(Isaías 65,17) Pois eu vou criar novos céus, e uma nova terra; o passado já não será lembrado, já não volverá ao espírito,
(Isaías 66,22) Pois, assim como os novos céus e a nova terra que vou criar devem subsistir diante de mim, declara o Senhor, assim devem subsistir vossa raça e vosso nome.
(II São Pedro 3,13) Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça.
Como entender essa expressão?
Parece estritamente ligada à Parusia, à Ressurreição dos mortos e ao Juízo Final. Depois do que virá "novos céus e nova terra".
A dúvida geral é:
1. Saber se esse novo mundo será material, como o nosso "reformado".
2. Saber se a expressão "Fim do Mundo" está errada, e se seria mais correto dizer "Consumação do mundo", "Fim dos Tempos" ou "reformulação", "reordenação" de todas as coisas.
3. Se o planeta Terra vai acabar ou será renovado.
Essa dúvidas costumam vir a partir de alguns questionamentos dos TJs.
O que a Igreja diz sobre "Fim do Mundo" e sobre "Jerusalém Celeste" que "descerá" à Terra?
"Céus novos e terra nova" . A renovação dos seres criados é uma das caracteristicas das promessas escatológicas: Os Profetas anunciaram-na ( cfr Is 65,17) e o Novo Testamento fala de beber o vinho novo do banquete celestial ( cfr Mc 14, 25), de levar um nome novo ( cfr Apc 2,17), entoar um cantico novo ( cfr Apc 5,9), habitar uma nova Jerusalem ( cfr Apc 21,2). Com estas imagens expressa-se que todo o universo mudará, a natureza inteira transformar-se-á profundamente ( cfr Rom 8,19-12).
"Ignoramos o tempo em que se produzirá a consumação da terra e da humanidade ( cfr act 1,7). Tão pouco cinhecemos de que maneira se transformará o universo. A figura deste mundo, deformado pelo pecado ( cfr 1 Cor 7,31);passa, mas Deus ensina-nos que nos prepara uma nova morada e uma nova terra onde habita a justiça ( cfr 2 Cor5,2; II Ped 3,13) e cuja bem-aventurança é capaz de saciar e ultrapassar todos os anelos de paz que surgem no coração humano" ( Gaudium et spes, n. 39).
Que haverá uma renovação do céu e da terra é doutrina certa, desde que não se creia, com isso, que o reinado de Cristo será com mil anos literais, nem se suponha um reinado carnal.
A ordem dos acontecimentos escatológicos é conforme cada uma das teorias, algumas condenadas, outras não.
A consideração do fim do mundo e da parusia do Senhor fundamenta a exortação moral que nos diz que devemos ser santos e piedosos , já que tudo irá se dissolver.
É importante ter cuidado com a idéia de que o Dia do Senhor será um dia de “destruição do mundo”. Será, sim, um dia terrível para os que desprezam a Deus e seus ensinamentos (incluindo aí a lei natural), mas também será um dia de indescritível alegria para os que seguiram o Cordeiro Imolado no caminho da Cruz (mesmo sem o saber). Rezemos e trabalhemos para que o número dos gozosos seja incomparavelmente maior e que estejamos também nós dentre eles.
Agora, os acontecimentos do findado séc. XX nos trouxe algo com o qual realmente deve nos causar perplexidade e mover determinantemente nossas atenções. Refere-se aqui à possibilidade real de destruição do mundo pelo homem. O surgimento das armas nucleares pode e deve ser analisado do ponto de vista teológico. A crescente poluição e o esgotamento irracional dos recursos naturais também. Tudo isto sem ter que se render a uma “teologia” rasteira e sincretista (como propõem alguns “libertadores”), mas lançando luz sobre tais questões a partir da sólida Doutrina da Igreja. Assim, tudo ganha o devido sentido e as coisas podem ser avaliadas em sua dimensão própria, sempre dentro do contexto maior da relação Criador-criatura.
A Parusia será um fato e isto é um artigo de fé já na Igreja Primitiva. Assim nos narrou o evangelista:
"Homens da Galiléia, por que ficais aí a olhar para o céu? Esse Jesus que acaba de vos ser arrebatado para o céu voltará do mesmo modo que o vistes subir para o céu." (At1,11)
O Símbolo dos apóstolos professa:
"Está sentado à direita de Deus Pai, Donde há de vir a julgar os vivos e os mortos."
