois ao Cenáculo de Jerusalém. Ali, por espaço de nove dias esperavam em oração o Espírito Santo, que Jesus lhes havia prometido, e que desceu sobre eles na forma de línguas de fogo na manhã do décimo dia, chamado Pentecostes.
115. Eles, então, transformados em novos homens, começaram de repente a falar diversas línguas, segundo o Espírito os movia a falar. Naqueles dias viviam em Jerusalém judeus de todas as nações; uma multidão deles acorreu para presenciar aquele prodígio, e em um sermão que lhes fez Pedro sobre as profecias verificadas na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, e sobre os milagres operados por Ele, converteram-se três mil ouvintes.
Alguns dias depois, o mesmo São Pedro, junto com o Apóstolo São João, depois da cura milagrosa de um paralítico de nascimento, falando àquela multidão, trouxe à Fé outros cinco mil.
Não só em Jerusalém, como também em toda a Judéia onde pregavam os Apóstolos, ia crescendo o número dos que criam em Jesus.
116. Mas logo os anciãos do povo e os príncipes dos sacerdotes começaram a perseguir os Apóstolos, e, chamando-os às sua presença, repreenderam-nos asperamente, proibindo-lhes que continuassem a falar de Jesus. Eles respondiam: “Não podemos calar o que vimos e ouvimos; julgai vós mesmos se é lícito obedecer aos homens desobedecendo a Deus”. Então os prenderam e maltrataram; e mataram a pedradas o diácono Santo Estevão.
E os Apóstolos, alegres por terem sido dignos de padecer por Jesus Cristo, tiveram maior alento para pregar, e crescia sem cessar o número dos que se convertiam.
O Apóstolo São Paulo
117. O mais célebre dos convertidos ao Evangelho foi Saulo, depois chamado Paulo, natural de Tarso, que tinha sido inimigo furioso e perseguidor dos cristãos, e que depois, tocado pelo poder divino, veio a ser vaso de eleição, o mais zeloso e trabalhador dos Apóstolos.
Incríveis foram os caminhos, fadigas e tribulações deste prodígio da graça para fazer conhecer o nome e a doutrina de Jesus Cristo entre os gentios; daí ser chamado Doutor das gentes. Pregando a Fé não com o aparato da sabedoria humana, mas com milagres, convertia os povos, por mais que fosse perseguido pelos inimigos da cruz de Cristo. Estas perseguições o levaram providencialmente a Roma, onde pregou aos judeus que ali residiam e aos pagãos. Depois de outras peregrinações, voltou a Roma, e, coroando ali sua apostólica vida com o martírio, foi degolado sob o Imperador Nero, o mesmo que mandou crucificar São Pedro.
118. São Paulo deixou-nos 14 cartas, ou Epístolas, escritas a maior parte para as igrejas que havia fundado, e que são outro sinal da missão apostólica que lhe deu Nosso Senhor; pois, como observava Santo Agostinho, estão escritas com tanta elevação, lucidez, profundidade e unção, que revelam o Espírito de Deus.
Dispersão dos Apóstolos pelo mundo inteiro
119. Depois de terem pregado o Evangelho na Judéia, segundo a ordem de Jesus, os Apóstolos se separaram e foram pregá-lo por todo o mundo: São Pedro, cabeça do Colégio Apostólico, dirigiu-se a Antioquia, onde os que criam em Jesus Cristo começaram a ser chamados Cristãos. De Antioquia passou a Roma e ali estabeleceu sua sede, sem mudá-la mais para outro lugar. Ele foi Bispo de Roma, e na mesma cidade acabou sua vida com um glorioso martírio, como se disse acima, sendo imperador Nero.
Os sucessores de São Pedro na Sé romana herdaram o supremo poder de Mestre infalível da igreja que o Senhor lhe havia conferido, de fonte de toda a jurisdição, e de protetor e defensor de todos os cristãos. Por esta razão chamam-se justamente Papas, que quer dizer Pais, e sucederam-se uns aos outros sem interrupção de Pedro a nossos dias.
120. Todos os Apóstolos, concordes e unânimes em comunhão com Pedro, pregavam em todas as partes a mesma Fé; os povos se convertiam e deixavam a idolatria, de maneira que em breve o mundo se encheu de cristãos, para cujo governo os Apóstolos iam constituindo Bispos que continuassem seu ministério.

