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A Ordem dos Jesuítas

Post sobre a ordem mais assombrosa que a Igreja Católica Romana já brindou o mundo: a ordem jesuita.

As Ordens da Igreja são todas fascinantes. Se fosse religioso, desejaria fazer parte de todas elas, seria cartuxo para que o mundo me esquecesse, e dessa maneira em minha lápide só ficasse um cruz sem identificar meu nome. Seria beneditino, pois a Ordem, devagar e sempre, no ritmo do Ora et Labora conquistou todo um continente e feudalizou a Europa, ensinando os nobres a terem autoridade e paternidade, assim como são os abades com seus monges. Seria franciscano, pois a entrega absoluta de suas vidas à pobreza radical, por amor a Deus e aos homens é mais que uma conversão: é um ato de entrega total à Providência (alguém já imaginou sair de casa com a roupa do corpo e nunca mais voltar para pegar coisa alguma?). Seria dominicano, para pregar, pregar, pregar, e espalhar a devoção ao rosário. Ou premostratense. Ou carmelita. Ou trinitário. Ou Mercedário. Ou cisterciense...

Mas de todas estas ordens, não há nada mais audaz do que um jesuita. Como é impressionante que estes homens fossem forjados pela filosofia tomista, como os dominicanos, pela disciplina militar, como os Hospitalários ou os Templários, pelo exame de consciência, pelos retiros contemplativos, como se fossem monges, e pela devoção aos estudos, como se fossem beneditinos?

Tudo isso, sob a ordem de serem enviados para qualquer lugar do mundo, polo norte, interior da África, até mesmo para Meca, como os franciscanos, que não tinham bens em comum...
A mim me parece que eles eram o modelo do religioso perfeito. Foram cruciais, nunca subiram degraus tão altos, de forma tão vertiginosa e rápida, na Igreja Católica. Saltaram bem alto... Talvez por isso, a queda tenha sido maior. Porque os melhores homens foram católicos, e os piores também. E homens tão devotos assim, ao degenerar, são praticamente demônios.

Os começos da evangelização no Brasil são realmente dignos de toda a consideração e todas os agradecimentos à nação lusitana. É um orgulho ter recebido a religião católica de guerreiros da fé, afinal de contas, naqueles idos, o que era a terra portuguesa além de uma terra visceralmente cristã, que veio até nós através da sombra da Ordem de Cristo, outro nome da ordem templária?

Quem desconhece a topografia de Salvador não pode imaginar nem de longe o quão difícil seria se estabelecer aqui. Em meio a um litoral cheio de recifes e praias microscópicas, franjas de areia e rochas, que terminavam em frente a paredões de até setenta metros, e cobertos de arvoredos, umidade e doença tropical, enfim... O simples estabelecimento nestas paragens já bastaria em si mesmo para ser considerado um feito épico que dispensa comentários... E se considerarmos que El Rey enviava para as terras alcançadas a fina flor do conhecimento da época - que eram os jesuitas - então, muito me admiram os ímpios que reduzem a colonização portuguesa a mero comércio de exploração.

Como esses padres foram ousados! Ainda mais desbravadores que os próprios colonos, ao constatarem que os primeiros muitas vezes prejudicavam os índios por roubarem-lhes as mulheres, reduzi-los à escravidão ou introduzirem o vício do álcool. Portanto, ao constatarem que, por serem de tez branca, já eram hostilizados pelos índios que tinham contato com os colonos, decidiram desta forma, logo que chegassem, se embrenharem selva adentro, de forma a serem os primeiros brancos a ter contato com as diversas tribos, e amansá-los antes que viessem os colonos, que na falta de conselheiros espirituais, decaiam livremente por aqui, tomando concumbinas índias e animalizando-se na ganância (embora isso não se aplicasse necessariamente a todos).

E assim, os índios do litoral foram aos poucos abandonando a antropofagia, o vício da guerra e da bebedeira... Parte pela conversão, parte por serem exterminados, e parte por se extinguirem por si mesmos, vítimas de suas próprias decadências morais, ou de tribos inimigas que os destruíram.