O niceno constantinopolitano (reafirmado pelo Símbolo Tridentino):
"E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; o seu reino não terá fim.
O Símbolo de Epifânio (ano 374), muito difundido no Mediterrânio:
"Foi Ele que padeceu na carne e ressuscitou e subiu aos céus com Seu próprio Corpo, e reina gloriosamente à direita do Pai, e virá, com glória, em Seu próprio Corpo, a julgar os vivos e os mortos; e Seu Reino não terá fim."
Símbolo Quicumque (Atanasiano):
"... está sentado à direita do Pai, donde virá a julgar os vivos e os mortos: à sua segunda vinda hão de ressuscitar todos os homens com seus corpos e hão de prestar contas de seus próprios atos; e os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os que praticaram o mal, para o fogo eterno."
O Credo do Povo de Deus, do Papa Paulo VI:
"Subiu ao céu, de onde há de vir novamente, mas então com glória, para julgar os vivos e os mortos, a cada um segundo os seus méritos: os que corresponderam ao Amor e à Misericórdia de Deus irão para a vida eterna; porém os que os tiverem recusado até a morte serão destinados ao fogo que nunca cessará. E o seu reino não terá fim."
Sobre a linguagem do Apocalipse
A Bíblia de Navarra diz que pelo carácter especialmente simbólico do livro do Apocalípse, ele recebeu diversas interpretações ao longo dos séculos.
Podemos distinguir quatro mais espalhadas:
a) O livro seria uma descrição da História da Igreja.
Através das suas páginas ir-se-iam anunciando os momentos mais importantes pelos quais passou ou tem que passar ainda a Igreja. São sete períodos, o último dos quais coincidiria com o reino de mil anos que Cristo e os Seus seguidores hão-de instaurar antes do fim do mundo, seguildo se anuncia em Apc 20,1-7 entendido ao pé da letra. Esta interpretação teve a sua vigência nos primeiros séculos e na Idade Média, e hoje também nalgumas seitas que mediante diversos cálculos deram, falhadamente, as datas do fim do mundo.
b) No Apocalipse conter-se-ia exclusivamente a história contemporãnea de São João, que ofereceria um quadro das perseguições e dificuldades da Igreja no seu tempo, provenientes sobretudo do paganismo e do judaísmo. E uma interpretação que se inicia no século XVI, e que hoje tem os seus seguidores na crítica racionalista. Segundo esta corrente, o Apocalipse não é mais que uma descrição simbólica de quanto estava a acontecer no século I
c) O conteúdo do Apocalipse seria só um anúncio e premonição para os últimos tempos, para a época escatológica. Esta interpretação esteve em vigor a partir do século XVIII e atualmente é seguida por alguns autores. . .
d) O Apocalipse constituiria uma visão teológica de toda a História, sublinhando o seu aspecto transcendente e religioso. Com grande parte dos Santos Padres esta interpretação entende que São João nos 'apresenta certamente a situação da Igreja naquele momento, e uma ampla panorâmica dos últimos tempos; mas com a particularidade de que esses tempos definitivos foram já inaugurados com a vinda de Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem. E uma concepção muito de acordo com o IV Evangelho, onde também se apresenta a época definitiva, assim como a vida eterna, já iniciada agora de alguma forma e em marcha para a plenitude total. Deste modo dá-se-nos uma certa perspectiva dos acontecimentos e a esperança do triunfo final. Por um lado, apresenta-se a luta cósmica entre o bem e o mal, mas, por outro, dá-se por assente o triunfo definitivo de Cristo. Este sistema de interpretação é o mais aceitável .
Existe uma linha correta de interpretação do Apocalipse como fazendo referência aos inícios do cristianismo, mas existe também uma linha bastante herética que faz a mesma coisa.
Na linha herética, S. João estaria simplesmente relatando eventos já acontecidos, em linguagem figurada, mas não teria tido uma visão. Isso, na perspectiva desses exegetas que querem negar todos os eventos sobrenaturais da Bíblia, dando-lhes uma interpretação natural.
Recentemente, e várias vezes, o Santo Padre tem alertado para uma leitura da Bíblia segundo uma visão exclusivamente histórico-crítica. De fato, essa foi uma contribuição importante dos teólogos e exegetas do século XX, porém as Sagradas Escrituras só podem ser compreendidas enquanto tal se temos em sua leitura o senso de Deus.