TERCEIRA PARTE
BREVES NOÇÕES DE HISTÓRIA ECLESIÁSTICA
As perseguições e os mártires
121. A Fé cristã teria de passar por duríssimas provas para que se visse manifestamente que vinha de Deus e que só Deus a sustentava. Nos três primeiros séculos de sua existência, ou seja, durante trezentos anos, muitas e terríveisperseguições se desencadearam contra os discípulos de Cristo, por ordem dos Imperadores romanos.
Não era contínua a guerra suscitada contra os cristãos, mas após curtos intervalos recrudescia, e então eram convocados para que dessem a razão de sua Fé. Eram obrigados a oferecer incenso aos ídolos, e se se negavam a isso eram sujeitos a toda espécie de infâmias, penas e tormentos que a malícia humana podia inventar, até a própria morte.
122. Eles, entretanto, não davam motivo de queixa a seus inimigos. Reuniam-se comumente para suas devoções e para assistir ao Santo Sacrifício em lugares subterrâneos, escuros e solitários que ainda subsistem em Roma e em outras partes, chamados catacumbas ou cemitérios.
Mas nem assim evitavam os perigos de morte. Inumerável multidão deles deutestemunho com o derramamento de seu sangue, de sua fé em Jesus Cristo, por cuja confirmação tinham morrido os Apóstolos e seus seguidores. Por isto são chamadosmártires, que quer dizer testemunhas. A Igreja reconhecia essas preciosas vítimas da Fé, recolhia seus corpos, dava-lhes honrosa sepultura em lugares santos e admitia-os à honra dos altares.
Constantino e a paz da Igreja
123. A Igreja não gozou de sólida paz até o Imperador Constantino, o qual _ vencedor de seus inimigos, favorecido e alentado por uma visão do céu _ publicou éditos dando a todos a liberdade de abraçar a Religião Cristã. Assim, os cristãos voltavam à posse dos bens que lhes haviam sido confiscados; ninguém os podia inquietar em razão de sua Fé; não deviam dali por diante ser excluídos dos cargos e postos do Estado; podiam erguer igrejas; e o próprio Imperador custeou às vezes a construção delas. 
Os confessores da Fé que estavam nos cárceres saíram livres, os cristãos começaram a celebrar suas reuniões com público esplendor, e os próprios pagãos sentiam-se atraídos a glorificar o verdadeiro Deus.
124. Constantino, vencido seu derradeiro competidor, ficou senhor do mundo romano, e viu-se a cruz de Cristo ondear resplandecente nas bandeiras do Império.
Mais tarde ele dividiu o Império em duas partes, oriental ocidental, fazendo deBizâncio, sobre o Bósforo, a sede da primeira, sua nova Capital, que embelezou e chamou de Constantinopla (ano 330 da era cristã). Esta metrópole veio a ser uma nova Roma, pela autoridade imperial que ali residia.
Então o espírito de orgulho e de novidades apoderou-se de alguns eclesiásticos ali constituídos em alta dignidade, os quais ambicionavam a primazia sobre o Papa e sobre toda a Igreja de Cristo. Daí surgiram gravíssimos conflitos durante muitos séculos, e finalmente o desastroso Cisma, com que o Oriente se separou do Ocidente (século IX), subtraindo-se em grande parte da divina autoridade do Pontífice Romano, que é o sucessor de São Pedro, Vigário de Nosso Senhor Jesus Cristo.
As heresias e os Concílios
125. Quando acabava de sair vitoriosa da guerra exterior do paganismo e de vencer a prova das ferozes perseguições, a Igreja de Cristo, assaltada por inimigos interiores, entrava em guerra intestina, muito mais terrível. Guerra prolongada e dolorosa, que, desenvolvida e instigada por maus cristãos, filhos degenerados, não chegou ainda seu término; mas da qual a Igreja sairá triunfadora, conforme a palavra infalível de seu divino Fundador a Seu primeiro Vigário na terra, o Apóstolo São Pedro: “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra Ela” (S. Mateus 26, 18).
126. Já nos tempos apostólicos, tinha havido homens perversos que, por interesse e ambição, turvavam e corrompiam no povo a pureza da Fé com abomináveis erros. Os Apóstolos a eles se opuseram com a pregação, com escritos e com as infalíveis sentenças do primeiro Concílio que celebraram em Jerusalém.
