.

Ignorância invencível e indiferentismo


Não há como fazer um diagnóstico preciso sobre nenhuma alma, a não ser, é claro, dos grandes santos em vida. Pois bem, também não temos a menor condição de avaliar quem está ou não em ignorância invencível, hoje. Claro, um nativo aqui da América, antes dos europeus, certamente estava. Agora um brasileiro hoje, está? Não vejo como dizer que sim ou não. E aqui entramos no campo das hipóteses.

Creio firmemente que uma pessoa assim possa estar em ignorância invencível. O erro destrói a consciência das pessoas. A pessoa não consegue mais distinguir claramente o certo e o errado, quando a sua consciência não está afinada”. E a partir deste momento, a pessoa pode ter entrado em um estado de ignorância sim, e muito difícil de sair aliás (devido ao egoísmo).


Porém, é importante destacar que, em uma nação católica como o país, alguém, que professava a fé verdadeira, abandoná-la depois de algum tempo é estranho. Estranho pensar em ignorância invencível. Será que essa pessoa dispôs de todos os meios necessários para conhecer e amar a Deus, quando teve a oportunidade? Apenas a pessoa pode responder isso. O fato é que aqui entra um outro aspecto: A fé é uma virtude teologal, ou seja, é um dom que Deus concede livremente às pessoas. Portanto, eu sei que se hoje não vivo no erro, é por graça de Deus, e não por mérito algum meu. Certamente já neguei muitas graças que Deus ofereceu a mim, e se não sou mais santo hoje, talvez seja culpa minha sim.

Em Apocalipse Deus abomina os indiferentes. Diz para sermos ou frios ou quentes, pois os mornos serão vomitados. É uma passagem fortíssima e séria.

Existe a obrigação moral grave de formar a própria consciência. Por isso, a verdadeira ignorância invencível” nunca pode ser uma atitude de indiferença e conformismo com o próprio não saber”, em matéria moral e religiosa. O estado de dúvida já tira a pessoa da ignorância invencível.


Por mais que estudemos, por mais que tenhamos mentes brilhantes, há mistérios, em Deus, que são impossíveis de se alcançar pela a razão humana. Simplesmente por que Ele é Deus. Há vários Mistérios que podemos compreender apenas sob a luz da fé. Assim é a Santíssima Trindade, a Encarnação, a Transubstanciação... São eventos que ocorreram e/ou ocorrem, mas não é fácil admitirmos que eles ocorrem, ou até que hipoteticamente possam ter ocorrido. Os humanos são assim mesmo: Somos débeis a ponto de confiar apenas em nossos sentidos. Até São Tomé foi assim: Teve de ver e tocar as chagas de Nosso Senhor para crer. Porém, no momento em que ele acreditou - mesmo com a teimosia - foi o momento em que a Graça agiu nele. Não passou pela cabeça dele algo do tipo: Ok, Jesus ressuscitou mesmo. Que bom, gostava tanto de ouvi-lo”. Não, definitivamente! Foi mais do que isso. São Tomé naquele instante reconheceu a divindade, e sabia de que estava diante do Filho de Deus, do Verbo Encarnado. Naquele momento Tomé certamente compreendeu e aceitou muitos mistérios, compreendeu com uma profundidade incrível tudo o que se passou e estava se passando.


E é assim com todos nós. Quando a Graça de Deus age, e nós livremente correspondemos, nem mesmo a nossa falta de compreensão pode resistir. A fé ilumina o que a razão não alcança. É como diz o magnífico Hino Pange Lingua”: praestet fides supplementum / sensuum defectui, a fé complementa quando a razão falta.


É angustiante ter em nosso redor pessoas que estão nessa condição, essa questão aí pertence a uma infindável parcela de cristãos em todo mundo. O amor (caridade, virtude teologal) é que nos leva a ter essa visão. Trata-se de algo perfeitamente normal, Natural”. Cabe a quem descobre a verdade revelá-la ao próximo o qual, por não raras vezes, levará tempo, ou talvez nunca, para aceitá-la. Esse problema é anterior ao próprio cristianismo. Platão o expressou no Mito da Caverna.


Quem encontra a Verdade tem sede de levá-la aos que lhe são caros, mas esses possuem a liberdade de não aceitá-la, seja por medo de ver o que ainda não viram, ou por outros fatores. O papel que cabe a um cristão é abraçar a verdade e segui-la, prestando seu testemunho autêntico. Cabe ao cristão agir como um espelho a refletir a luz da verdade a todos à sua volta os quais, por sua vez, possuem livre arbítrio para, abrindo os olhos, ver, ou, fechando-os, permanecer nas trevas. Não nos cabe coagir, mas apenas desejar ardentemente e nos esforçar para que as almas que amamos encontrem a Verdade que buscamos outrora e descobrimos e, uma vez alcançada, que por sua livre iniciativa almejem seguir esta Verdade.

A obediência à lei natural é requerida na medida de sua consciência retamente formada. Se por exemplo o suicida esforça-se por formar sua consciência, e a tem reta embora equivocada, pois consciência reta” e consciência certa, correta” são expressões distintas, não há pecado. Requer-se, claro, a obediência à lei natural, mas ela não é sempre plena, dado que a consciência reta mas equivocadamente formada pensa ser da lei natural o que não é e despreza o que é da lei natural, achando que não é.


O próprio termo ignorância invencível” dá a entender que essa pessoa, se foi salva, tentou vencer sua ignorância mas, devido a fatores, como bem frisaste, muito complexos deste mundo, não o conseguiu.


O Batismo de desejo implícito significa justamente isso: o cidadão nunca nem mesmo pensou na hipótese de ser batizado mas, no íntimo de sua alma, estava ligado à Igreja Católica por buscar a verdade, buscar o que agrada a Deus, embora muitas pessoas se equivoquem nessa busca. Se tivesse compreendido a importância do Batismo, o teria desejado, e só Deus conhece o coração de cada um individualmente para saber a quais pessoas isso se aplica.

E a função da Igreja Católica, coluna e sustentáculo da verdade” como diz a Escritura, é ajudar os que buscam a verdade a se desvencilharem dos equívocos. Por isso que, embora muitas entre as pessoas que erram tenham sido salvas devido à invencibilidade de sua ignorância, os erros em si continuam equivocados, pois o caminho mostrado pela Igreja é isento de erros.


O erro é uma coisa, o errador” é outra. Erro é sempre erro, objetivamente falando. Mas o pecador, aquele que comete o erro, é julgado não só pelo objeto, porém também subjetivamente. Se ele estava em ignorância invencível, e formando sua consciência certa (embora não reta), pode ser que seus atos não sejam pecados.


A ignorância invencível não é um segundo caminho, uma alternativa. Se há real ignorância, não há pecado.

A salvação do invencivelmente ignorante se dá também pela Igreja, pelo remédio oferecido por Cristo, através da Igreja: a graça.

.
PARA CITAR ESTE ARTIGO:

Ignorância invencível e indiferentismo

Rafael Vitola Brodback 06/2015 Tradição em Foco com Roma RS.


Domine Iesu, quem velatum nunc aspicio, Oro, fiat illud, quod tam sitio, Ut te revelata cernes facie, Visu sim beatus tuae gloriae. Amem.
.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:

tradicaoemfococomroma@hotmail.com

 

©2009 Tradição em foco com Roma | "A verdade é definida como a conformidade da coisa com a inteligência" Doctor Angelicus Tomás de Aquino