Creio firmemente que uma pessoa assim possa estar em ignorância invencível. O erro destrói a consciência das pessoas. A pessoa não consegue mais distinguir claramente o certo e o errado, quando a sua consciência não está “afinada”. E a partir deste momento, a pessoa pode ter entrado em um estado de ignorância sim, e muito difícil de sair aliás (devido ao egoísmo).
Porém, é importante destacar que, em uma nação católica como o país, alguém, que professava a fé verdadeira, abandoná-la depois de algum tempo é estranho. Estranho pensar em ignorância invencível. Será que essa pessoa dispôs de todos os meios necessários para conhecer e amar a Deus, quando teve a oportunidade? Apenas a pessoa pode responder isso. O fato é que aqui entra um outro aspecto: A fé é uma virtude teologal, ou seja, é um dom que Deus concede livremente às pessoas. Portanto, eu sei que se hoje não vivo no erro, é por graça de Deus, e não por mérito algum meu. Certamente já neguei muitas graças que Deus ofereceu a mim, e se não sou mais santo hoje, talvez seja culpa minha sim.
Em Apocalipse Deus abomina os indiferentes. Diz para sermos ou frios ou quentes, pois os mornos serão vomitados. É uma passagem fortíssima e séria.
Existe a obrigação moral grave de formar a própria consciência. Por isso, a verdadeira “ignorância invencível” nunca pode ser uma atitude de indiferença e conformismo com o próprio “não saber”, em matéria moral e religiosa. O estado de dúvida já tira a pessoa da ignorância invencível.
Por mais que estudemos, por mais que tenhamos mentes brilhantes, há mistérios, em Deus, que são impossíveis de se alcançar pela a razão humana. Simplesmente por que Ele é Deus. Há vários Mistérios que podemos compreender apenas sob a luz da fé. Assim é a Santíssima Trindade, a Encarnação, a Transubstanciação... São eventos que ocorreram e/ou ocorrem, mas não é fácil admitirmos que eles ocorrem, ou até que hipoteticamente possam ter ocorrido. Os humanos são assim mesmo: Somos débeis a ponto de confiar apenas em nossos sentidos. Até São Tomé foi assim: Teve de ver e tocar as chagas de Nosso Senhor para crer. Porém, no momento em que ele acreditou - mesmo com a teimosia - foi o momento em que a Graça agiu nele. Não passou pela cabeça dele algo do tipo: “Ok, Jesus ressuscitou mesmo. Que bom, gostava tanto de ouvi-lo”. Não, definitivamente! Foi mais do que isso. São Tomé naquele instante reconheceu a divindade, e sabia de que estava diante do Filho de Deus, do Verbo Encarnado. Naquele momento Tomé certamente compreendeu e aceitou muitos mistérios, compreendeu com uma profundidade incrível tudo o que se passou e estava se passando.
E é assim com todos nós. Quando a Graça de Deus age, e nós livremente correspondemos, nem mesmo a nossa falta de compreensão pode resistir. A fé ilumina o que a razão não alcança. É como diz o magnífico Hino “Pange Lingua”: praestet fides supplementum / sensuum defectui, a fé complementa quando a razão falta.
É angustiante ter em nosso redor pessoas que estão nessa condição, essa questão aí pertence a uma infindável parcela de cristãos em todo mundo. O amor (caridade, virtude teologal) é que nos leva a ter essa visão. Trata-se de algo perfeitamente normal, “Natural”. Cabe a quem descobre a verdade revelá-la ao próximo o qual, por não raras vezes, levará tempo, ou talvez nunca, para aceitá-la. Esse problema é anterior ao próprio cristianismo. Platão o expressou no Mito da Caverna.
Quem encontra a Verdade tem sede de levá-la aos que lhe são caros, mas esses possuem a liberdade de não aceitá-la, seja por medo de ver o que ainda não viram, ou por outros fatores. O papel que cabe a um cristão é abraçar a verdade e segui-la, prestando seu testemunho autêntico. Cabe ao cristão agir como um espelho a refletir a luz da verdade a todos à sua volta os quais, por sua vez, possuem livre arbítrio para, abrindo os olhos, ver, ou, fechando-os, permanecer nas trevas. Não nos cabe coagir, mas apenas desejar ardentemente e nos esforçar para que as almas que amamos encontrem a Verdade que buscamos outrora e descobrimos e, uma vez alcançada, que por sua livre iniciativa almejem seguir esta Verdade.
A obediência à lei natural é requerida na medida de sua consciência retamente formada. Se por exemplo o suicida esforça-se por formar sua consciência, e a tem reta embora equivocada, pois “consciência reta” e “consciência certa, correta” são expressões distintas, não há pecado. Requer-se, claro, a obediência à lei natural, mas ela não é sempre plena, dado que a consciência reta mas equivocadamente formada pensa ser da lei natural o que não é e despreza o que é da lei natural, achando que não é.
O próprio termo “ignorância invencível” dá a entender que essa pessoa, se foi salva, tentou vencer sua ignorância mas, devido a fatores, como bem frisaste, muito complexos deste mundo, não o conseguiu.
O Batismo de desejo implícito significa justamente isso: o cidadão nunca nem mesmo pensou na hipótese de ser batizado mas, no íntimo de sua alma, estava ligado à Igreja Católica por buscar a verdade, buscar o que agrada a Deus, embora muitas pessoas se equivoquem nessa busca. Se tivesse compreendido a importância do Batismo, o teria desejado, e só Deus conhece o coração de cada um individualmente para saber a quais pessoas isso se aplica.
E a função da Igreja Católica, “coluna e sustentáculo da verdade” como diz a Escritura, é ajudar os que buscam a verdade a se desvencilharem dos equívocos. Por isso que, embora muitas entre as pessoas que erram tenham sido salvas devido à invencibilidade de sua ignorância, os erros em si continuam equivocados, pois o caminho mostrado pela Igreja é isento de erros.
O erro é uma coisa, o “errador” é outra. Erro é sempre erro, objetivamente falando. Mas o pecador, aquele que comete o erro, é julgado não só pelo objeto, porém também subjetivamente. Se ele estava em ignorância invencível, e formando sua consciência certa (embora não reta), pode ser que seus atos não sejam pecados.
A ignorância invencível não é um segundo caminho, uma alternativa. Se há real ignorância, não há pecado.
A salvação do invencivelmente ignorante se dá também pela Igreja, pelo remédio oferecido por Cristo, através da Igreja: a graça.
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