Mas quando penso os feitos dos jesuitas, que subiram a Serra do Mar... Deus meu! O litoral do país, em grande parte é tomado por esses mares de morros e selva tropical... E essa gente subiu, enfrentando as feras, os mosquitos, os índios violentos, a lama, o próprio peso de seus equipamentos, o calor úmido e escaldante... Tudo isso para começar a se instalarem em locais ermos, com resultados incertos. Quantos não morreram afogados na trajetoria? Quantos não pereceram em nossos recifes? E quantos sobraram dos que conseguiram pisar em terra firme? Como, apesar de tudo isso, cinco anos depois da chegada do Padre Manoel da Nóbrega e sua comitiva de seis jesuítas, já possuíam cinco novas estações, dentre elas São Paulo de Piratininga?

O que dizer de um padre José de Anchieta, que fazia composições de cantos litúrgicos em língua indígena? O que dizer do martírio de Inácio de Azevedo e seus trinta e nove companheiros, assassinados no mar por um corsário protestante (que era um espanhol a serviço de calvinistas franceses)? E o martírio de Pero Dias e seus doze companheiros, que morreram nas mãos de outro corsário francês?

Naqueles tempos, não existia nada que se comparasse de longe com um padre jesuita recém-saído do seminário.

Eu costumo, em meus pensamentos, comparar um padre diocesano ou religioso da época a um universitário, e um jesuita a um doutor catedrático.

Os jesuitas eram a elite! Eram homens que faziam a diferença! Como el-Rey permitiu-se privar de homens dessa extirpe?

Como podiam ser tão versáteis?

Passemos um olhar às atividades deles no mundo, naqueles tempos. É impossível referir todos os pontos onde se exerceu essa atividade multiforme. Foi de jesuítas a missão enviada por Portugal, em 1548, no rasto do santo e heróico padre Contreras a Ceuta e Tetuán, para assegurar uma verdadeira assistência espiritual aos cativos cristãos da África e tratar de resgatá-los: fizeram parte dessa missão homens que viriam a ser ilustres na Companhia, como Nunes Barreto, que mais tarde iria em direção à Etiópia, e Luís Gonçalves, que desempenharia um grande papel junto de Santo Inácio e, depois, na corte de Portugal. Foram de jesuítas as equipes que, em diversas circunstâncias, os papas enviaram a Constantinopla e que, apesar das variações dos humores dos sultões muçulmanos, tão depressa benevolentes como perseguidores, conseguiram abrir escolas e mesmo pregar, o que lhes valeu inúmeros conflitos com os cismáticos gregos. E o seu exemplo foi seguido por outros, como o jesuíta belga Nicolau Cleynaerts, ou “Clenardo”, que sonhou na conversão dos muçulmanos e, para isso, desejando conhecer a fundo os seus livros de religião e de ciência, foi viver em Fez, no Marrocos, e cujo corpo repousa hoje no Alhambra, mesquita transformada em igreja.

(Imaginem! Estudar o Islã para converter os muçulmanos)!

E os jesuítas no Paraguai e Uruguai, que reduziram os índios nômades, para lhes trazer o Evangelho e a civilização? Os jesuítas fizeram feudos, onde os índios aprenderam a construir casas, a cultivar a terra, a manejar as armas. Repartiam a terra e, notando o gosto dos indígenas por música, os jesuítas davam um grande lugar aos concertos e aos cânticos nas suas missões...

E não foram só os índios... E quanto ao gado humano, que arrancado da África por traficantes? São Pedro Claver, um filho de camponeses catalães, entrou na Companhia de Jesus e fez-se seu apóstolo na Colômbia. Recebia-os quando desembarcavam, cuidava dos feridos e dos doentes, acompanhava-os às plantações e às sórdidas cabanas onde os colonos os empilhavam, e não cessou, ao longo de trinta e nove anos, de batizar, converter, amar... Nada conseguia desanimá-lo, nem as cóleras e contra-ataques dos brancos, nem mesmo, às vezes, a incompreensão dos seus pobres negros, que tendiam a odiá-lo só pela diferença da cor da pele.

Perdoem-me, mas não consigo parar de falar nos jesuítas. Afinal, foram eles que, na “terra do preste João”, na Etiópia dividida entre os hereges monofisistas e os muçulmanos cada vez mais próximos, conseguiram ver as nascentes do Nilo Azul, enquanto pregava aos etíopes de forma a impressioná-los com o perfeito conhecimento de suas línguas nativas (o padre Pais, a quem me refiro, dominava o geês, língua litúrgica dos cristãos monofisistas da Etiópia, e o amárico, língua popular).

