Santo Tomás não era gordinho, era gordão mesmo. Li uma biografia sua que foi preciso serrar a mesa do refeitório para a pança dele entrar.
Todos têm uma motivação para comer. Creio não ser possível avaliar se
houve pecado de gula a não ser olhando sempre para essa motivação.
Dar-se
ao luxo de comer alimentos saborosos, pelo prazer do paladar, não é
pecado. Aliás, buscar o prazer pelo prazer não é pecado, ou também o
seria ir à praia, nadar na piscina, jogar bola ou video-game. Nós
podemos, e devemos, como disse Santa Teresa muito apropriadamente
lembrado pela Angélica, santificar nossa vida também apreciando os
prazeres. Como sabermos se estamos desfrutando deles de forma ordenada?
Se nós os buscarmos de forma ordenada, então eles nos remeterão à
lembrança do amor de Deus, que nos dá suas graças, sobretudo a graça de
sentir a alegria espiritual e transmiti-la aos amigos; à lembrança que
somos chamados para a eterna bem-aventurança; e finalmente, ao constante
desejo do céu.
Buscar o prazer como um fim último é pecado, porque o fim último deve
ser o louvor a Deus, em cada minuto de nossa vida. Mas pode-se buscá-lo
como um fim anterior, inferior e subordinado a esse. Eu jogo video-game
com o fim primeiro de passar de fase, de me divertir, de passar o tempo.
Mas esses fins não podem obstruir o fim último da vida cristã que se dá
a todo momento, que é a prática das virtudes, sobretudo as dirigidas a
Deus.
Há quem diz que quando compra um pacote de biscoito não está
necessariamente pensando em me nutrir, e geralmente come em um horário
fora das refeições que não se está com fome e pensa isso ser pecado por estar desvirtuando o
alimento do seu fim.
Não, NÃO está pecando se comer um pacote de bolacha, NÃO está pecando se comer brigadeiros em uma festa, NÃO está pecando se for comemorar o aniversário num rodízio de pizzas, NÃO está pecando se comprar uma pirulito para o seu filho.
Volto
a repetir: a única forma de avaliar se se está pecando por gula é a
motivação que te faz comer. Se você sabe que está exagerando, que já
está empanturrado mas mesmo assim quer forçar seu organismo só para
sentir mais o gosto da comida, se a comida te afasta da ação de graças
exercendo um desejo quase hipnótico de comer; se você efetivamente
coloca a sua saúde em risco (por exemplo, se for diabético e comer
doces), e se fizer isso será por um descontrole e escravidão total à
comida, então aí você estará pecando. Fora disso, não.
Paremos que
querer achar pecado em tudo, principalmente de forma materialista,
externa a nós, querendo adivinhar o que (e o quanto) entra pela
boca que torna impuro, ao invés de procurar desenvolver um espírito
de sobriedade e ação de graças. Nessa brincadeira acaba-se
efetivamente pecando, pois o escrúpulo, isso é, o cuidado demasiado de
não pecar em nada, julgando já estar pecando em tudo, é já por si um
pecado, e às vezes um pecado de orgulho.
Está comendo em ação de
graças? Os momentos de lazer envolvendo comida estão te levando a se
alegrar de forma sadia, perante Deus e os amigos? Está atento ao mínimo
de cuidado para não prejudicar a tua saúde, ser porventura tiver algum
impedimento médico de evitar certos alimentos? Ótimo, então NÃO
se está pecando. Se continuar se martirizando com isso, eu sugiro que
procurem imediatamente um bom diretor espiritual.
Agora, é claro que o vício da gula está presente em todos nós, bem como
todos os vícios capitais. Não é necessário que se peque para que o vício
seja um problema. As recomendações espirituais não são uma obrigação que se não forem feitas mantêm a pessoa
em uma vida de pecado atrás de pecado, mas são uma forma de combater
nossa tendência à gula, que cedo ou tarde pode nos levar a pecar
sem nem percebermos. E mesmo que não pequemos por gula propriamente
dita, poderemos pecar por luxúria, ou qualquer outra deturpação dos
desejos, pois “um abismo atrai outro abismo”. É necessário a vida
ascética, de mortificação, de jejuns, até de autocontrole. É nesse
sentido que devem ser entendidas as recomendações dos moralistas de
renome indicados aqui.
Do manual “Teologia Moral” , do Fr. Teodoro da Torre Del Greco, OFMCap:
“À
gula se refere a intemperança no beber até à perda do uso da razão
(embiraguez), a qual, se é perfeita, isto é, se chega a impedir
completamente o uso da razão, é pecado mortal 'ex genere suo', se causada sem motivo suficiente.