127. Desde então até nossos dias, não cessou o espírito das trevas seus venenosos ataques contra a Igreja e as verdades divinas de que Ela é depositária infalível. Suscitando constantemente novas heresias, tem atentado sucessivamente contra todos os dogmas da Religião Cristã.
128. Entre outras, ficaram tristemente famosas as heresias de Sabélio, que impugnou o dogma da Santíssima Trindade; Manés, que negou a Unidade de Deus e admitiu no homem duas almas; Ário, que não quis reconhecer a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo; Nestório, que recusou à Santíssima Virgem a excelsa dignidade de Mãe de Deus, e que distinguia em Jesus Cristo duas pessoas; Êutiques, que não admitia em Jesus Cristo senão uma natureza; Macedônio, que combateu a divindade do Espírito Santo; Pelágio, que atacou o dogma do pecado original e da necessidade da graça; os Iconoclastas, que rejeitavam o culto das Sagradas Imagens e das Relíquias dos Santos; Berengário, que se opôs à presença real de Nosso Senhor Jesus Cristo no Santíssimo Sacramento; João Huss, que negou o primado de São Pedro e do Romano Pontífice; e, finalmente, a grande heresia do Protestantismo (século XVI), forjada e propagada principalmente por Lutero e Calvino.
Esses inovadores _ rejeitando a Tradição divina, reduzindo toda Revelação à Sagrada Escritura, e subtraindo a mesma Sagrada Escritura ao legítimo magistério da Igreja, para entregá-la insensatamente à livre interpretação do espírito privado _ demoliram todos os fundamentos da Fé, expuseram os Livros Santos às profanações da presunção e da ignorância e abriram a porta a todos os erros.
129. O Protestantismo ou religião reformada, como orgulhosamente a chamam seus fundadores, é o compêndio de todas as heresias que houve antes dele, que houve depois dele e que podem ainda nascer para ruína das almas.
130. Com uma luta sem tréguas que dura já vinte séculos, não cessou a Igreja Católica de defender o depósito sagrado da verdade que Deus lhe confiou, nem de amparar os fiéis contra o veneno das doutrinas heréticas.
131. À imitação dos Apóstolos, sempre que houve pública necessidade, a Igreja, congregada em um Concílio Ecumênico ou Geral, definiu com toda clareza a verdade católica e a propôs como dogma a seus filhos, a apartou de si os hereges, lançando contra eles a excomunhão e condenando seus erros.
Concílio Ecumênico ou Geral é um augusta assembléia, para a qual o Romano Pontífice convoca todos os Bispos do mundo e outros Prelados da Igreja, presidida pelo próprio Papa ou por seus legados. A esta assembléia, que representa toda a Igreja docente, está prometida a assistência do Espírito Santo; e suas decisões em matéria de fé e de costumes, depois de confirmadas pelo Sumo Pontífice, são seguras e infalíveis como a palavra de Deus.
132. O Concílio que condenou o Protestantismo foi o Sacrossanto Concílio de Trento, assim chamado pela cidade em que se celebrou.
133. Ferido com esta condenação, o Protestantismo viu desenvolver-se os germes de dissolução que levava seu viciado organismo: as discussões o dividiram, multiplicaram-se as seitas, que, dividindo-se e subdividindo-se, reduziram-no a fragmentos miúdos.
No presente, o nome protestantismo já não significa uma crença uniforme e espalhada, mas encerra apenas um amontoado, o mais monstruoso, de erros privados e individuais, recolhe todas as heresias, e representa todas as formas de revolta contra a Santa Igreja Católica.
134. Contudo, o espírito protestante, que é o espírito de liberdade insolente e de oposição a toda a autoridade, não deixou de difundir-se. Surgiram muitos homens que, inchados com uma ciência vã e orgulhosa, ou dominados pela ambição e pelo interesse, não hesitaram em forjar ou dar alento a teorias transtornadoras da fé, da moral e de toda a autoridade divina e humana.