E o que dizer de São Francisco Xavier, nobre que abandonou tudo e a pedido de D. João III de Portugal, lançou-se à Ásia (e graças a Deus pisou aqui em Salvador, a caminho das Índias, tanto que é nosso padroeiro e tem uma relíquia sua num andor da Catedral Basílica - que era o antigo "Il Gesù" do Brasil). De Lisboa a Goa em geral eram necessários seis meses de viagem. Com São Francisco Xavier à bordo, durou treze meses. Coube a ele cristianizar os tripulantes, pregar aos escravos etíopes e aos colonos que estavam de mudança. Chegou a Goa como núncio apostólico e acompanhante do vice-rei, mas desprezava as pompas e se ajoelhava diante do arcebispo franciscano João de Albuquerque, e que se alojou no hospital para cuidar dos doentes e dos leprosos. Em Goa ele virou o pai dos pagãos enganados, alvo de inveja dos padres acomodados e protestava através de cartas a El Rey contra os portugueses trapaceiros e cruéis.

São Francisco Xavier tinha uma nunciatura que começava na Pérsia e ia até o Oceano Pacífico. Lançou-se na Ásia, caminhando sem cessar entre desertos de areia, calor sufocante, chuvas torrenciais das monções, ou barquinhos sacudidos por tempestades, de forma a abalar seriamente a saude.

Fez sucesso entre os humildes, e foi desprezado pelos brâmanes. Confirmou na fé alguns povos que haviam recebido o evangelho a muito tempo, e estavam naqueles dias reduzidos a viver de vagas recordações e ritos depauperados. Batizava aos milhares, e às vezes as dificuldades apareciam de outras formas, como no Sri Lanka, onde um líder muçulmano provocou uma chacina aos cristãos. Trabalhou entre os cristãos de São Tomé, cristandade perdida nos confins da Índia, e entre os pagãos, a ponto de batizar dez mil pessoas em poucas semanas. Em trinta dias, São Francisco Xavier converteu mais hindus do que todos os seus predecessores não jesuitas em trinta anos!

Ele confessou ter realizado várias conversões em massa, e que tinha administrado o sacramento, de uma vez só, a aldeias inteiras; confessou mesmo ter sentido às vezes o braço cansado!

E quanto aos problemas com as diversas línguas? Ele responde: "As coisas importantes na vida não precisam de intérpretes". Ele sofria de um frenesi em propagar o cristianismo, de um sentimento lancinante de que todos esses povos da Ásia lhe tinham sido confiados, e de que devia levar-lhes auxílio depressa, antes que as potências do inferno estabelecessem sobre eles o seu domínio.


Portanto foi ainda mais longe, seguindo a Costa do Coromandel para o norte, depois a Meliapur, depois foi à Malásia, tocou Málaca, e em dois anos de navegação incessante entre as ilhas de Sonda e o arquipélago das Molucas, lutou contra a devassidão sexual de seus habitantes. Permaneceu entre as tribos mais ferozes do Cerão e depois da ilha do Moro, nas Filipinas, contra todas as decepções e tentações de desânimo. Em dezembro de 1547 voltou a Málaca, e lá a Providência se manifestou a ele mais uma vez.

Em Málaca ele conheceu um português e um japonês convertido, que se chamava Hashiro, que se batizou como Paulo da Santa Fé, e conseguiu levar o santo ao Japão, em 1549.
Viajaram numa barqueta miserável feita de junco chinês, que foi sacudida fortemente por tufões e por doenças que contaminaram a tripulação. Ao chegar finalmente a Kagoshima, a cidade do convertido nipônico, obteve um primeiro feixe de conversões. Porém, o Japão estava mergulhado em anarquia feudal, e sua obra passou por esse primeiro comprometimento.

Não desanimou. Aprendeu o japonês para discutir com os bonzos mais instruidos, para, conquistando a elite, chegar até o povo. Os bonzos fizeram troça dele, mas viram que o santo era cada vez mais admirado, então conseguiram eliminar a concorrência intrigando junto à autoridade local. Tanto melhor: o santo dirigiu-se a Kioto, a cidade das noventa mil casas, capital e residência do Micado, centro intelectual do Japão, onde quase mil estudantes frequentavam cinco Universidades.