Ou seja, a leitura que um cristão faz da Bíblia é primeiramente uma Lectio Divina, onde em todas as palavras, símbolos e entrelinhas, deve-se manter uma profunda reverência e um espírito de oração. Somente assim é possível dar espaço à infinita liberdade de Deus em SE revelar. Caso contrário, a Bíblia acaba ficando como esse monte de fatos históricos e, por vezes, desconexos.
Assim, a proposta conciliar, na Dei Verbum, reafirmada pelo Santo Padre, inclusive em sua obra-prima, Jesus de Nazaré, é a de ver na leitura histórica um Mistério que "arrebate", encha de estupor e admiração a quem lê e compreende aí a maravilhosa ação de Deus.
Verdade seja dita, quando uma escritura é proferida não está falando apenas de fatos passados.
Mais do que isso: reconhecer uma profecia é reconhecer que até mesmo o profeta não sabia do alcance de suas palavras ao proferi-las. Tome-se como exemplo o Salmo 2, citado por Paulo em At 13, na sua releitura da história judaica recapitulada pelo Mistério Pascal de Cristo. Igualmente o Salmo 109, relido pelo autor da Carta aos Hebreus que teve em vista o reinado de Davi e o sacerdócio de Melquisedec como imagens que se plenificariam apenas com o Reino e o Sacerdócio de Cristo Jesus. E ainda, a impressionante leitura de Is 52,13-53,12, conhecida como o Quarto Cântico do Servo Sofredor, falando sim da situação do povo de Israel em exílio, porém relido pela Igreja a partir de sua experiência de Cristo, como refernte a Ele, sublime Servo Sofredor, na sua Paixão e Morte. Aliás, foi isso que Cristo fez aos discípulos de Emaús, reler, recapitular as Escrituras. Aos Apóstolos, ele relembra: "era preciso que o Cristo sofresse para entrar em sua glória".
gualmente, no capítulo 7 dos Atos dos Apóstolos, narra-se o retorno de um eunuco de Jerusalém para a Etiópia. Ele estava lendo exatamente a passagem do Servo Sofredor. É encontrado pelo diácono Filipe e este pergunta se ele entende o que está lendo. Pergunta o eunuco: "como entenderei se ninguém mo explica? Ele fala de si mesmo ou de um outro?" E Filipe se põe a explicar. Será que esse eunuco percebeu que o texto não falava de um Outro que contém e fala dentro de todos os outros, inclusive o Profeta? Afinal de contas, o que o teria levado a pedir o Batismo? Será que se a leitura do texto fosse histórico-crítica teria levado o eunuco a se admirar com Cristo a tal ponto de pedir o Batismo a Filipe?
O fato é que as Sagradas Escrituras, sendo lidas APENAS pelo viés histórico-crítico, não atraem ninguém. Muito pelo contrário. Acabam sendo reduzidas a mais um elemento de vaidade mundana. O cristão é chamado a contemplar a realidade das escrituras (também conhecida a partir do método histórico-crítico) como sendo uma realidade que diz respeito primeiramente a Cristo e em seguida ao próprio leitor. Só aí é que se começam a desvelar o mistério de nossa vida escondido por detrás das Sagradas Linhas da Palavra de Deus.
Há ainda de se lembrar que a Palavra de Deus é, antes, uma Pessoa, não um Livro. A Palavra é o Verbo. Ela se encarnou e habita entre nós pelo Mistério de sua Encarnação e de sua Páscoa. Nessa hora, lembro-me de uma famosa frase de São Jerônimo: "conhecer as Escrituras é conhecer a Cristo".
Portanto, a leitura das Escrituras é algo que diz respeito, antes de mais, ao presente. Os feitos do passado certamente servirão para iluminar esse presente e certamente lançará luz sobre o futuro. Toda a história, toda a criação, toda a ação de Deus é ali contemplada. A Igreja, em seus santos, em seu magistério, em sua Tradição, tem, no Espírito Santo, para reler a Escritura sempre que necessário e ler a história sob sua leitura.
O Livro do Apocalipse de João é um relato de esperança, especialmente em tempos de perseguição, mas não apenas. Certamente, é um texto que manifesta o modo como o Cristo se revela e como a Igreja, em sua Palavra, especialmente na sua Liturgia e de modo sublime no martírio manifesta seu amor para com Ele.
Por isso é atualíssimo. As figuras citadas histórica e licitamente pelo Cristiano podem ser relidas dentro de nossa história pessoal e coletiva, universal. Quantas vezes, uma besta não se ergue dentro de nós? E quantas vezes, vários dragões foram correndo em direção à Mulher grávida (entenda-se, a Igreja - que também é lida na imagem sublime de Maria)?
