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João Batista e Elias


No AT é profetizado que antes da vinda do Messias, Elias deveria retornar (ele fora arrebatado por Deus).

Cristo, logo após a transfiguração (onde aparece Elias, por sinal), ensina que Elias já havia vindo, mas João Batista na verdade "faria o papel de" Elias.

Por que razão João poderia representar o Elias da profecia?

Sobre o questionamento espírita, é óbvio que é falso: Elias não morreu, portanto não poderia João ser a reencarnação dele.

A vinda de Elias como precursor do Messias era crença da religiosidade popular judaica, uma vez que ele era considerado o grande defensor do Javismo e inimigo da idolatria. Tinha, portanto, uma grandeza moral inquestionável e gozava de alto prestígio na religiosidade judaica.

Assim, quando os evangelistas escreveram os Evangelhos, retomaram a tradição e crença populares sobre o Elias-precursor e aplicaram a João Batista, que era, de fato, o precursor de Elias (Mt 11,10; Mc 1,2; Lc 7,27), de maneira que quando Jesus afirma que João "é o Elias que há de vir" não está se referindo à improvável reencarnação de Elias mas observando que João reproduz o papel de Elias em virtude de seu temperamento forte e destemido.

Nosso Senhor teria afirmado que S. João Batista seria uma reencarnação de Sto. Elias (Mt 11, 14: "e se vós o quereis compreender, ele mesmo é o Elias que há de vir"). Ora, esta é uma interpretação totalmente equivocada das palavras de Cristo, que estava comparando a missão de S. João Batista (de preparar os caminhos para a primeira vinda de Cristo) com a missão de Sto. Elias, que há de vir no tempo do Anticristo, para preparar o mundo para a segunda vinda de Nosso Senhor, como juiz no juízo final. Sem que isto signifique que o fim do mundo venha a se dar imediatamente após a vinda do Anticristo. [...]

Já o anjo que veio anunciar a Zacarias o nascimento de S. João explicou: "e irá adiante dele com o espírito e a virtude de Elias" (Lc 1, 17), isto é, com o seu zelo e força. Os espíritas entendem essa passagem ao pé da letra, isto é, que o "espírito de Elias" significa a sua alma. Referindo-se a esse texto, Santo Agostinho escreveu que só a "perversidade herética" pode ver aí uma afirmação da reencarnação (In Heptateuchum IV 18).

Contra esse argumento dos espíritas, vemos nas próprias palavras de Cristo que S. João é o Elias que "há de vir" (no futuro), e que portanto ainda não veio. E o próprio S. João Batista respondeu que não era Sto. Elias quando interrogado (Jo 1, 21). E para terminar com a história, de acordo com a tradição judaica, Sto. Elias não morreu, mas foi levado aos céus por uma carruagem de fogo, em corpo e alma (4Rs 2, 11-12). Se não "desencarnou", não poderia então "reencarnar".

Um texto de São Gregório Magno:

"(...) interrogado o Senhor pelos seus discípulos a respeito da vinda de Elias respondeu: “Elias já veio e não o reconheceram, mas fizeram com ele tudo aquilo que quiseram.” (Mt XVII, 12) “E se quereis saber, João é o próprio Elias que há de vir” (Mt XI, 14) Interrogado, por sua vez, João disse: “Não sou Elias”. O que significa isto, caríssimos irmãos, por que o que afirma a Verdade, este profeta da Verdade nega? E de fato, muito diferentes são entre si “é o próprio” e “Não sou”. De que maneira, pois, é o profeta da Verdade, se não está de acordo com as palavras da própria Verdade? No entanto, se a própria verdade é procurada com exatidão, estas coisas que entre si soaram contrárias, não são compreendidas como contrárias. Pois o anjo disse a Zacarias sobre João: “E irá adiante dele no espírito e na virtude de Elias” (Lc I, 17). Neste caso, diz-se que virá no espírito e na virtude de Elias, porque assim como Elias precederá à segunda vinda do Senhor, assim João precedeu à primeira. Como Elias devia vir como precursor do Juiz, João tornou-se o precursor do Redentor. Assim, João era Elias no espírito, mas não em pessoa. O que o Senhor declarou sobre o espírito, São João negou em relação à pessoa; pois, assim era justo: que não só o Senhor do discípulo dissesse um sentença espiritual sobre São João, como também o próprio São João respondesse, na perturbação da carne, não sobre seu espírito, mas sobre a carne. O que São João disse parece contrário à verdade, contudo, não se afasta do caminho da Verdade." (São Gregório Magno, Patrologiae Tomus LXXVI: Sancti Gregorii Magni. Tomus Secundus. Homilia VII in Evangelia, Col. 1099-1100. O destaque é nosso.)

O lugar onde Elias foi arrebatado não citado, seria algo muito melhor do que a terra mas não seria o céu onde veremos Deus face a face. Alguns acreditam que o local seja o paraíso de onde nossos pais Adão e Eva foram expulsos.