Passou por outros contratempos: ao desembarcar na Ilha de Honshu, o inverno chegou com rigor, com neve, vento e gelo, de pobres albergues e até mesmo de pedradas das crianças, que viam sua aparência miserável... Ao chegar a Kioto, nova decepção: arruinada pela guerra civil, e o Micado, cheio de desconfiança pelo aspecto esfarrapado dos dois cristãos, recusou-se a recebê-lo.

E aí vemos a astúcia do santo: o missionário tinha incluído em sua bagagem algumas peças de roupa vistosas, trazidas da Europa, e diversos presentes de valor: um relógio de rodas, uma espécie de cravo ou de cítara, um rico arcabuz, vinhos portugueses, garrafas de cristal, óculos, espelhos. Assim transformado em embaixador do rei de Portugal, fazia melhor figura, e, com efeito, foi recebido por um dos grandes senhores feudais. Nesses meses, ele teve uma conquista lenta e sólida: converteu somente umas quinhentas ou seiscentas pessoas, dentre elas um cantor ambulante e meio cego, que era amado no Japão, e mais tarde se tornaria o primeiro jesuíta amarelo com o cargo de provincial das Índias Orientais. Despediu-se, deixando lá uma jovem cristandade, e com o pensamento que lhe puseram lá, o de dirigir-se ào farol que iluminava todo o Extremo Oriente, à terra-mãe as civilizações: a China.

Chegando a Goa, organizou tudo, resolveu os problemas da Companhia, e deixou à sua comunidade um testamento espiritual, com instruções norteadas por uma vontade de humildade, abnegação e sacrifício. Depois disso, lançou-se novamente ao mar.

Em direção a Cantão, na China, mais dificuldades: os perigos do mar, piratas, e então as doenças.
Desta vez a saúde de São Francisco não resistiu. Quando o seu humilde batel chegou à ilha de Szang-tcheou, à vista do litoral chinês, uma febre maligna protrou o apóstolo, que morreu pouco depois inconformado por não ter conseguido autorização para aportar no país. Morreu numa choupana, ao lado de um diácono indiano e de outro chinês, que narrou os seus últimos momentos, exceto os instantes em que o santo, delirando, começava a se exprimir na sua língua materna, o basco de Navarra... Ainda assim, o diácono entendeu que o santo repetia várias vezes o nome de Jesus. E morreu num sábado, 3 de dezembro de 1552.

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O que dizer de tantos, de tantos outros?

E o padre Mateus Ricci, que em 1583 conseguiu chegar à China através de Macau? Espírito enciclopédico, "humanista de Renascença" no bom sentido, brilhante em línguas antigas, em filosofia, em teologia, matemática, cosmografia e astronomia. Mateus Ricci aprendeu a falar o chinês de forma razoavel em 1 ano, e até em escrever um pouco. E sua aparência de italiano do sul se assemelhava menos aos europeus, somada à sua barba que deixou crescer, o fazia familiar com um extremo oriental...

Mateus Ricci fez um trabalho de pesquisa teórica sublime: antes de chegar à China, já falava a língua, já estudava seus filósofos, seus clássicos, suas religiões. Sabia que a China se considerava o centro do mundo.

Dirigiu-se primeiro aos letrados, que eram de grande influência. Conseguiu chegar até eles através de seus talentos de... pintor! Enquanto seu companheiro jesuita retornou à Europa para explicar os avanços da companhia, Mateus Ricci se familiarizava ainda mais com a China. Estudando as religiões que se praticavam no Império, chegou a conhecer perfeitamente o taoísmo, o budismo e o confuncionismo, que era a religião da elite intelectual.

Dessa forma, tomou posição contra os taoístas e os budistas, e demonstrava aos confuncianos que a sua doutrina (confuncionista) se parecia muito com o cristianismo, sublinhando habilmente os pontos de coincidência. A técnica não é nova, desde que o fim seja a conversão, e não o diálogo, como querem os hereges de nossos tempos. Mas igual coisa fizeram os Padres da Igreja em relação aos filósofos gregos e São Tomás de Aquino em relação a Aristóteles. Onde faltavam os pontos de contato, o hábil jesuíta criou-os! Deixou permanecer os ritos chineses que não ofendessem ao cristianismo, como os de prostração e incensação. E os letrados chineses passaram a relacionar-se de bom grado com esse homem eloquente, culto, que lhes ensinava tantas e tantas coisas maravilhosas sem interferir nos seus costumes. Deram-lhe - honra insigne - um nome de letrado na sua casta: Li Mateu.