Os tempos de Filipe, o Belo, Rei da França foi um tempo assim. Henrique VIII perseguiu e matou diversos cristãos por causa de seu devaneio sexual e político. A Revolução Francesa e as Revoluções comunistas de diversos países foram como que dragões e bestas que se erguiam contra a Mulher, o Cordeiro e suas testemunhas. O que dizer da Igreja na China, cruelmente perseguida?
O que dizer da Igreja num futuro que promete péssima legitimidade social aos cristãos, quando legaliza o aborto, promove as uniões homossexuais, dilacera a família, vai cerceando o direito de objeção de consciência? Não será o Apocalipse, a Revelação do Livro d Vida do Cordeiro, um sinal de esperança para a Igreja de todos os tempos?
A Igreja já deixou claro: há várias interpretações possíveis e lícitas do Apocalipse, inclusive algumas que são "mistas" (pode-se dizer que uma mesma passagem tem MAIS DE UM SENTIDO).
O Catecismo ensina:
"115. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, subdividindo-se este último em sentido alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda dos quatro sentidos assegura a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja:
116. O sentido literal. É o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da recta interpretação. «Omnes sensus (sc. Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem» – «Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam no literal» (90).
117. O sentido espiritual. Graças à unidade do desígnio de Deus, não só o texto da Escritura, mas também as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e, assim, do Baptismo (91).
2. O sentido moral. Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento justo. Foram escritos «para nossa instrução» (1 Cor 10, 11) (92).
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos conduz (em grego: «anagoge») em direcção à nossa Pátria. Assim, a Igreja terrestre é sinal da Jerusalém celeste (93).
119. «Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Sagrada Escritura, para que, mercê deste estudo, de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus»
Qualquer texto bíblico, por mais que tenham seus contextos literários e históricos em dados do passado só têm valor quando lidos no AQUI e no AGORA de nossa vida. Isso é Lectio Divina. As Escrituras nos foram dadas para compreender o agir de Deus em nossa vida, em nos amar, em nos encher de esperança, em nos salvar. Isso vale do Gênesis ao Apocalipse. Por elas, aprendemos a amá-lO hoje!
Para a Lectio Divina (a meditação), claro que todo livro, inclusive o Apocalipse, é presente, é relação Deus-homem. Mas o sentido TEOLÓGICO é que o Bruno quer prescrutar.
Bem, teologicamente, o Apocalipse pode se referir a atos passados, mas que na época em que foram escritos eram futuros, ou a atos futuros em relação a hoje, ou mesmo aos dois.
Não dá para generalizar. É preciso um bom comentário bíblico e ler, passo a passo, o que os santos intuíram a respeito de cada trecho. A Navarra ajuda bastante nesse sentido, bem como os comentários de Santo Tomás de Aquino, de Santo Agostinho, de São Boaventura e de Cornélio a Lápide.
O Apocalipse trata de um arco de tempo que inclui a inteira existência da humanidade.
Ele fala sobre a queda dos anjos, com o surgimento dos demônios, que ocorreu antes da criação do homem.
Fala também do juízo final e do fim dos tempos.
Ao longo de toda a nossa existência, há questões perenes, e dessas ele trata: a luta entre o bem e o mal, o pecado e a redenção. Por isso, em muitas passagens, ele está falando do passado, do presente e do futuro, tudo ao mesmo tempo.
Há também trechos que parecem aplicar-se mais concretamente a algum período, especialmente o início do cristianismo, mas mesmo estes também permitem essa leitura da permanente luta entre o bem e o mal.
Scott Hahn explica o que diz a Igreja, o que já dizia grande parte dos Santos Padres, e o faz com brilhantismo.
Scott Hahn é um grande teólogo, professor de Teologia em uma Universidade franciscana nos EUA. Ele era pastor protestante, e converteu-se ao catolicismo principalmente pelos seus estudos da Sagrada Escritura, nos quais o Apocalipse sempre teve parte importante. Ele é um especialista em Apocalipse, e a percepção da profunda relação entre o Apocalipse e a liturgia católica, na visão de que esses tempos definitivos foram já inaugurados com a vinda de Jesus Cristo, que se mantém entre nós pela celebração da Santa Missa e pela eucaristia, foi muito importante na sua conversão. Por isso, ele se aprofundou ainda mais no assunto. Uma pérola resultante desse estudo é o livro "O banquete do Cordeiro".