135. O Sumo Pontífice Pio IX, depois de haver condenado no Syllabus muitas das proposições mais importantes desses cristãos temerários, para aplicar o machado à raiz do mal, convocara em Roma um novo Concílio Ecumênico. Este começara felizmente sua obra ilustre e benéfica nas duas primeiras sessões que se celebraram na Basílica de São Pedro, no Vaticano (donde lhe veio o nome de Concílio Vaticano), quando, em 1870, por vicissitude dos tempos, teve de ser suspenso.
136. É de esperar que, sossegada a tempestade que agita momentaneamente a Igreja, possa o Romano Pontífice reatar e levar a cabo a obra providencial do Santo Concílio; e que, desfeitos os erros que agora combatem a Igreja e a sociedade civil, possamos logo ver brilhar com nova luz a verdade católica e iluminar o mundo com seus eternos resplendores.
137. Aqui termina nosso resumo, pois não é possível seguir passo a passo os vários sucessores da Igreja, complicados com os acontecimentos políticos, sem dizer coisas menos acomodadas ao entendimento comum, e sem desviarmos de seu fim o objetivo dessas páginas.
O bom católico deve prover-se de um bom compêndio de História Eclesiástica, pedindo conselho ao pároco ou a um douto confessor. Leia-o com espírito de simplicidade e humildade cristã e verá resplandecer na Santa Mãe Igreja os caracteres com que Nosso Senhor Jesus Cristo A distinguiu como única verdadeira Igreja que Ele fundou, os quais são: UNA, SANTA, CATÓLICA e APOSTÓLICA.
138. UNA – Verá resplandecer a unidade da Igreja no exercício ininterrupto da Fé, da Esperança e da Caridade. Verá como, em vinte séculos de vida, sempre jovem e florescente, a Igreja conta com tantas gerações, tanta multidão de homens, diversos em índole, nacionalidade e línguas, unidos em uma sociedade governada sempre por uma mesma e perpétua hierarquia, a professar as mesmas crenças, confortar-se com as mesmas esperanças e participar de orações comuns e dos mesmos Sacramentos, sob a direção dos legítimos Pastores.
Verá a hierarquia eclesiástica, formada de tantos milhares de bispos e Sacerdotes, conservar-se estreitamente unida na comunhão e obediência do Pontífice Romano, que é cabeça divinamente estabelecida, e dele receber os ensinamentos para comunicá-los ao povo com perfeita unidade de doutrina. De onde vem tão maravilhosa união? Da presença e assistência de Jesus Cristo, que disse a seus Apóstolos: “Eis que permanecerei convosco até a consumação dos séculos”.
139. SANTA. – O fiel que ler com retidão de coração a História eclesiástica verá resplandecer a santidade da Igreja, não só na santidade essencial de sua cabeça invisível, Jesus Cristo, na santidade dos Sacramentos, da Doutrina, das Corporações religiosas, de muitíssimos de seus membros, mas também na abundância dos dons celestes, dos sagrados carismas, das profecias e milagres com que o Senhor (negando-se às demais religiões) faz brilhar à face do mundo o dote da santidade de que está adornada exclusivamente sua única Igreja. 
Quem lê com ânimo desapaixonado a História eclesiástica fica atônito ao contemplar a ação visível da divina Providência, que comunicou à Igreja a santidade e a vida, e que vela por sua conservação. Foi Ela quem, desde os primeiros séculos, suscitou aqueles grandes homens, glória imortal do Cristianismo, que, cheios de sabedoria e sobre-humana virtude, combateram vitoriosamente as heresias e erros à medida que iam aparecendo: os Santos Padres e Doutores que “brilharão como estrelas por perpétuas eternidades”, na frase bíblica; de cuja unânime concordância podemos deduzir e reconhecer a Tradição e o sentido das Sagradas Escrituras.
E assombra não menos surgir providencialmente, em tempo e lugar oportuno, aquelas Ordens regulares, aquelas famílias religiosas, aprovadas e abençoadas pela Igreja, nas quais desde o século IV florescia já a vida cristã e se aspirava à perfeição evangélica, praticando os divinos conselhos com os santos votos de castidade, pobreza e obediência.
Veja-se pela História que estas famílias, no transcurso dos séculos, se têm sucedido e vão sucedendo e renovando constantemente, com um fim sempre santo, servindo-se dos meios acomodados à época: a oração, ou o ensino, ou o exercício do ministério apostólico, ou a prática multíplice e variada das obras de caridade.