Mas o que mais maravilhou os curiosos foram os instrumentos que os jesuitas tinham levado consigo: relógios de tique-taque misterioso, o prisma que, ao decompor a luz solar, dava uma gama de cores prodigiosa, o astrolábio, a bússola... Sim! Os chineses inventaram-na, mas usavam-na de forma mágica e superticiosa, não compreenderam o próprio invento... Um exemplar de um mapa chamado Theatrum mundi, da autoria de um belga causou espanto. Resultado: o próprio imperador da China convocou esses padres à Cidade Proibida.

O padre Ricci e os demais jesuitas apresentaram-se vestidos com trajes de seda de mandarins, com seus nomes de chineses letrados, e com todas as cerimônias chinesas de cortesia. Ensinaram o imperador sobre tudo o que levaram, em diversas audiências de quatro a cinco horas, e quando o imperador viu o mapa, pediu uma cópia.

Mateu Ricci fez melhor: como ele tinha um grande conhecimento de geografia, aprendido no seminário, fez um mapa em que o império da China ocupava o centro, o que dava aparência do país ser ainda maior. O ato de entrega do mapa foi de tal importância que os anais da dinastia Ming o registraram oficialmente. Entusiasmado, o imperador ordenou que se fizessem cópias para distribuir em todo o território chinês e autorizou seu novo Ptolomeu a pregar livremente por toda a parte.

Ele converteu pouca gente. Ao morrer em 1610 - no mesmo dia em que assassinaram a punhaladas o rei Henrique IV da França (o que havia abjurado a seita dos huguenotes, e que escapou por um fio da matança de S. Bartolomeu), não haviam mais de 2.500 conversos, todos da elite chinesa... Mas ele abriu as portas. Por mais de um século, viram-se na corte de Pequim astrônomos e matemáticos oficiais do imperador que eram nada menos do que padres jesuitas. Por volta de 1650, calculava-se em 150.000 o número de católicos na China...

Na Índia, chegou o padre Roberto Nobili, sobrinho-neto do Papa Júlio III, sobrinho do cardeal Nobili e de São Roberto Belarmino, filho do senhor de Montepulciano, na Toscana. Apresentou-se como um "rajá" da Europa, e diante da ausência de frutos entre a obra de conversão dos hindus, resolveu pensar de onde vinham os problemas. E entendeu.

Os padres que fossem à Índia deveriam levar em conta a organização social e religiosa, que em alguns locais era mais firmes que em outros. Na costa indiana, nem tanto, mas no interior se levava muito mais a sério a questão das castas. E o contato com os párias era suficiente para afastá-los de todo o povo.

E o povo considerava os europeus como bárbaros muito ímpios, por comerem carne de vaca e tomar bebidas alcoólicas.

Sendo assim, o padre Nobili mudou de métodos. Como as castas altas eram evidentemente as formadoras de opinião, passou a pregar entre as castas altas para chegar às baixas.
Imediatamente começou a apresentar-se com a veste de tecido amarelo dos sanianes, isto é, dos ascetas, que eram muito respeitados. Como eles, usava o barrete em forma de turbante, o véu vermelho passado por detrás da cabeça e lançado sobre os ombros até ao braço esquerdo. No peito, o cordão de cinco fios, três de ouro e dois de prata, dos brâmanes, em cuja extremidade prendeu uma cruz. Adotou também os tamancos munidos de uma cavilha presa entre os dedos maiores do pé. Quando saía à rua, não deixava de levar o bordão e a vasilha de cobre que servia às pessoas da sua categoria para receber as ofertas. E morava numa cabana, tradicional entre os eremitas, os "saniases", e com quem se identificava totalmente.

Não demorou a falar-se em toda a região desse rajá romano que se tinha feito asceta, que nunca comia carne nem bebia vinho, que se alimentava unicamente de legumes, e a quem nunca se via falar com um "intocavel" pária. Em breve se viu rodeado de um movimento de curiosidade, de simpatia e de estima. tinha estudado a fundo a Índia, os seus povos, as suas línguas; falava correntemente o tâmil, língua popular, mas dominava também o sânscrito. A sua ciência dos livros sagrados hindus tornou-se tão extraordinária que os brâmanes mais ilustrados vinham conversar com ele, maravilhados de ouví-lo citar de cor os seus autores; chegaram mesmo a pedir-lhe - a ele, um europeu - esclarecimentos sobre certos pontos das suas próprias doutrinas!