Capitulo 13 de Apocalipse. Interpretação dada pela Bíblia de Navarra:
13, 1-18: Satanás, a serpente antiga, lança o seu ataque por meio das bestas, às quais comunica seu poder (cfr. vv. 2:12). As bestas representam os poderes historicos em que de uma ou de outra forma se encarnam as forças do mal.
- A primeira besta (w. 1-10) simboliza o poder político exacerbado até suplantar Deus;
- a segunda (vv. 11-12), aquelas forças do mal que defendem, justificam e propagam tal deificação do poder, apresentando-o como bom.
Estas bestas aludem de forma imediata ao Império Romano, mas este é considerado ao mesmo tempo, em alguns aspectos, como instrumentos de uma potência diabólica que, ultrapassando aquele tempo concreto, se abate constantemente sobre o homem e se manifesta com mais força à medida que se aproxima o fim da história .
O Diabo, para fazer a guerra aos filhos da Mulher, além de os atacar individual e pessoalmente, serve-se de instrumentos sócios – políticos e culturais; que usurpam o posto de verdadeiro Deus
1-4.: São João descreve a primeira besta com os traços que empregou o profeta Daniel para designar os impérios que avassalaram o povo de lsrael, e especificamente os sucessores de Alexandre Magno – sobretudo Antíoco Epifanes - simbolizados na quarta besta na visão do profeta (cfr Dan 7,7- 8). Em círculos judaicos e cristãos contemporaneos do Apocalipse já se reinterpretava a quarta besta de Daniel, vendo nela o Império Romano; o próprio autor do Apocalipse torna-o explicito mais adiante dizendo que as sete cabeças ,e os dez cornos, são outros tantos imperadores e reis (Cfr. Apc 17,9 -12). A ferida de uma das cabeças pode aludir a alguma crise política concreta, como o assassinato de Cesar ou os disturbios depois da morte de Nero, que foi superada pelo Império.
A maioria dos santos Padres viram na besta o AntiCristo, e assim escreve Santo Irineu: “ Na besta que surge está compendiada toda maldade e toda a mentira, de modo que concentrada e cumprida nela toda a força da apostasia, seja arrojada para o forno do fogo {Adrversus haereses, V, 29}.
Em qualquer dos casos, o texto sagrado denuncia o pecado da idolatria diante do poder político, ao qual são conferidos atributos póprios de Deus, com Quem ninguém se pode comparar. A exclamação: «Quem como a besta?» é uma contra-réplica do significado do nome Do arcanjo Miguel: «Quem, como Deus?». Com razão, pois, a descrição da cabeça da besta coincide com a da serpente (cfr 12,3), mostrando assim o seu indubitável parentesco e semelhança. Com efeito, «a idolatria é uma forma extrema da desordem introduzida pelo pecado. Ao substituir a adoração do Deus vivo pelo culto da criatura, falseia as relações entre os homens e leva consigo diversas, formas de opressão» (Libertatis conscientia, n. 39).
5-8.: A palavra blasfema e os atos de violência da besta mostram a origem satânia do seu poder. A besta actua ao longo da história- quarenta e dois meses ou três anos e meio -, e torna-se presente em todo o mundo. Só os que, pela graça de Deus, reconhecem e seguem a Cristo, terão força para não adorar a besta, ou, por outras palavras, para resistir ao absolutismo dos poderes políticos quando estes se arrogam o que corresponde a Deus e à Sua lei.
9-10.: São João deixa a linguagem da visão e fala directamente ao leitor, convidando-o a reconhecer, o momento histórico em que vive, a verdade que ele lhe manifesta da parte de Deus. Os destiinatários imediatos do livro puderam ver na terrível perseguição de Domiciano (anos 95 -96) o poder satânico desatado contra a Igreja. Mas o convite dirige-se a todo aquele que lê o livro em qualquer tempo; também na nossa época que viu surgir os sistemas totalitários e certas formas de tirania que não teriam sido possíveis na época anterior ao progresso tecnologico.
O Apocalipse, utilizando as mesmas palavras que Jeremias dirigia aos malvados (cfr ler 15,2; 43,11), aplica-as agora aos tempos finais. Deste modo, há-de entender-se que, diante dos ataques da besta, São João exorte a resistir com firmeza, aceitando as consequências da perseguição, sem se curvar e com fé.
