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Limbo


O Catecismo da Igreja Católica já coloca de um modo bem diferente de como tradicionalmente se tratava essa questão, e não fala em limbo.

1261. Quanto às crianças mortas sem Batismo, a Igreja só pode confiá-las à misericórdia de Deus, como o faz no rito das exéquias por elas. Com efeito, a grande misericórdia de Deus, que quer que todos os homens se salvem (1Tm 2,4), e a ternura de Jesus para com as crianças, que o levou a dizer: Deixai as crianças virem a mim, não as impeçais (Mc 10,14), nos permitem esperar que haja um caminho de salvação para as crianças mortas sem Batismo. Eis por que é tão premente o apelo da Igreja de não impedir as crianças de virem a Cristo pelo dom do santo Batismo.

Agora, entre dizer que o limbo é apenas uma opinião teológica [no que, aliás, não há novidade nenhuma] e dizer que não existe, vai uma grande diferença.


Certos termos têm hoje um significado na linguagem corrente diferente do que é usado teologicamente ou filosoficamente ou, mesmo, na apologética tradicional.

Têm muita importância, na ética, os conceitos de lei natural e de natureza humana. Esses conceitos foram elaborados por filósofos cristãos, mas servem também ao diálogo com os não-crentes em matéria de ética. E apóiam-se em um conceito de natureza que vem desde Aristóteles. Entretanto, com a evolução da ciência, a palavra natureza mudou bastante de significado. Isso faz com que em geral não se compreenda o que a Igreja entende como lei natural.

Por isso que o estudo da identidade da natureza esteja relacionado com isso. Seria realmente um estudo bastante interessante para o atual momento. Para bioética, por exemplo, é importantíssimo.

Em sua apostila sobre os Novíssimos, Dom Estevão já afirmara que o Limbo jamais foi um dogma de fé, sendo um tema até hoje aberto a proposições teológicas.

Fazendo um breve histórico, Dom Estevão ensina que inicialmente muitos cristãos seguiam o pensamento de Santo Agostinho que acreditava que as crianças mortas sem o Batismo iam para o Inferno. Santo Agostinho expressava essa opinião porque anda não era claro aos cristãos o conceito de pecado original.

Com o conceito de pecado original esclarecido, Santo Tomás de Aquino pode desenvolver um pensamento menos catastrófico em relação a essas inocentes criaturas.

No entanto, os teólogos observam que o conceito de felicidade natural destoa do conjunto das verdades de fé. Desde o início, Deus sempre quis elevar o homem à ordem sobrenatural.

Eis algumas lúcidas palavras de Dom Estevão sobre o Limbo:

- A doutrina do Limbo é muito pessoal e própria dos respectivos autores. Carecem de sólido fundamento na Escritura e na Tradição da Igreja.

- A tradição cristã chegou aos poucos a formular a noção do Limbo. No entanto, o Magistério da Igreja nunca o definiu, nem intenciona definir alguma proposição sobre o assunto. Fica a cargo dos teólogos apresentar as sentenças que mais condigam com o conjunto das Verdades da Fé. Logo, o Limbo não é artigo de fé. Portanto, é livre o debate sobre o assunto.

A observação de que o CIC simplesmente ignora o limbo das crianças e ainda menciona a possibilidade de um caminho de salvação para as crianças mortas sem Batismo, mostra que cedo ou tarde, o limbo entrará para o limbo das doutrinas que foram sem nunca ter sido.

Dom Estevão cita motivos pelos quais é o limbo vem sendo ignorado:

1. A vontade de Deus:

“Deus quer que todos os homens se salvem”

“O vosso Pai que está nos Céus não quer que se perca nem mesmo um destes pequeninos”

Com essa vontade salvífica universal, a necessidade do Batismo vem a ter importância subordinada. É um meio para obter a salvação, mas não há de ser o único meio.

O CIC corrobora essas palavras do monge, ao afirmar:

$1260: Sendo que Cristo morreu por todos e que a vocação ultima do homem é realmente uma só, a saber, DIVINA, devemos sustentar que que o Espirito santo oferece a todos, SOB FORMA QUE SÓ DEUS CONHECE, a possibilidade de se associar ao Mistério Pascal.