Ao ler os Vedas, o padre Nobili encontrou nas suas páginas uma tradição de que se ia aproveitar. Segundo se consta, em tempos recuados, os homens dispunham de quatro caminhos para chegarem à verdade e à salvação, mas por causa da sua malícia, a quarta, a mais segura, se perdeu .

Como outrora São Paulo afirmara aos atenienses que o "Deus desconhecido" não era senão Cristo, o padre Nóbili explicou aos brâmanes que o caminho perdido era o cristianismo. E soube mostrar-se tão persuasivo que, em 1609, setenta deles se converteram e o seu exemplo foi seguido por outros, não só na região de Maduré, ms em Mysore e no Karnataka. Naturalmente, a esses neófitos que, fazendo-se cristãos, estavam convencidos de que não rompiam com a sua fé passada e os seus costumes ancestrais, o jesuíta permitiu-lhes conservar tudo o que, nas tradições deles, não lhes parecesse idolátrico ou superticioso.

Por causa disso, a Inquisição de Goa condenou seus métodos, por raiva deste padre italiano ter conseguido êxitos importantes, porque sua forma de proceder deixava os demais religiosos vinculados aos párias como intrusos portugueses, e por ter causado celeuma sua forma radical de evangelizar. Desta forma o padre apelou da sentença, e foi absolvido pela Inquisição de Lisboa e por uma sentença de Gregório XV. A partir daí, no futuro, Roma decidiu que dali por diante haveria duas categorias de missionários: uns - brâmanes - para as castas altas, e outros - os pandarás - para os párias.

E voltando às ovelhas perdidas, à própria Europa, os jesuitas lançaram-se também à reconversão. Houve um autêntico ressurgimento católico na França, na Hungria e na Polônia, nações ameaçadas, que viram no século XVII um novo vigor de catolicismo firmarem-nas definitivamente na Igreja Universal. O segundo geral dos jesuítas, o padre Laínez, empregou suas forças nesta empreitada. Como são educadores, os jesuitas se espalharam entre os protestantes e mesmo entre os cismáticos. Tendo em vista a Inglaterra, o jesuita William Allen, futuro cardeal, funda o célebre Colégio de Douai, de onde partem missionários cujo fim último será acabarem mártires. Com efeito, em pleno reinado de Elisabeth, em meio do terror, partiram padres voluntários para procurar reconduzir ao catolicismo os seus irmãos.

Muitos se contentavam em regar com o sangue as terras de sua pátria. Proclamando-se súditos leais do seu soberano, recusando-se a pactuar com os políticos, que fomentavam conspirações ridículas, não procuraram senão rezar, testemunhar, falar. Escrevia um deles, o bem-aventurado Edmund Campion, numa carta à rainha: "Todos os jesuitas do mundo concluímos um pacto, que sobreviverá a todas as maquinações da Inglaterra, de carregar a Cruz - esta Cruz que vós nos impusestes - e de nunca desesperar da vossa conversão. E haverá sempre um de nós para saborear a alegria de vosso Tyburn (o patíbulo), para suportar as angústias das vossas torturas ou para sucumbir nas vossas masmorras: pois foi assim que se implantou a fé e é assim que será restabelecida".

Edmund Campion foi preso, torturado durante dias e dias, e, esgotado e alquebrado, foi primeiro suspenso de uma forca, e depois, meio estonteado, mas ainda vivo, entregue a um carrasco que abriu seu ventre e lhe arrancou as entranhas. E ele não foi o único a morrer assim! Em vida, fora um brilhante aluno de Cambridge, distinguido pelo favor real, mas que não quisera fazer no anglicanismo a lisonjeira carreira que lhe propunham, para permanecer fiel à fé dos seus antepassados.

No Sacro Império, na linha de frente estavam os jesuitas, que abriram seminários e colégios em Viena, Ingolstadt, Salzburgo e em Ratisbona, e muitos outros colégios e seminários, mesmo nos países protestantes. Por isso regiões germânicas inteiras voltaram ou se consolidaram no catolicismo, como a Boêmia e a Baviera. E foi nestas terras germânicas que nasceu o holandês São Pedro Canísio. Ele dizia: "Limitemo-nos a expor simplesmente a doutrina católica, e obteremos muito maiores resultados, e melhores, do que pela força e pela polêmica". Fez libelos de apologética tão perfeitos, que o povo chamava o catecismo de Canísio... Converteu muitas pessoas, inclusive duas mulheres da família dos banqueiros Fugger. Os protestantes como Melanchton e Wigand tinham por ele ódio mortal.

