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Dia mundia de combate à Aids. Faça sua parte!


O que deve fazer um cônjuge ao saber que o outro contraiu involuntariamente o HIV, como, por exemplo, numa transfusão de sangue (se tiver contraído voluntariamente através do adultério, o CDC permite, em razão dele, a separação, mantendo, no entanto, o vínculo matrimonial)? Deve ele abster-se de relações sexuais em absoluto? Nesse caso, não estaria pervertendo os fins do matrimônio, tanto o fim procriativo, quanto o unitivo? E, caso continuasse a manter relações com o cônjuge contaminado, não estaria pondo em risco a própria vida?

Muitas pessoas afirmam que os atos sexuais são quase que obrigatórios dentro do Matrimônio, mas eu tenho lá minhas dúvidas a esse respeito. Talvez alguém pense no caso de São José e Nossa Senhora, mas o Matrimônio deles foi bem diferente dos demais, São Jerônimo chega a dizer, no tratado da Virgindade Perpétua de Maria que eles nem foram casados de fato.

Mas há santos, como Santa Edwiges, que, de comum acordo com o marido, após terem tido alguns filhos, fizeram um voto de continência dali por diante, e o mantiveram até o fim da vida. Se não me falha a memória, esse voto de Santa Edwiges e seu marido Henrique foi abençoado por um Bispo. São Paulo, em uma de suas Epístolas (se alguém se lembrar exatamente onde se encontra essa passagem, por favor poste a citação aqui) recomenda que os casais de vez em quando abstenham-se, de comum acordo e por um certo tempo, dos atos sexuais "para se dedicar mais à oração" (não sei se são exatamente essas as palavras). A Beata Anna Catharina Emmerich recomenda, em seu livro "Santíssima Virgem Maria" (página 55) a continência durante a gestação como forma de obter de Deus a graça de preservar "o fruto do ventre materno de muitos impulsos pecaminosos". Segundo ela, a partir da Conceição Imaculada de Maria Santíssima, Santa Anna e São Joaquim mantiveram a continência até o fim da vida.

Ora, voltando à palavra da Bíblia (de São Paulo), no caso de infecção por HIV, a mesma recomendação é válida, não só para intensificar a vida de oração, mas também para preservar a vida e a saúde do cônjuge não infectado. E se é "por um certo tempo", neste caso é fácil perceber que este "tempo" é até o fim da vida terrena. Quanto ao infectado, terá a oportunidade de exercer uma verdadeira caridade mantendo a continência, mesmo sendo casado(a), com objetivo de preservar a saúde de sua esposa (ou marido). Cf. Ef 5,25-26.

O Matrimônio se consuma pela relação sexual. E é preciso ter o direito ao ato sexual, em tese, para a ratificação do Matrimônio. São José e a Santíssima Virgem entregaram esse direito um ao outro, sim, e por isso tiveram casamento.

O que eles não tiveram foi o exercício.

De fato, os atos sexuais dentro do Matrimonio não são "quase" obrigatorios... são completamente obrigatórios! Veja que o Direito Canônico afirma que a impôtencia precedente ao Matrimonio e um impedimento por sua propria natureza!

O sexo não é a dimensão principal de um Matrimônio Cristão, mas faz parte da natureza mesma do Matrimônio, e como tal, deve ser vivido em plenitude.

O uso do preservativo entre um casal cujo um dos cônjuges estaria com HIV feriria as dimensões da união matrimonial?

Sim

A moralidade das ações no que diz respeito à relação "ato conjugal/transmissão da vida" não se dá apenas por intenção ou pela apreciação dos motivos, mas pela objetividade dos fatos.

É intrinsecamente má TODA ação que, como fim ou como meio, torne impossível a procriação.

Quanto à impotência, de fato, ela deve ser anterior ao matrimônio e, para causar o impedimento, deve ser irreversível. Observe-se que a impotência posterior não tem nada que ver com isso.

Quer dizer que, uma vez que um casal já consumou sua união conjugal, ainda que não haja mais relações íntimas, a união já está consumada.