$1261: ... nos permitem esperar UM CAMINHO DE SALVAÇÃO para as crianças mortas sem Batismo

2. A Solidariedade com Cristo:

Em Rm 5, São Paulo nos ensina que nossa comunhão com as graças de Cristo é muito significativa do que nossa solidariedade com o pecado de Adão. Se julgarmos as criancinhas relegadas para o Limbo, não implicaria que a solidariedade com o primeiro Adão foi muito mais íntima que a sua comunhão com Cristo? Assim, cre-se que Deus há de prover, por vias a nós ocultas, a salvação dessas crianças. Quem admitisse a perda de tal pequenino colocaria maior ênfase na solidariedade com o primeiro Adão do que na comunhão com o segundo.

3. O Princípio da Misericórdia

Quando, no início, admitia-se que tais crianças iriam para o inferno, julgava-se que lá padeciam pena muito leve, para valorizar a misericórdia divina. Mais tarde, para isentá-las do inferno e atribuir-lhes certa felicidade, concebeu-se a doutrina do Limbo. Esta se firmou por sua índole benigna e misericordiosa.

Note que a teologia católica caminhou no sentido da misericórdia. E se essa questão ainda apresenta dificuldades é porque ainda não se tirou as últimas conclusões do princípio da misericórdia que a implantou. Tais dificuldades só poderão ser superadas, caso
se admita até as últimas consequências o princípio da misericórdia.

Quanto ao limbo dos antepassados, esse não pode ser negado. É biblico e pertence ao símbolo da fé cristã. Dom Estevão explica:

- Este outro Limbo é também chamado de “Mansão dos Mortos”, ou “Seio de Abraão”. Este limbo de fato existiu, mas desde que Jesus ressuscitou não existe mais. Neste limbo ficavam as almas dos justos que morreram antes da ressurreição de Jesus. Como ainda não podiam ir para o Céu, aguardavam no Limbo a ressurreição de Jesus.

Os dois principais erros:

a) os meios de comunicação parecem dizer que o Papa decretou o fim do limbo, e isso é absurdo, dado que o Papa não pode extinguir algo que existe nem criar o que não existe ex nihilo; o Papa DECLARARÁ que ou existe o limbo ou não existe; se ele existe, não poderá ser extinto, nem pelo Papa; se não existe, não poderá ser criado; falta é conhecimento de que toda doutrina foi revelada, mas nem tudo, nela, foi explicitado e plenamente desenvolvido;

b) não é um documento da Santa Sé, mas um estudo da Comissão Teológica Internacional, e, portanto, SEM VALOR DE MAGISTÉRIO; não é o Papa nem um dicastério a seu mando que irá aprovar o escrito, mas um órgão CONSULTIVO, para apoiar o Papa em uma EVENTUAL decisão nesse sentido.

Alguns teólogos, como Santo Tomás, dizem que quem vai ao limbo não sofre da perda do céu porque nunca pensou em ir para o céu. É a mesma felicidade, mal comparando, que sente alguém que nunca comeu lasanha nem mesmo soube de sua existência, quando se vê privado da própria lasanha. Ele não pode ficar triste por não ter comido lasanha, dado que nem sabe que ela existe. Note: MAL COMPARANDO.

Ainda assim, é uma hipótese teológica apenas, não um dogma.

Há alguns teólogos que dizem, aliás, que após o Juízo Final, o limbo seria extinto e os infantes que lá estivessem iriam para os novos céus e nova terra, que iriam para junto de Deus.

E é bom mostrar também as outras hipóteses que haviam ou hão além do limbo. Foca-se o limbo; nega-se o limbo; mas deixa-se as coisas meio que no ar.

a) Batismo de desejo representativo (pela oração dos pais ou da Igreja); 
b) Batismo de desejo (por concessão da razão na hora da morte); 
c) Batismo de dor ou de sofrimento; 
d) Pena de dano com ou sem felicidade natural (e com a limitação ou não de um lugar, o limbo);
e) Pena de sentido levíssima.

Sobre o batismo de desejo, muita gente ainda confunde, achando que isso é possível para recém nascidos (assunto do tópico), mas que fique claro que só aqueles que já possuem discernimento (idade da razão) é que podem se beneficiar dele.