Graças à educação jesuitica, os príncipes que tinham feito os seus estudos em colégios da Companhia, uma vez chegados ao poder, trabalharam energicamente na restauração católica, e reduziram muito o protestantismo, especialmente na Áustria, na Baviera, mas também o abade de Fulda, os príncipes-bispos eleitores de Tréveris e de Mogúncia, o arcebispo de Würtzburg, e boa parte da Renânia, que recuperou Aix-La-Chapelle, Colônia e Estrasburgo. Em outras palavras: quando viesse a última Guerra de Religião, em 1618, o protestantismo alemão será menor que nos tempos de Lutero, em 1530.

A Hungria, em sua parte imperial, retornou à fidelidade católica, tanto que, após 25 anos, a coroa de Santo Estevão estará pronta para assumir novamente as responsabilidades que séculos de fidelidade católica lhe impunham.

Mas o país que retornou com todas as forças ao catolicismo foi a Polônia. Nesses tempos ela estava ameaçada fortemente, mas a força de seus bispos, especialmente a do cardeal Estanislau Hosius, somada a uma brilhante missão de São Pedro Canísio, e o habilíssimo trabalho diplomático do núncio Commendone restabeleceu a situação. E a indestrutível fidelidade dos homens do campo à sua antiga fé católica se encarregou do resto. Quando os jesuitas se estabeleceram por lá com toda força, abrindo colégios, a Polônia passou de terra ameaçada a praça forte em direção à Suécia e à Russia. Os jesuitas chegaram a converter um rei sueco, mas a mudança dinástica os prejudicou. Mesmo assim conseguiram manter uma casa em Estocolmo, e na Russia, também por questões políticas, os jesuitas naquele período não conseguiram penetrar... Mas...

Mas uma outra frente jesuítica conseguiu reconduzir à fé católica os rutenos, isto é, as populações de obediência, doutrina e liturgia bizantinas que viviam nos territórios da Polônia e da Lituânia, na época unidas, e que sofriam influência de Moscou.

Os cismáticos se enfureceram. Em plena catedral de Kiev, um fanático cortou de uma machadada dois dedos ao metropolita uniata Hipácio Pociej, e a grande figura da conversão da Rutênia, São Josafá Kuncewicz, cairia mártir em 1623. Mas, dirigido por um homem de energia incansável, Ruski, antigo monge basiliano feito arcebispo de Polotsk, o episcopado uniata resistiu a todos os assaltos. A Rutênia permanece fiel até hoje, e nem mesmo o comunismo conseguiu dobrá-la.

Finalmente, naquelas épocas surgiu também São Roberto Belarmino, que preparou uma refutação geral das teses heréticas, fazendo nascer assim as Controvérsias, enorme tratado latino, rapidamente traduzido em várias línguas, que, ponto por ponto, e além disso com uma objetividade excepcional, apresentava as doutrinas de Lutero, de Calvino e de outros, e em seguida expunha a verdadeira fé católica. Idéia genial, que iria pôr nas mãos dos pregadores e dos professores os melhores argumentos elaborados para refutar as asserções e teses dos adversários, sem contudo enveredar pelo campo da polêmica grosseira.

Nada escapou a Belarmino do que a heterodoxia tinha dito sobre Cristo, a Igreja, a graça, a liturgia, os sacramentos, etc. Nomeado "professor de controvérsia" na Universidade gregoriana de Roma, e depois, apesar da resistência da sua humildade, arcebispo de Cápua e cardeal, o grande jesuíta passou todo o resto da sua vida a instruir centenas de discípulos para a luta das idéias e a dar ânimo às Congregações Romanas, mesmo à da Propagação da fé, da qual foi um dos fundadores. Não deixou de responder sequer às fábulas absurdas das Centúrias protestantes, como a da papisa Joana.

Enfim, por hora paro por aqui, fazendo injustiça a muitos outros que mereceriam serem mencionados, como o padre Antônio Vieira, Pedro Fabro, muitos, muitos outros... E muitos feitos mais.

Pois fica aí uma mostra rápida do que foram esses homens forjados na disciplina dos Exercícios Espirituais.


 

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