Obrigatória é, portanto, apenas uma única relação após a ratificação, ou seja, após a celebração do Matrimônio, a qual é suficiente para consumar o Matrimônio. Foi o caso de Santa Edwiges e o Duque Henrique: já tinham filhos, seu Matrimônio já estava consumado fazia tempo, quando resolveram, de um certo momento até o fim da vida, não ter mais relações sexuais. E resolveram de comum acordo, o que é muito importante, pois não podem mais dispor do corpo, um entregara ao outro o "direito", portanto de comum acordo é sim perfeitamente lícito ao casal, após ter consumado sua união com no mínimo uma relação sexual após a ratificação, a continência de comum acordo pelo tempo que desejarem. São Paulo, em I Cor 7, não recomenda que seja por toda a vida, mas também não o proíbe. Alguém por acaso acha que esse voto atrapalhou a santificação de Santa Edwiges?

Aqueles que, infectados pelo HIV, se abstiverem de relações durante toda a vida para preservar a saúde do cônjuge, contem com a intercessão de São José, pois ele também se absteve, embora sendo casado, se bem que por motivo radicalmente diferente: por respeito ao templo do Espírito Santo que era o Corpo de Maria Santíssima, como explica detalhadamente São Jerônimo no Tratado da Virgindade Perpétua de Maria.

A tese está plenamente de acordo com a de São Jerônimo: São José recebeu o "direito" de ter relações com Maria Santíssima, mas livremente abdicou desse direito por respeito, por saber da obra que o Espírito Santo operara nela. São Mateus frisa que, antes do nascimento de Jesus, quando a evidência dessa obra, a São José, era só um sonho, ele já tinha esse respeito; e São Jerônimo chama a atenção para a evidência de que ele o manteve muito mais depois, quando viu coisas muito mais extraordinárias confirmando indubitavelmente o que o Anjo lhe dissera:

O que gostaríamos de saber é por que José teria se privado [de Maria] até o dia de ter ela dado à luz? Helvídio certamente responderia: "Porque ele ouviu o que o anjo disse: 'pois o que nela foi gerado provém do Espírito Santo'". Nós, então, responderíamos a seguir que [José] certamente ouviu o que o [anjo] disse: "José, filho de Davi, não temas em tomar para ti Maria como tua esposa". A razão pela qual ele estava proibido de repudiar sua esposa era porque não achava que ela fosse adúltera. Seria então verdade que o [anjo] ordenara que não tivesse relações sexuais com sua esposa? Não está suficientemente claro que a advertência feita foi para que não se separasse dela? E poderia o homem justo pensar em se aproximar dela tendo ouvido que o Filho de Deus estava em seu ventre? Ótimo! Vamos então acreditar que o mesmo homem que deu tanto crédito a um sonho, não se atreveu a tocar em sua esposa, mesmo depois, quando ele ouviu dos pastores que o anjo do Senhor desceu dos céus e lhes disse: "Não temais! Eis que vos anuncio uma grande alegria, que o será também para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de Davi, o Cristo Senhor"; e após, quando a multidão celeste se juntou ao anjo e entoaram: "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade"; e ainda quando o justo Simeão abraçou a criancinha e exclamou...

"Podeis levar agora para ti este teu Servo, Senhor, pois os meus olhos viram a tua salvação, conforme a tua palavra"; e também quando [José] viu a profetisa Ana, os Magos, a Estrela [de Belém], Herodes, os anjos...

Eu diria então: quer Helvídio nos fazer acreditar que José, muito bem inteirado de tamanhas maravilhas, ousaria tocar o templo de Deus, a morada do Espírito Santo, a mãe do seu Senhor? Maria mantinha todos esses eventos "guardados em seu coração". Vocês não podem cair na vergonha de dizer que José desconhecia tudo isso, pois Lucas nos diz: "Seu pai e sua mãe ficavam maravilhados das coisas que diziam a Seu respeito".

Nota: para quem não sabe, Helvídio era uma pessoa que proferira contra Maria uma blasfêmia quase igual à que o ímpio Dan Brown proferiu recentemente contra Jesus, negando-Lhe a virgindade perpétua.

Mesmo sem consumar, o Matrimônio é válido, ainda que nunca venha a ser consumado. É o caso da Virgem e de São José. Seria inválido somente se nem mesmo o direito de consumação fosse mutuamente entregue por eles.

