Algo que é bem interessante de mencionar é que nos tempos que a Teologia da Libertação estava no auge no Brasil, a novela Roque Santeiro, exibida em 1985 e reprisada atualmente pelo Canal Viva, apresenta o contraste do padre tradicional Hipólito e do padre da libertação Albano, chamado por todos de “padre vermelho”. No vídeo abaixo Pe Hipólito recomenda ao outro a ler São João da Cruz para se ver livre do perigo da tentação carnal.
Na sinopse da novela, há 17 anos, o coroinha Luiz Roque Duarte, conhecido como Roque Santeiro por sua habilidade em modelar santos, morreu ao defrontar os homens do bandido Navalhada, logo após seu misterioso casamento com a desconhecida Porcina. Santificado pelo povo, que lhe atribui milagres, tornou-se um mito e fez prosperar a cidade ao redor da sua história de heroísmo. Só que Roque não está morto e volta à cidade, ameaçando pôr um fim ao mito. Sua presença leva ao desespero o padre Hipólito, o prefeito Florindo Abelha e o comerciante Zé das Medalhas, principal explorador do santo. Mas o maior prejudicado é Sinhozinho Malta, o todo-poderoso fazendeiro do lugar, que vê ameaçado o seu romance com a “viúva” Porcina, que nunca foi casada com Roque e sempre viveu à sombra de uma mentira articulada por Malta. Mentira institucionalizada para fortalecer o mito e tirar vantagens pessoais.
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A população de Asa Branca repudia esse mesmo padre o adjetivando de “Padre vermelho”, “Padre comunista”, “Padre da foice e martelo” e toda a espiritualidade é voltada para o catolicismo tradicional, com o padre Hipólito celebrando a Missa com casula, atende confissões no confessionário e as mulheres usam véu. A moral e a doutrina católica é sempre lembrada para repreender os maus costumes e pensamentos de alguns personagens.
Diga-se de passagem, o padre tradicional celebra a Missa Gregoriana em privado todos os dias, motivo de uma discussão dele com o padre TL no capítulo 37 da novela.
Leonardo Boff, ícone da Teologia da Libertação do Brasil
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Está excomungado latae sententiae por heresia, mas não há declaração da mesma.
Já a excomunhão ferendae sententiae nunca lhe foi aplicada por decreto algum.
Indo nessa mesma linha, da excomunhão automática, boa parte do episcopado brasileiro nos anos 70 e 80, ao corroborar com idéias marxistas, não teria sido excomungado (um decreto de PioXII, renovado por João XXIII, que impõe a excomunhão a quem defende o comunismo marxista continua válido)?
Evidente que essas perguntas são uma provocação (no bom sentido, para fazer pensar). Explico: a heresia é um erro do intelecto, pelo qual uma pessoa batizada nega pertinazmente uma verdade revelada por Deus e proposta pela Igreja à nossa fé para crermos, ou somente duvida dela.
A heresia pode ser: formal ou material. A heresia formal é a que corresponde à definição de heresia; enquanto a heresia material é a de uma pessoa que, depois de ter recebido o batismo, sem própria culpa admite ou afirma um erro objetivo contra a fé católica.
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Sendo assim, se formos adotar para Boff apenas um critério objetivo, que não procura observar a subjetividade (que, evidentemente, não é do talante da Santa Sé), temos de lidar com todas as conseqüências disso. Alguém está disposto?
Será que podemos afirmar que na cabeça de Boff ele está se pondo contra a doutrina da Igreja? Será que podemos afirmar que na cabeça dos bispos dos anos 70 e 80 havia uma clara noção de que eles estavam defendendo o marxismo?
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A minha aposta para tudo isso é que não, já que a formação de vários deles (e do próprio Boff) já se deu no meio do modernismo. A excomunhão automática por algo assim só pode se dizer presumida.Com isso, cabe outra reflexão: ser ou não excomungado não é um ponto essencial para a rejeição do pensamento (ou, pelo menos, de uma parte dele) de Boff. A excomunhão é uma pena e, como tal, está subordinado ao direito (e as suas limitações). Pode ser que num caso o direito não abarque uma pessoa que faz um grande mal para a Fé (Boff, Cardeal Kasper) e, por outro lado, pode ser que ele aparentemente abarque alguém que age de fato em prol da Fé (como pode ter sido o caso de Pe. Cícero e foi o de D. Lefebvre).
Da mesma forma que para alguns a doutrina é apenas composta de dogmas e anátemas, para outros a fidelidade ao catolicismo está na dependência do Código de Direito Canônico (e dele com uma exegese bem particular). O fato de Paulo VI ter levantado a excomunhão sobre os “ortodoxos” é por acaso um sinônimo de que eles, de fato, são ortodoxos? Não, não é.
