Por exemplo, o termo reacionário é um rótulo usado por liberais esquerdistas pra demonizar pessoas mais conservadoras que não concordam com a maldita ideologia socialista.
Dessa forma qualquer um que defenda valores como a familia tradicional, o direito à propriedade, a educação católica tradicional, a primazia do individuo sobre o coletivo, automaticamente e pejorativamente são rotulados de reacionários.
Infelizmente tais rótulos também passaram a ser usados para marcar o rebanho de Cristo.
Agora temos “bispos conservadores” e “bispos progressistas”. Católicos conservadores e Católicos “progressistas ou liberais”.
E os “tradicionais”?
Sempre quando me perguntam que linha sigo e qual é a linha do blog, se é rad trad por ter Monsenhor Lefebvre como patrono ou conservador por obedecer o Vaticano II dentro da Tradição Católica, eu nunca respondi até que consegui encontrar uma definição que julguei satisfatória, nos cursos de espiritualidade do Pe. Paulo Ricardo. Costuma ele dizer que o único homem que já pisou nessa terra foi Jesus Cristo. Todos os outros são apenas “pedaços de homens”. Não somos homens integralmente, perdemos muito de nossa humanidade com o pecado original.
Essa reflexão foi tão forte que eu percebi que para me definir, e mais ainda, para me aceitar, é necessário compreender que muito do que carrego em mim não faz parte da minha essência. Isso era algo dificílimo, pois era terrível olhar para dentro de si e ver tanta podridão, e imaginar como eu poderia ser bom em alguns momentos sendo tão mau em outros. Era como que uma tensão que parecia impossibilitar qualquer resposta.
Além disso, nunca gostei de me definir por julgar os padrões humanos muito pueris. Definir-se parecia algo como demonstrar uma autenticidade superficial, algo que chamasse a atenção para os outros, longe de mostrar para mim mesmo o que me diferenciava, e mais, o que deveria ser relevante entre as diferenças. O único critério de comparação é, pois, Cristo. Perante Ele, eu me sinto confortável para me definir: sou um pedaço de homem, uma imagem de Cristo que teima em fugir de sua semelhança, porque faltam muitas e muitas peças. Somente essa definição me deixa à vontade para me preocupar com o essencial, que é o amor de Deus, e não o amor dos homens, ao mesmo tempo em que me dá a certeza de que as peças faltantes só podem vir dEle, e que não adianta eu tentar criá-las por mim mesmo.
O meu intersse pela liturgia foi algo gradual. Logo que passei a frequentar as missas, depois de convertido do protestantismo, eu já levava os folhetinhos, tanto da missa mesmo (aqueles hereges!, mas na época eu não fazia ideia) , como os de canto, e os ficava “estudando”, quase que como um estudioso de matemática fica desbravando as fórmulas, encontrando as semelhanças entre as orações eucarísticas, as fórmulas de Ato penitencial... era algo bastante lúdico, mas por outro lado era uma forma de conhecer mais a minha fé. Talvez por eu ser racional demais, um culto organizado e metódico como o é a Santa Missa sempre me pareceu agradável, e nunca maçante. É isso que me impele a estudá-la: meu profundo senso de organização.
Depois de MUITO tempo, descobri algo chamada Missal Romano, e lá está explicado todo o ritual da missa. Eu me espantei ao ver como o rito era detalhado, e como muita coisa não era cumprida na prática. Depois que passei a estudar o assunto pela internet, comecei a ler os documentos da Igreja, começando exatamente pelos que falavam de liturgia, e foi aí que eu percebi que a coisa era mais séria. Percebi a grandiosidade da história da liturgia, de como o culto divino sempre foi objeto de profundo esmero e dedicação, e não fruto de invencionices que eu via acontecendo nas reuniões da paróquia, como havia uma riqueza profunda de gestos, de sobriedade, de noção do sagrado.