Por graves razões, provavelmente, pode permitir-se a embriaguez, como por exemplo, para curar uma doença ou para com mais segurança submeter-se alguém a uma operação cirúrgica. Afastar a melancolia não é motivo suficiente para embriagar-se. A embriaguez que priva só parcialmente do uso da razão (imperfeita) é somente pecado venial, mas poderia tornar-se mortal pelo dano ou escândalo produzido, pela tristeza que poderia causar aos pais etc.
Em relação ao uso dos entorpecentes (morfina, cocaína, heroína, clorofórmio etc) valem os mesmos princípios, isto é: usados em pequenas doses por motivo suficiente, por exemplo, para acalmar os nervos, dores etc, são lícitos. Sem motivo justo, porém, é pecado venial.
Mas tomá-los em doses tais que privem o homem do uso da razão, é pecado grave, salvo se há motivo suficiente proporcionado; por exemplo, uma operação cirúrgica, dar alívio a um paciente de doenças muito dolorosas etc.”
Por graves razões, provavelmente, pode permitir-se a embriaguez, como por exemplo, para curar uma doença ou para com mais segurança submeter-se alguém a uma operação cirúrgica. Afastar a melancolia não é motivo suficiente para embriagar-se. A embriaguez que priva só parcialmente do uso da razão (imperfeita) é somente pecado venial, mas poderia tornar-se mortal pelo dano ou escândalo produzido, pela tristeza que poderia causar aos pais etc.
Em relação ao uso dos entorpecentes (morfina, cocaína, heroína, clorofórmio etc) valem os mesmos princípios, isto é: usados em pequenas doses por motivo suficiente, por exemplo, para acalmar os nervos, dores etc, são lícitos. Sem motivo justo, porém, é pecado venial.
Mas tomá-los em doses tais que privem o homem do uso da razão, é pecado grave, salvo se há motivo suficiente proporcionado; por exemplo, uma operação cirúrgica, dar alívio a um paciente de doenças muito dolorosas etc.”
Por mais que o pecado da gula esteja “fora de moda” , eu juro que não
consigo entender como as pessoas, ao começarem a discutir sobre ele,
tragam primeiro a debate questões como estética corporal, gorduras,
proteínas, saúde, bem-estar. Pelo jeito seria preciso descobrirem o que é
pecado antes de se preocuparem com a gula. Pois seria o mesmo que, ao
discutirem a luxúria, lançar mão de questões como se a relação sexual
ajuda no combate contra as espinhas, ou aumenta auto-estima do casal, ou
se ajuda na prevenção do câncer.
A busca pelo prazer é, sim, muitas vezes uma meta individual e egoísta.
Uma refeição saborosa, o amor entre os esposos, uma balinha de
framboesa, um tereré (ou chimarrão), um cigarro ao fim da tarde, um
jogar conversa fora com os amigos, mesmo que sejam feitos pelo prazer,
99% das vezes não estão dissociados de um fim bom!
Mas a busca do
prazer pode levar às drogas entorpecentes, à luxúria, à gula, à
indolência, à verborragia, etc. Muitas vezes, aliás. Por isso os dois
posicionamentos fazem sentido e devem ser levados em conta.
Nenhuma das nossas ações tem apenas um fim imediato, mas todas elas possuem também um fim último.
Uma pessoa que esteja em estado de graça, com maior ou menor
consciência, remete os atos bons e lícitos a Deus. Claro que é sempre
melhor que haja uma consciência clara disso.
Por outro lado, a concupiscência sempre nos puxa para baixo, e tendemos ao egoísmo.
Penso que não é diferente com o prazer: ou ele tem como fim último a Deus, ou terá um fim egoísta.
Por outro lado, a concupiscência sempre nos puxa para baixo, e tendemos ao egoísmo.
Penso que não é diferente com o prazer: ou ele tem como fim último a Deus, ou terá um fim egoísta.
Em suma, qual a finalidade do prazer?
Há uma resposta direta e simples que parece atender tanto aos reclamos da teoria da evolução quanto não fere as exigências da moral cristã: o prazer é o “motu” sensível que estimula o homem a executar aqueles atos necessários para a sobrevivência e a perpetuação da espécie. Desse modo, então, pode-se dizer que o prazer sexual estimula a procriação e que se não houvesse tal estímulo poucos se animariam a procriar. Ou, então, se saciar a fome não fosse fonte de prazer, muitos não se alimentariam suficientemente. E assim para os demais prazeres sensíveis. (E esse segundo ponto é que creio seja mais interessante.). No entanto, essa explicação, ainda que pareça relativamente satisfatória à primeira vista, pode ser não só simplista e incompleta como, também, muito pobre.