Ser ou não católico, assim como falar ou não uma heresia, formalmente falando, não é uma questão de gosto ou de opinião, mas de conformação com a doutrina ensinada pela Igreja. O que pode ocorrer é alguém defender um erro mas entender que não está defendendo algo assim, mas uma posição legítima. É como eu fazer algo que é pecaminoso (contra os mandamentos), mas por uma falha subjetiva (consentimento ou vontade viciadas) isso não constituir pecado.
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Na prática: muita coisa do que Boff diz deve ser rejeitado independente de qualquer consideração jurídica. Se ele é realmente um herege, se está excomungado, cabe as autoridades da Igreja investigarem. Se ele é ou não católico, Deus julgará, mas nós não podemos ficar na dependência disso. Os elementos objetivos já são o bastante para se afastar de muitas de suas elocubrações (assim como o fato de alguém ter um comportamento promíscuo já é o bastante para se ter cuidado em muitos aspectos do relacionamento com ela, mesmo que no fundo ela não seja culpada por tal comportamento - como no caso dele ser o resultado de traumas psicológicos).
Ou seja, rejeitamos Boff pelo conteúdo, não pelo fundo. É pela matéria mais do que pela forma. Se recebeu ou não uma pena jurídica, o mais importante é a violação da fé, não do direito.
O fato de alguém ser herege às vezes também não é empecilho para se reconhecer a sua genialidade. Pio XII considerou Karl Barth um dos maiores teólogos da história, precisamente um herege. E mesmo Calvino, apesar de muitos erros (não só de doutrina, como de lógica), fez uma obra monumental com suas Institutas.
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Sobre as penas na Igreja
O Título IV da I Parte do Codex de 1983 enumera duas categorias de penas. São elas as penas medicinais ou censuras, e as penas expiatórias, chamadas pelo Código de 1917 de vindicativas.
Penas medicinais, ou censuras, são privações de bens administrados pela Igreja (sacramentos, exercício de ofícios e ministérios, bênçãos etc), impostas ao criminoso com o fim primário de sua correção. São censuras a excomunhão, o interdito e a suspensão. Podem as censuras ser latae sententiae ou ferendae sententiae.“Cân. 1314 – O mais das vezes, a pena é ferendae sententiae, não atingindo o réu, a não ser depois de infligida; é latae sententiae, quando nela se incorre pelo simples fato de praticar o delito, se a lei ou o preceito assim o estabelecem expressamente.”
A ferendae sententiae é aquela aplicada pelo juiz por sentença condenatória penal ou por decreto extrajudicial. A latae sententiae é automática, independente de sentença ou decreto; ainda assim, a pena latae sententiae pode ser declarada por sentença em processo judicial ou administrativamente por decreto. Essa sentença declaratória de pena latae sententiae não impõe a pena, somente reconhecendo que a mesma já foi aplicada automaticamente quando da realização do delito, e serve para dar publicidade àquela, além de contribuir para outros efeitos canônicos.
Penas expiatórias, ou vindicativas na nomenclatura anterior, são: proibição ou obrigação de morar em determinado lugar ou território; privação de um poder, ofício, encargo, direito, privilégio, faculdade, graça, título ou insígnia, mesmo meramente honorífica; proibição de exercer o acima enumerado, ou proibição de exercer em determinado lugar ou também fora de determinado lugar; transferência penal para outro ofício; demissão do estado clerical. As penas expiatórias de proibição de exercício de poder, ofício etc, ou de exercê-lo em determinado lugar ou fora de determinado lugar podem ser latae sententiae. As demais exclusivamente ferendae sententiae. Têm as expiatórias a função precípua de restabelecer a ordem social interna da Igreja e dar exemplo aos fiéis, retribuindo pelo mal cometido.
Os remédios penais são punições, em sentido amplo, mas não verdadeiras penas, uma vez que não privam de nenhum bem diretamente, e não estão necessariamente ligadas a um crime. Empregam-se para evitar um delito ou para compensar um escândalo ou perturbação da ordem pública. São remédios a advertência e a repreensão.
Já as penitências são imposições, pela autoridade, da realização de uma boa obra de religião, caridade ou piedade. Não se confundem com as penitências impostas pelo confessor ao absolver sacramentalmente um penitente, nem com as penitências assumidas voluntariamente por um fiel ou dadas pela Igreja para observância de todos os fiéis em certos dias do ano. Estas – sacramentais, voluntárias ou universais – estão no foro interno, ao passo em que as penitências como punições lato sensu estão no foro externo.
Estão disciplinados os remédios penais e as penitências no Cap. III do Título IV da I Parte do Livro VI do CIC.
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