11 – 17: Mais adiante (cfr 16,13; 19,20 ; e as notas) esta segunda besta será identificada com o falso profeta, já que, com efeito, o seu papel é seduzir os homens para que adorem a primeira besta. Realiza, com o poder do mal, prodígios semelhantes aos dos Profetas - como Elias, que fez descer fogo do céu (cfr 1 Reg 18,38) -, e inclusive parece imitar a força do Espírito que dá vida, animando as imagens da besta. Exerce, além disso, um despotismo feroz, privando dos meios de subsistência aqueles que não se lhe submetem e levam a sua marca. «Aquele que surge da terra, escreve São Gregório, indica a soberba da glória terrena; e aquele que tem dois cornos semelhantes
aos do cordeiro, quer dizer, que mediante uma santidade hipócrita simula ter sabedoria, a
a vida que o Senhor tem realmente» (Moralia, 33,20).
Não sabemos se o autor se refere a uma pessoa concreta como o asiarca encarregado de promover O culto ao Imperador na Asia Menor, ou a um grupo, como os sacerdotes pagãos que realizavam e propagavam tal culto. Parece certo, que sob a imagem da besta se contemplam as implicações, Religioso – politicas da divinização do Imperador, com graves consequencias para os cristãos, que não podiam aceitá-la. Em última análise, esta besta é o símbolo dos regimes que rejeitam Deus e exaltam falsamente o homem. Hoje existem outras formas de poder, que de alguma maneira podiam ser sucessoras daqueles, como o ateísmo militante, tanto na forma de secularismo ateu, como de materialismo dialético. Santo Hipólito descreve assim a marca e o selo da besta: «Nego o Criador do céu e da terra, nego o Baltismo, nego a adoração costumada a Deus pela minha parte. A ti (besta) adiro, em ti creio» (De consummat.).
18:. O autor do Apocalipse dá o nome da besta segundo o procedimento chamado gramatría, que consiste em substituir o nome pelo valor numérico das letras que o compõem. Há que ter em conta que; tanto em hebraico como em grego, se utilizam as letras do alfabeto com valor numérico. A cifra de 666 quadra com o nome de César-Nero em hebraico. Alguns manuscritos trazem 616, que corresponderia a César-Deus em grego. Em qualquer caso, a chave de interpretação exata desta cifra, desconhece-se na Tradição, pelo que se propuseram diferentes nomes.
O texto fala por si, para mostrar a possibilidade de interpretações mais "estreitas", e outras mais amplas, abarcando toda a história. Neste último aspecto, é também relevante que existam alegorias bem parecidas no Antigo Testamento, como a citada do livro de Daniel.
Há um aspecto prático muito importante, nessa interpretação mais ampla. Se a besta fosse identificada apenas com imperadores do início do cristianismo, como Nero, leríamos o Apocalipse com certa curiosidade histórica. Mas, se posso identificá-la com governos atuais, então o Apocalipse é algo que nos diz respeito.
E, quando lemos em Ap. 17, 14: Combaterão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, porque é Senhor dos senhores e Rei dos reis. Aqueles que estão com ele são os chamados, os escolhidos, os fiéis.
Podemos nos ver aí, como participantes dessa batalha, e seguros da vitória de Cristo.
(Isaías 66,22) Pois, assim como os novos céus e a nova terra que vou criar devem subsistir diante de mim, declara o Senhor, assim devem subsistir vossa raça e vosso nome.
(II São Pedro 3,13) Nós, porém, segundo sua promessa, esperamos novos céus e uma nova terra, nos quais habitará a justiça.
Como entender essa expressão?
Parece estritamente ligada à Parusia, à Ressurreição dos mortos e ao Juízo Final. Depois do que virá "novos céus e nova terra".
A dúvida geral é:
1. Saber se esse novo mundo será material, como o nosso "reformado".
2. Saber se a expressão "Fim do Mundo" está errada, e se seria mais correto dizer "Consumação do mundo", "Fim dos Tempos" ou "reformulação", "reordenação" de todas as coisas.
3. Se o planeta Terra vai acabar ou será renovado.
Essa dúvidas costumam vir a partir de alguns questionamentos dos TJs.
O que a Igreja diz sobre "Fim do Mundo" e sobre "Jerusalém Celeste" que "descerá" à Terra?