Como sua Santa Mãe, a Igreja, estão elas também sujeitas a duras perseguições, que amiúde e por algum tempo as oprimem. Mas, como tais institutos pertencem à essência da Igreja pela atuação dos conselhos evangélicos, por isto, não podem perecer de todo. E é coisa averiguada pela experiência que a tribulação as purifica e rejuvenesce; e, renascendo em outro lugar, multiplicam-se e produzem mais copiosos frutos, ficando sempre como fonte inesgotável da santidade da Igreja.
140. CATÓLICA. – Verá o fiel com amargura que tantas vezes, no transcurso dos séculos, multidões imensas de católicos, até nações inteiras, desertaram miseravelmente da unidade da Igreja. Mas verá também que Deus enviava sucessivamente a outros povos e outras nações a luz do Evangelho por meio de homens apostólicos, encarregados por Ele, como o foram os Apóstolos, de guiar as almas para a salvação eterna. E se consolará ao reconhecer que o Senhor se digna confiar em nosso século este apostolado a centenas e milhares de Sacerdotes, de Religiosos de todas as Ordens, de Religiosas que Lhe estão consagradas, os quais percorrem a terra e os mares do velho e do novo mundo para dilatar o Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Donde seria um erro dar fé às falsidades dos incrédulos segundo as quais o Catolicismo se estaria extinguindo no mundo, como se os homens já não desejassem outra coisa além do progresso das ciências e das artes. Pelo contrário, as estatísticas mostram claramente que o número total de católicos nas cinco partes do mundo, não obstante as perseguições e dificuldades de todo o gênero, cresce a cada ano.
E é de esperar que, tornando-se mais fáceis os meios de comunicação, e com o favor divino, não haverá mais terra acessível onde, em uma modesta Igreja e ao redor de um pobre missionário, não haja um grupo de católicos unidos em pensamento e coração a seus irmãos de todo o mundo, e, por meio de Bispos ou Vigários Apostólicos legitimamente enviados pela Santa Sé, ligados pela mesma unidade na fé e na comunhão.
É isto o que se chama catolicidade da Igreja. Só Ela pode chamar-se católica ou universal, isto é, de todos os tempos e de todos os lugares.
141. APOSTÓLICA. – Ao percorrer a História eclesiástica, verá o fiel sucederem-se entre incríveis dificuldades tantos Pontífices Romanos que, revestidos na pessoa de Pedro das mesmas prerrogativas que Nosso Senhor Jesus Cristo deu a ele, vão comunicando a jurisdição aos sucessores dos demais Apóstolos, dos quais nenhum se separou jamais de Pedro, como agora nenhum poderá separar-se da Sé Romana, sem deixar de pertencer à Igreja, que por isto se proclama e é realmente apostólica.
142. Na História eclesiástica aprenderá o fiel a conhecer e a evitar os inimigos da Igreja e de sua Fé. No transcurso dos séculos encontrará associações ou sociedades secretas e tenebrosas que com vários nomes se foram organizando, não já para glorificar a Deus eterno, onipotente e bom, mas para derrubar seu culto e substituí-lo (coisa incrível, mas verdadeira!) pelo culto do demônio.
Não se assombrará com que os legítimos sucessores de São Pedro, sobre quem fundou Jesus Cristo a sua Igreja, hajam sido e sejam objeto de insultos, de escárnio e de aversão por parte dos hereges e incrédulos, devendo assemelhar-se ao Divino Mestre que disse: “Se a Mim me perseguiram, também a Vós vos perseguirão”.
Mas a verdade que verá deduzir-se da História é esta: que os primeiros Papas foram justamente elevados à honra dos altares, tendo muitos deles derramado seu sangue pela Fé; que quase todos os demais brilharam por seus egrégios dotes de sabedoria e virtude, sempre atentos a ensinar, defender e santificar o povo cristão; sempre prontos, como seus predecessores, a dar a vida em testemunho da palavra de Deus.
Que importa (desgraçadamente entre os doze apóstolos havia um perverso), que importa que, entre tantos, tenha havido uns pouco menos dignos de ascender à Suprema Sé, onde toda e qualquer mancha parece gravíssima? Deus o permitiu para dar a conhecer seu poder em sustentar a Igreja, conservando um homem infalível no seu ensino, ainda que falível em sua conduta pessoal
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