Elias seria uma boa escolha para a conversão dos Judeus, como eu havia dito antes, já que eles o consideram como o maior dos profetas.

Quanto a vinda de Elias e Henoc antes da segunda vinda de Cristo, ela é comentada por alguns pais e santos da Igreja, como: São João Damaceno, São Gregório Magno, São Roberto Bellarmine e mais alguns.

Abaixo alguns padres da Igreja, santos, escritores/teólogos que já comentaram sobre o assunto ( em inglês):

Theodoret (Grande teólogo do quarto século):

"Paul insists that only a part of Israel has been hardened, for many of them believe. He thus encourages them not to despair that others will be saved as well. After the Gentiles accepted the gospel, the Jews would believe, when the great Elijah would come to them and bring them the doctrine of the faith. The Lord himself said as much: 'Elijah will come and will restore all things.'"

São João Damasceno: De Fide Orthodoxa (IV, 26, "Concerning the Antichrist"):

It should be known that the Antichrist is bound to come. Every one, therefore, who confesses not that the Son of God came in the flesh and is perfect God and became perfect man, after being God, is Antichrist. But in a peculiar and special sense he who comes at the consummation of the age is called Antichrist. First, then, it is requisite that the Gospel should be preached among all nations, as the Lord said, and then he will come to refute the impious Jews… But Enoch and Elias the Thesbite shall be sent and shall turn the hearts of the fathers to the children, that is, the synagogue to our Lord Jesus Christ and the preaching of the apostles: and they will be destroyed by him. And the Lord shall come out of heaven, just as the holy apostles beheld Him going into heaven, perfect God and perfect man, with glory and power, and will destroy the man of lawlessness, the son of destruction, with the breath of His mouth. Let no one, therefore, look for the Lord to come from earth, but out of Heaven, as He himself has made sure.

Abbot Adso:

"Lest the Antichrist come suddenly and without warning and deceive and destroy the whole human race by his error, before his arrival the two great prophets Enoch and Elijah will be sent into the world. They will defend God's faithful against the attack of the Antichrist with divine arms and will instruct, comfort, and prepare the elect for battle with three and a half years teaching and preaching. These two very great prophets and teachers will convert the sons of Israel who will live in that time to the faith, and they will make their belief unconquerable among the elect in the face of the affliction of so great a storm. At that time what scripture says will be fulfilled 'If the number of sons of Israel be like the sand of the sea, their remnant will be saved'."

Nos trechos onde Elias e Henoc são apresentados em seus momentos finais, o arrebatamento ao Céu pode querer dizer simplesmente ser elevado no ar. Muitos teólogos defendem a idéia que eles estão num local, uma espécie de paraíso, de onde virão no fim dos tempos.

Aliás, que Elias não morreu e foi arrebatado para algum lugar, é crença firmemente estabelecida na Igreja. As opiniões se dividem quanto ao lugar para onde foi arrebatado. A Escritura diz simplesmente: “E enquanto (Elias e Eliseu) andavam, e caminhando conversavam, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, separou um do outro; e Elias subiu ao céu num torvelinho” (II Reis II, 11).

Cornélio A Lápide, maior exegeta católico de todos os tempos, assim resume as quatro posições adotadas pelos autores:

"1)Alguns pensam que ele foi realmente arrebatado ao céu, não o Céu dos bem-aventurados, mas o firmamento, onde leva uma vida quase celeste (Doroteu, São Jerônimo, Santo Ambrósio, Alcimo e Senário);

2)Outros pensam que ele foi levado para o paraíso terrestre, onde se encontra também Enoch (Santo Irineu, São Justino, Santo Isidoro, Santo Tomás);

3)Outros pensam que ele foi levado para alguma região da terra, desconhecida (São Gregório, Magno, Ruperto);

4)Mais verossimilmente, outros dizem que é incerto o lugar onde estão Enoch e Elias (São João Crisóstomo, Teofilacto e Ecumênio, Santo Agostinho, São Cipriano, Teodoreto).

Onde quer que esteja, Elias leva uma vida tranqüila e santa, na contínua contemplação de Deus, como diz Santo Agostinho e voltará no fim do mundo para pugnar com o Anticristo e “pagar o tributo da morte”, como diz São Gregório Magno.

Como candidatos à vida eterna e cidadãos do Paraíso, Enoch e Elias estão confirmados em graça. E se bem que não vejam a Deus, recebem de Deus muitas luzes e consolações. Vivem como que “no átrio da Casa do Senhor”, onde são freqüentemente visitados pelos Anjos, e com eles estão em constante colóquio. Deus os conserva incorruptos (bem como as suas vestes dos hebreus, durante 40 anos no deserto), sadios, vigorosos, animados, contentes e exultantes com sua situação, estado e ofício, rendendo a Deus contínuas ações de graças.