"Céus novos e terra nova" . A renovação dos seres criados é uma das caracteristicas das promessas escatológicas: Os Profetas anunciaram-na ( cfr Is 65,17) e o Novo Testamento fala de beber o vinho novo do banquete celestial ( cfr Mc 14, 25), de levar um nome novo ( cfr Apc 2,17), entoar um cantico novo ( cfr Apc 5,9), habitar uma nova Jerusalem ( cfr Apc 21,2). Com estas imagens expressa-se que todo o universo mudará, a natureza inteira transformar-se-á profundamente ( cfr Rom 8,19-12).
"Ignoramos o tempo em que se produzirá a consumação da terra e da humanidade ( cfr act 1,7). Tão pouco cinhecemos de que maneira se transformará o universo. A figura deste mundo, deformado pelo pecado ( cfr 1 Cor 7,31);passa, mas Deus ensina-nos que nos prepara uma nova morada e uma nova terra onde habita a justiça ( cfr 2 Cor5,2; II Ped 3,13) e cuja bem-aventurança é capaz de saciar e ultrapassar todos os anelos de paz que surgem no coração humano" ( Gaudium et spes, n. 39).
Que haverá uma renovação do céu e da terra é doutrina certa, desde que não se creia, com isso, que o reinado de Cristo será com mil anos literais, nem se suponha um reinado carnal.
A ordem dos acontecimentos escatológicos é conforme cada uma das teorias, algumas condenadas, outras não.
A consideração do fim do mundo e da parusia do Senhor fundamenta a exortação moral que nos diz que devemos ser santos e piedosos , já que tudo irá se dissolver.
É importante ter cuidado com a idéia de que o Dia do Senhor será um dia de “destruição do mundo”. Será, sim, um dia terrível para os que desprezam a Deus e seus ensinamentos (incluindo aí a lei natural), mas também será um dia de indescritível alegria para os que seguiram o Cordeiro Imolado no caminho da Cruz (mesmo sem o saber). Rezemos e trabalhemos para que o número dos gozosos seja incomparavelmente maior e que estejamos também nós dentre eles.
Agora, os acontecimentos do findado séc. XX nos trouxe algo com o qual realmente deve nos causar perplexidade e mover determinantemente nossas atenções. Refere-se aqui à possibilidade real de destruição do mundo pelo homem. O surgimento das armas nucleares pode e deve ser analisado do ponto de vista teológico. A crescente poluição e o esgotamento irracional dos recursos naturais também. Tudo isto sem ter que se render a uma “teologia” rasteira e sincretista (como propõem alguns “libertadores”), mas lançando luz sobre tais questões a partir da sólida Doutrina da Igreja. Assim, tudo ganha o devido sentido e as coisas podem ser avaliadas em sua dimensão própria, sempre dentro do contexto maior da relação Criador-criatura.
A Parusia será um fato e isto é um artigo de fé já na Igreja Primitiva. Assim nos narrou o evangelista:
"Homens da Galiléia, por que ficais aí a olhar para o céu? Esse Jesus que acaba de vos ser arrebatado para o céu voltará do mesmo modo que o vistes subir para o céu." (At1,11)
O Símbolo dos apóstolos professa:
"Está sentado à direita de Deus Pai, Donde há de vir a julgar os vivos e os mortos."
O niceno constantinopolitano (reafirmado pelo Símbolo Tridentino):
"E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; o seu reino não terá fim.
O Símbolo de Epifânio (ano 374), muito difundido no Mediterrânio:
"Foi Ele que padeceu na carne e ressuscitou e subiu aos céus com Seu próprio Corpo, e reina gloriosamente à direita do Pai, e virá, com glória, em Seu próprio Corpo, a julgar os vivos e os mortos; e Seu Reino não terá fim."
Símbolo Quicumque (Atanasiano):
"... está sentado à direita do Pai, donde virá a julgar os vivos e os mortos: à sua segunda vinda hão de ressuscitar todos os homens com seus corpos e hão de prestar contas de seus próprios atos; e os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os que praticaram o mal, para o fogo eterno."
O Credo do Povo de Deus, do Papa Paulo VI:
"Subiu ao céu, de onde há de vir novamente, mas então com glória, para julgar os vivos e os mortos, a cada um segundo os seus méritos: os que corresponderam ao Amor e à Misericórdia de Deus irão para a vida eterna; porém os que os tiverem recusado até a morte serão destinados ao fogo que nunca cessará. E o seu reino não terá fim."
Sobre a linguagem do Apocalipse
A Bíblia de Navarra diz que pelo carácter especialmente simbólico do livro do Apocalípse, ele recebeu diversas interpretações ao longo dos séculos.