Percebo, assim, que uma liturgia bem-celebrada é sinal não apenas de zelo, daqueles que já a conhecem, mas também sinal de seriedade para com a própria religião, daqueles que ainda não a conhecem. Nossa fé está em profunda crise, nossos jovens não estão buscando um Deus lúdico, um Deus brincalhão apenas, um passatempo para descontrair no final de semana (até porque há vários mais interessantes do que missas animadinhas), nem palestras politicamente corretas que falam um pouco de tudo, sem falar de absolutamente nada. O homem é um ser racional, cheio de dúvidas, que muitas vezes só leva Deus a sério quando se leva a sério primeiro. E para se levar a sério é necessário viver uma fé madura. E como o processo de conhecer a doutrina é algo muito demorado e complicado, a única forma do homem buscar a Deus de forma madura é tomando parte nos serviços litúrgicos bem-celebrados. Até que o Novus Ordo bem celebrado servisse de ponto para a minha transição ao Rito Tridentino do qual é o pilar da minha fé. É esse o espírito da Reforma da Reforma para que a Missa de São Pio V retorne aos altares das paróquias.
Missa de 7º dia de Vinícius de Moraes, na Igreja da Ordem - Curitiba
Nada disso aconteceu no CVII. Não podemos confundir tradicionalismo legítimo com isso.
Sobre o modernismo e o radical tradicionalismo, há erros terríveis de ambos os lados, mas de naturezas distintas. Por um lado, o modernismo prega a total inversão dos valores morais e o descaso para com o ensino religioso, chegando a tê-lo como nocivo ou charlatanismo. Fazendo isso, prostituem não apenas a religião, mas também a ciência, que tanto se orgulham de idolatrar. Já o rad trad pretende ser o dono da religião, a autoridade máxima e suprema para interpretar todas as mazelas do mundo, mesmo as de dentro da Igreja. É claro, há uma generalização aqui, mas o “espírto reinante” aqui, penso ser este.
São duas arrogâncias esdrúxulas. Porém, o rad trad pelo menos ainda tem fé, ainda que muitas vezes desprovida da graça (e da razão) pela sua arrogância. Em geral são mais inteligentes que os modernistas. Modernista para mim é uma pessoa mais difícil de lidar, porque está totalmente na contramão de tudo o que podemos oferecer. Repudia a religião como um todo. Já alguns rad-trads possuem alguma brecha e algum pensamento em comum, além de terem ainda um resquício de fé, de crença que necessitam de Deus.
Creio poder ser possível fazer um paralelo com as duas mazelas: o modernista é hedonista, e o radical tradicionalista é egoísta. Este quer respostas fáceis, aquele não quer respostas. Este tem uma fé às vezes ingênua -- e até burra --, aquele não tem fé. Este busca incessantemente a verdade, porém acreditando que esta se encontra em última instância no seu próprio umbigo; aquele simplesmente não busca a verdade.
Por fim, eu sou um misto de conservador, tradicional e fundamentalista.
Diferença dos padres
Padre Hipólito, considerado tradicional, personagem de Paulo Gracindo da novela Roque Ranteiro
Padres conservadores celebram a Missa Nova direitinho, sem abusos, mas dão a comunhão na mão e permitem que leigos mergulhem o Precisíssimo Corpo no Cálice para comungar. Usam todos os paramentos, colocam o Arranjo Beneditino no Altar, nunca usam o latim nem na Consagração: acham coisa do passado e sem necessidade. Até admiram a Missa Tridentina mas não a celebram. Usam o confessionário se pedirem, não se opõem. Usam batina regularmente, mas quando querem parecer garotões usam roupas iradas. São fiéis a doutrina desde que estejam de acordo com o que aprenderam no seminário ou em suas convicções pessoais, não por ela ser de inspiração divina ao tripé da fé católica: Bíblia, Tradição e Magistério.
Padres conservadores são sempre uma caixinha de surpresas. Mesmo bem entiquetados nunca sabemos o que pode vir por dentro.
O fiel católico deve sempre estar em comunhão íntima com Deus, em todos os momentos e circunstâncias, sem dúvida alguma. Deve se moldar à semelhança de Cristo e de professar, firmar e exercer sua fé, sua esperança e sua caridade, segundo os Padres do Deserto, com mais frequência com que se respira. Pois se o ar é necessário para o corpo, quão mais importante não será o Espírito, que necessário para alma?