Discute-se se estão em condições de merecer ou não. Os que o afirmam, alegam a sua condição de viajadores. Os que negam, consideram que o terem sido arrebatados desta vida equivale à morte.

(Commentaria in Scritura Sacram, Cornélio A Lápide)

Ainda que estejam no estado de viadores, Elias e Henoc estão confirmados em graça. Seu estado é tal que se assemelha ao da Virgem Maria. São santos e podem interceder por nós.

Além disso, para Deus, para quem não há tempo, estão predestinados na ordem da intenção a serem santos. Para Deus, a ordem da intenção (ordo intentionis) realmente equivale para nós à ordem da execução (ordo executionis). Henoc e Elias já são considerados santos, porque estão próximos de Deus, e a sua predestinação é conhecida. Seu estado não é o mesmo que para nós é o estado de viador.

Na medida em que eles estão no Céu são santos e o grau de glória vai variar dependendo do exercício das virtudes, virtudes que se relacionam com aquilo que Deus "planejou" para cada um. Um simples frade, como Frei Damião, pode ser tão santo quanto Santo Tomás, caso tenha preenchido "sua cota". O mesmo vale na comparação de qualquer santo com santos que foram profetas.

Na Ladainha de todos os Santos há a seguinte invocação:

Omnes sancti Patriarche et Prophetae, ora pro nobis.Todos os santos Patriarcas e Profetas, rogai por nós.

Pesquisando para responder a uma pergunta de Joel noutro tópico, encontrei o seguinte escrito de Santo Agostinho (Comentário ao Gêneses) que trata de Elias e Enoc (destaques e referências bíblicas acrescidas):

“E não se há de julgar que Elias já está como estarão os santos, quando, terminado o dia, receberão igualmente um denário (Mt. XX, 10), ou como estão os homens que ainda não emigraram desta vida, da qual ele migrou, não pela morte, mas por uma transladação (II Reis II, 11). Ele já tem certamente uma situação melhor da que podia ter nesta vida, embora ainda não tenha a que terá no fim depois de ter vivido retamente esta vida na justiça. Previram para nós coisas melhores, para que sem nós não se completasse o número dos perfeitos (He. XI, 40). Ou, se alguém pensa que Elias não podia merecer isso, se tivesse contraído matrimônio e tivesse procriado filhos (pois acredita-se que os não tenha tido, porque a Escritura não o disse, embora nada diga também a respeito de seu celibato), o que responderá sobre Enoc, o qual, após ter gerado filhos, agradando a Deus, não morreu, mas foi transladado (Gê. V, 24)? (...) Com efeito, se Enoc e Elias, mortos em Adão, levando na carne a descendência da morte, como uma dívida a pagarem, voltarão a este mundo, conforme se crê, e morrerão (Ap. XI, 3-7), o que ficou adiado por muito tempo (...)”.

Segundo o trecho citado, da autoria de Santo Agostinho, para este doutor da Igreja as "duas Testemunhas" de Apocalipse XI, 3-7 seriam Henoc e Elias.

Uma possível dúvida reside na identificação de uma das testemunhas com Henoc:

Ap. XI, 6 diz: “Esses homens têm o poder de fechar o céu para que não caia chuva durante os dias de sua profecia; têm poder sobre as águas, para transformá-las em sangue, e de ferir a terra, sempre que quiserem, com toda sorte de flagelos.”

A primeira parte do versículo (que fala em “fechar o céu”, impedindo a chuva) parece mesmo uma referência ao Profeta Elias, conforme I Reis 17,1.7 (“
Elias (...) veio dizer a Acab: ‘Pela vida do Senhor, Deus de Israel, a quem sirvo, não haverá nestes anos orvalho, nem chuva, senão quando eu o disser’; “Passado algum tempo, secou-se a torrente, porque não chovia mais na terra.”).

Mas a segunda parte (poder de transformação da água em sangue, e causar outros flagelos) parece referir-se a Moisés (que em Êxodo 7,17 recebe a ordem de Deus de transmitir este oráculo: “ Eis o que diz o Senhor: ‘Nisto reconhecerás que sou o Senhor: vou ferir as águas do Nilo com a vara que tenho na mão e elas se mudarão em sangue.’).

Estas referências bíblicas não parecem indicar que as "duas Testemunhas" de que trata o Apocalipse XI, 3-7 seriam Elias e Moisés?

Há também interpretações de outros autores de que as “duas Testemunhas” poderiam ser referências a Moisés e Elias (ao invés de Henoc e Elias)?

Sim, há uma linha exegética nesse sentido, mas geralmente os autores identificam as duas testemunhas com Enoc e Elias, mesmo porque Moisés morreu. O versículo não pode ser lido apenas tendo em vista o que tais personagens fizeram no passado, pois está claro que o que eles farão ali deriva de um novo "poder". De qualquer forma, isso é teologia especulativa, não estamos lidando com verdades da fé e, desse modo, podemos discordar dentro de certos limites.

 

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