Essas colocações de São Jerônimo, aliás, levam à conclusão de que São José colocou em prática, com sua continência, o que profetizara Ezequiel: O Senhor disse-me: "Este pórtico ficará fechado. Ninguém o abrirá, ninguém aí passará, porque o Senhor, o Deus de Israel, aí passou; ele permanecerá fechado." (Ez 44,2)

Se bem que é fato que São Jerônimo diz em seu tratado: "José era suposto marido de Maria, mas não marido de fato", essa frase é aliás o título da segunda parte do Tratado. Quer dizer então que o Matrimônio deles foi ratificado, mas não consumado; ou talvez consumado mas de forma completamente diferente dos demais matrimônios, o que significaria afirmar que o que São Jerônimo chama de "marido de fato" corresponde a um matrimônio consumado mediante a relação conjugal normal. No caso deles, em minha modesta opinião, parece ter se consumado de uma outra forma completamente diferente, pela constituição da Sagrada Família, modelo de santidade a todas as famílias em todos os aspectos, exceto somente a virgindade perpétua dos cônjuges.

São José consumou plenamente o que Deus queria dele: que Ele fosse o pai adotivo do Filho de Deus, que protegesse a Santíssima Virgem e Jesus na infância, que tivesse a incomparável graça de ensinar um ofício a Jesus, onde Ele verdadeiramente "pensou com cérebro humano e trabalhou com mãos humanas", como diz o Catecismo; e que pusesse em prática o que profetizara Ezequiel quanto ao templo Santíssimo por onde o Senhor passou, a Santa Habitação da qual surgiu o Senhor como disse Zacarias (2,17).

A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé já negou a existência de uma exceção [do uso do preservativo à casais infectados ]muito semelhante, como podemos ver neste documento:

http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_31071994_uterine-isolation_po.html

Portanto é pouco provável que venha a afirmar a licitude de relação sexual com preservativo em caso de HIV, pois isso, na minha opinião meramente pessoal, pareceria uma contradição: não pode ligar as trompas nem mesmo num caso tão extremo quanto o apresentado no documento acima linkado, então talvez seja contraditório concluir que pode usar preservativo, algo tão anti-natural que torna as relações muito mais parecidas com uma recíproca masturbação do que com verdadeira relação sexual. Mas como se trata de uma mera percepção pessoal, sem confirmação do Sagrado Magistério, admito a possibilidade de estar errado. Mas fato é que, enquanto não sai o pronunciamento do Magistério, não se pode afirmar com certeza a licitude dessa grande exceção, pode-se apenas conjecturar admitindo a hipótese de estar errado. E não é lícito fazer algo sem que se tenha fundamento para absoluta certeza de que de fato é lícito, em outras palavras, se você não tem certeza se algo é pecado ou não, então não faça. "Escolhe, pois, a vida" (Deut 30 e lema da CF 2008).

O primeiro passo pra relativizar algo é destruir a Lógica Matemática e fazer 2 + 2 = 5.

O católico trabalha com as premissas de que:

Qualquer que seja X, se X é ato humano e X, como fim ou como meio se proponha a tornar impossível a procriação, então X é ação má em si mesma e, se é na essência, nada pode mudar esse caráter.

Também com a premissa de que quando se trata de harmonizar o amor conjugal com a transmissão da vida não basta apenas considerar a intenção ou mesmo apreciar retamente os motivos, mas tomar critérios objetivos tirados da natureza da pessoa e de seus atos.

Evidentemente, objetividade não é o forte de quem gosta de relativizar as coisas.

O uso do preservativo para evitar contaminação do cônjuge é equivalente ao uso para evitar a gravidez, pois, ainda que não seja fim, serve de meio para isso. Mais ainda, não caracteriza duplo efeito porque existe alternativa (a não ser que sejam "anulados" os matrimônios válidos em que um dos cônjuges ficou tetraplégico) e ainda desvincula os caráteres unitivo e procriativo que não podem ser separados por intervenção humana.

É óbvio que a Santa Sé pode efetuar uma melhor interpretação da questão e revisar alguma das premissas (não obstante eu considerar que as mesmas derivam da Lei Natural, a qual é divina, perfeita e imutável), mas, por enquanto, esta é a regra. E o fato de alguém estar debatendo isso é irrelevante para a objetividade da inferência lógica que aqui se produz através de silogismos.

Considere a seguinte questão:

Um casal católico na áfrica. Um dos cônjuges numa transfusão de sangue, contamina-se com o HIV. Seria lícito utilizar o preservativo numa relação sexual a fim de não contaminar sua esposa?"O fim não justifica os meios, ou seja, a finalidade de atender a um impulso natural não justifica o meio mau que é o preservativo. O debate se resolve dessa maneira sem que possa haver hesitação. A camisinha fere a lei natural ou o funcionamento normal do aparelho genital instaurado por Deus.

(Dom Estevão Bettencourt, OSB. 24 de outubro de 2006, 10:28 h)

 

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