O teólogo que propôs essa hipótese ligou-a necessariamente à doação da razão na hora da morte, de sorte que o párvulo pudesse decidir-se ou não por Deus. Há ainda outros que pensam que as almas do limbo passarão por uma prova a fim de alcançarem a visão beatífica antes do juízo final. Eu prefiro entender o limbo como um lugar do inferno, onde se recebe uma pena menor do que a dos outros condenados, portanto, definitivo.

Não devemos supor a misericórdia de Deus onde ela não é explicitamente declarada. Isso não significa que Deus não possa.

Por exemplo, a vontade salvífica universal de Deus entendida em si mesma, não se opõe a que algumas almas não recebam os meios de salvação. Daí os teólogos considerarem a vontade salvífica universal de Deus em si mesma e a vontade salvífica universal de Deus em sua realização prática. Todavia, teria essa vontade salvífica universal o intuito de remover todos e cada um dos obstáculos que derivam da cooperação das causas segundas? Se for, ela deixa de ser vontade salvífica universal, para ser vontade salvífica especial. Mas Deus pode ter especial vontade de salvar as crianças que morrem sem o batismo? Pode! Mas será que temos condições de prová-lo pelas fontes da Revelação? Não.

A misericórdia de Deus a ninguém exclui por antecedência da salvação. A reprovação é sempre em previsão dos pecados pessoais (malitia peccati). Por isso, é arriscado dizer que os recém-nascidos terão a mesma sorte dos outros condenados. Mas isso não exclui a possibilidade de meio-termo entre a não-eleição e a reprovação.

A não-eleição à glória da visão beatífica não redunda necessariamente em reprovação, e em condenação, posto que seria possível a Deus ter criado o homem em um estado de natureza pura, em que o homem cumprisse integralmente o seu fim natural. E, assim, sua alma imortal teria um conhecimento natural de Deus, aliado a uma felicidade natural.

Claro, dentro das circunstâncias do pecado original, isso também é possível, posto que o pecado original tem seu castigo na redução do estado sobrenatural a um estado natural (não destrói as potências da alma). Ninguém pode ser castigado depois da morte pelo pecado original, mas pode ter como consequência desse pecado, a exclusão da visão beatífica.

O certo seria dizer que a misericórdia de Deus a ninguém condena ao inferno por antecedência, isto é, sem previsão dos pecados pessoais (malitia peccati). Sustentar a tese oposta equivale a propor a predestinação incondicionada ao inferno.

Mas a não-eleição incondicionada não é necessariamente herética, pelo que não se liga essencialmente à condenação dessas almas ao inferno; só se liga acidentalmente, na medida em que, no estado atual da natureza decaída, não é possível ao homem não eleito à glória cumprir integralmente o seu fim natural. Todavia, as crianças que morrem sem o batismo, não podem deixar de cumprir o seu fim natural, pois lhe falta a razão necessária para fazer opções livres. Desta forma, é de se supor que cumpram o seu fim natural, e sua alma imortal gozará da felicidade natural e do conhecimento natural de Deus após a morte.

O castigo pelo pecado original é a perda dos dons sobrenaturais e dos dom de integridade (dons preternaturais). A essência está na perda dos dons sobrenaturais – a graça e as virtudes sobrenaturais –, não na perda dos dons preternaturais, que é acidental. Portanto, acidentalmente, podem também os recém-nascidos cumprir o seu fim natural.

Bem, a vontade salvífica universal não exige que Deus dê todos os auxílios eficazes para a salvação dos não eleitos, ou seja toda a ordem de concessão de graças necessárias à salvação. Ela exige por outro lado, que Deus dê graça suficiente a todos; no entanto, a distinção ato-potência se aplica à graça suficiente e a graça eficaz, de sorte que se admite que a graça suficiente não possa passar ao ato sem uma nova determinação divina, que é a graça eficaz.

Claro que essa postura apresenta dificuldades, por exemplo, a de que a graça suficiente não é verdadeiramente suficiente, em tese, pois não passa da potência ao ato, e da liberdade baixo a graça eficaz; todavia, essas dificuldades são solucionadas à luz das distinções sutis do tomismo, e, assim, me parece a teoria que menores dificuldades apresenta, em face de outras dificuldades apresentadas por outras teorias, também aceitas pela Igreja.
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PARA CITAR ESTE ARTIGO:

Limbo
David A. Conceição 11/2011 Tradição em Foco com Roma.

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