Há uma resposta direta e simples que parece atender tanto aos reclamos da teoria da evolução quanto não fere as exigências da moral cristã: o prazer é o “motu” sensível que estimula o homem a executar aqueles atos necessários para a sobrevivência e a perpetuação da espécie. Desse modo, então, pode-se dizer que o prazer sexual estimula a procriação e que se não houvesse tal estímulo poucos se animariam a procriar. Ou, então, se saciar a fome não fosse fonte de prazer, muitos não se alimentariam suficientemente. E assim para os demais prazeres sensíveis. (E esse segundo ponto é que creio seja mais interessante.). No entanto, essa explicação, ainda que pareça relativamente satisfatória à primeira vista, pode ser não só simplista e incompleta como, também, muito pobre.
Um caminho que me parece poder ser mais fecundo é encarar o prazer (e não só o sensível) como adequação da atividade humana ao logos criado (deixando de lado os aspectos biológicos). Isto é, quando o homem, ao agir como homem (e aí incluo o pensar e o amar), se
defronta com o bom, o belo, o uno e o verdadeiro (que são os
transcedentais do “ser”) há uma natural confluência entre o seu ser
homem e aquela realidade que conhece/desfruta, pois ambas comungam - a
seu modo - do mesmo logos participado de Deus. E isso causa
prazer/desfrute prazeroso ao homem. E quanto maior a perfeição do ser “desfrutado” pela reta ação/conhecimento maior é o prazer causado.
Isso ainda me parece pobre, pois creio que poderia haver classes e categorias de prazeres (por, exemplo, o êxtase místico ou intelectual é uma forma de prazer?). Ou ainda: pode-se falar de prazer na “visão beatífica” ?
Isso ainda me parece pobre, pois creio que poderia haver classes e categorias de prazeres (por, exemplo, o êxtase místico ou intelectual é uma forma de prazer?). Ou ainda: pode-se falar de prazer na “visão beatífica” ?
A conclusão poderia ter como embasamento o fim imediato e fim último de cada ação humana.
Para combater a gula:
Para combater a gula:
Sabendo de tudo isso e procurando o usar o discernimento, temos de
observar algumas regras no que se refere às consolações sensíveis:
1)
Pode-se desejá-las de um modo condicional, com intenção de que nos
sirvam para amar a Deus e cumprir sua santa vontade. Afinal são dons que
Deus nos concede para trabalharmos na obra de nossa santificação e,
portanto, podemos estimá-los e pedi-los, mas sempre nos submetendo à
santa vontade do Criador.
E a liturgia da Igreja também reflete isso, na Coleta da Missa de Pentecostes do rito romano tradicional, por exemplo, temos o seguinte pedido:
Ó
Deus, que (neste dia) esclarecestes os corações dos fiéis com as luzes
do Espírito Santo, concedei-nos a graça de amarmos neste mesmo Espírito o
que é reto e de sempre nos alegrarmos com sua consolação.
2)
Quando nos forem dadas, devemos recebê-las com gratidão e humildade,
tomando a nós mesmos por indignos e atribuindo ao Senhor todo o mérito
delas. Soberba será o melhor meio de perder as consolações sensíveis.
3) Depois de agraciados com humildade, devemos nos servir delas com
cuidado, seguindo a reta intenção de Deus ao nos enviá-las. Ensina São
Francisco de Sales (Filotéia, parte IV, capítulo XIII):
Tendo-as
recebido assim humildemente, empreguemo-las cuidadosamente segundo a
intenção daquela que no-las dá. Pois essas doçuras não as dá Deus para
nos fazer suaves com todos e mais amorosos para com Ele? A mãe dá uma
bala ao filhinho para que ele a beije. Beijemos pois este salvador que
nos dá tantas doçuras. E beijar o Salvador é obedecer-lhe, observar os
seus Mandamentos, fazer a sua vontade, seguir os seus desejos, numa
palavra, abraçá-lo ternamente com obediência e fidelidade. Portanto
quando recebermos alguma consolação espiritual, é preciso que nesse dia
sejamos mais diligentes em praticar o bem e em nos humilharmos.
4)
Por último temos de ter bem claro que as consolações não vão durar para
sempre e pedir a Deus a graça de servi-Lo no meio de uma aridez.
A palavra chave é equilíbrio. Manter os horários adequados para a alimentação e desfrutar da mesma não como fim de consolo, mas como benefício nutricional. Como nos ensina a Rainha dos Baixinhos na canção abaixo.