No entanto esse pensamento por vezes leva as pessoas a criar um certo intimismo romântico com Deus, estranho a toda a tradição católica. Julgam que basta seguir o exemplo de Cristo no dia a dia, fazer uma ou outra oração em casa, ou simplesmente contemplar a natureza das coisas criadas, que estaremos em perfeita união com Deus. Mas o nosso relacionamento com Ele não pode se dar somente dessa forma. Prova disso é que as pessoas que seguem por esse caminho acabam não desenvolvendo uma moral sólida, mas sim relativista, e acabam por criar um Deus igualmente subjetivo e limitado às suas próprias concepções de bem e mal. Além de muitas vezes descambar para concepções esotéricas e gnósticas.
Temos que nos lembrar que Deus é, antes de tudo, Senhor e Pai. A ele devemos respeito e obediência filial. Só é possível amar a Deus reconhecendo-o como Senhor de nossas vidas, e isso não se dá de forma adequada apenas na vivência natural do dia-a-dia. Lembremo-nos que Deus veio em primeiro lugar ao encontro do homem, formou para si um povo, manifestou-se com autoridade e poder, deu-lhes ordens a ser seguidas, e castigou-os quando se desviaram do caminho. Esse senso de submissão Àquele por quem fomos criados e A quem tudo devemos é essencial para fomentar a prática das virtudes, sobretudo para nos preparar àquelas sobrenaturais.
Dessa forma, desde o Antigo Testamento, Deus ordenou a seu povo que lhe prestasse culto, no templo, e lhes deu descrições rigorosas de como deveria ser este culto, o que se poderia ou não comer, como se vestir, quais e quantos dias deveriam ser observados para jejum, quais dias dos meses seriam consagrados (vide a festa dos Ázimos e das Primícias, por exemplo), e as minuciosas instruções de como deveria ser construído o templo, o altar e todos os objetos de culto. Tudo isso era para despertar no povo a necessidade de se estabelecer com Deus essa consciência, que já tanto falei aqui, da nossa miséria em contraste com a Sua grandeza, e para que o povo pudesse, com seus esforços, com suas labutas, com o trabalho de suas mãos, com seu cansaço e com seu corpo, sua voz e seus membros, ou seja, por inteiro, colocar-se a serviço de Deus, como forma de conscientizar-se de que devemos a ele louvor por inteiro: por tudo aquilo que somos, que produzimos, que conseguimos, e que todo o centro e fim de nossa existência é Ele.
A Revelação plena de Cristo não trouxe fim a essa necessidade, e nem poderia trazer. Já em seu corpo mortal as mulheres piedosas Lhe ofereciam o melhor e mais caro de seus perfumes; no sepulcro, desejavam prestar homenagem a Seu corpo padecido, e ao contemplá-lo ressuscitado, anseavam tocar seu corpo agora glorioso com toda a reverência.
Dessa forma, o culto litúrgico, a ação do povo que se direciona fixamente para nosso Senhor, longe de ser abolido, se faz agora muito mais majestoso e sublime, sobretudo no Santo Sacrifício de noss redenção no Calvário, perpetuado com a celebração da Santa Missa.
Creio que é com esse espírito e essa mentalidade que os padres conservadores devem se aproximar do Altar de Deus na liturgia, e deixar que ela nos inebrie e nos mova por completo. Como já disse Scott Hahn: “Agora sei por que Deus me deu um corpo: para louvá-lo e contemplá-lo no Santo Sacrifício da Missa” (Tirado de O Banquete do Cordeiro).
Não sonho em uma Igreja em que todos são iguais, o confrade Thiago Santos de Moraes mesmo já ensinou que a Igreja não é uma fábrica de salsicha onde todos pensam iguais. Sonho sim, com um “senso fidei”, com um “senso comum dos fiéis” acerca da Fé Católica que seja ortodoxo, firme, claro. Infelizmente esse foi um dos maiores males do pós concílio: a confusão na mente do Católico médio acerca da própria fé.
Para ser católico tradicional, basta que depois do batismo, não se tenha incorrido em heresia, nem em apostasia, nem em cisma.
Mas não vamos brigar por isso: que a alegria de nos encontrarmos se sobreponha a esta divergência de nomenclaturas, e que nós, como os outros amigos leitores, continuemos a rezar pelo fortalecimento e pela glória da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana - e que Deus afaste dela TODOS os seus inimigos. Amém!