Podemos distinguir quatro mais espalhadas:
a) O livro seria uma descrição da História da Igreja.
Através das suas páginas ir-se-iam anunciando os momentos mais importantes pelos quais passou ou tem que passar ainda a Igreja. São sete períodos, o último dos quais coincidiria com o reino de mil anos que Cristo e os Seus seguidores hão-de instaurar antes do fim do mundo, seguildo se anuncia em Apc 20,1-7 entendido ao pé da letra. Esta interpretação teve a sua vigência nos primeiros séculos e na Idade Média, e hoje também nalgumas seitas que mediante diversos cálculos deram, falhadamente, as datas do fim do mundo.
b) No Apocalipse conter-se-ia exclusivamente a história contemporãnea de São João, que ofereceria um quadro das perseguições e dificuldades da Igreja no seu tempo, provenientes sobretudo do paganismo e do judaísmo. E uma interpretação que se inicia no século XVI, e que hoje tem os seus seguidores na crítica racionalista. Segundo esta corrente, o Apocalipse não é mais que uma descrição simbólica de quanto estava a acontecer no século I
c) O conteúdo do Apocalipse seria só um anúncio e premonição para os últimos tempos, para a época escatológica. Esta interpretação esteve em vigor a partir do século XVIII e atualmente é seguida por alguns autores. . .
d) O Apocalipse constituiria uma visão teológica de toda a História, sublinhando o seu aspecto transcendente e religioso. Com grande parte dos Santos Padres esta interpretação entende que São João nos 'apresenta certamente a situação da Igreja naquele momento, e uma ampla panorâmica dos últimos tempos; mas com a particularidade de que esses tempos definitivos foram já inaugurados com a vinda de Jesus Cristo, o Filho de Deus feito homem. E uma concepção muito de acordo com o IV Evangelho, onde também se apresenta a época definitiva, assim como a vida eterna, já iniciada agora de alguma forma e em marcha para a plenitude total. Deste modo dá-se-nos uma certa perspectiva dos acontecimentos e a esperança do triunfo final. Por um lado, apresenta-se a luta cósmica entre o bem e o mal, mas, por outro, dá-se por assente o triunfo definitivo de Cristo. Este sistema de interpretação é o mais aceitável .
Existe uma linha correta de interpretação do Apocalipse como fazendo referência aos inícios do cristianismo, mas existe também uma linha bastante herética que faz a mesma coisa.
Na linha herética, S. João estaria simplesmente relatando eventos já acontecidos, em linguagem figurada, mas não teria tido uma visão. Isso, na perspectiva desses exegetas que querem negar todos os eventos sobrenaturais da Bíblia, dando-lhes uma interpretação natural.
Recentemente, e várias vezes, o Santo Padre tem alertado para uma leitura da Bíblia segundo uma visão exclusivamente histórico-crítica. De fato, essa foi uma contribuição importante dos teólogos e exegetas do século XX, porém as Sagradas Escrituras só podem ser compreendidas enquanto tal se temos em sua leitura o senso de Deus.
Ou seja, a leitura que um cristão faz da Bíblia é primeiramente uma Lectio Divina, onde em todas as palavras, símbolos e entrelinhas, deve-se manter uma profunda reverência e um espírito de oração. Somente assim é possível dar espaço à infinita liberdade de Deus em SE revelar. Caso contrário, a Bíblia acaba ficando como esse monte de fatos históricos e, por vezes, desconexos.
Assim, a proposta conciliar, na Dei Verbum, reafirmada pelo Santo Padre, inclusive em sua obra-prima, Jesus de Nazaré, é a de ver na leitura histórica um Mistério que "arrebate", encha de estupor e admiração a quem lê e compreende aí a maravilhosa ação de Deus.
Verdade seja dita, quando uma escritura é proferida não está falando apenas de fatos passados.
Mais do que isso: reconhecer uma profecia é reconhecer que até mesmo o profeta não sabia do alcance de suas palavras ao proferi-las. Tome-se como exemplo o Salmo 2, citado por Paulo em At 13, na sua releitura da história judaica recapitulada pelo Mistério Pascal de Cristo. Igualmente o Salmo 109, relido pelo autor da Carta aos Hebreus que teve em vista o reinado de Davi e o sacerdócio de Melquisedec como imagens que se plenificariam apenas com o Reino e o Sacerdócio de Cristo Jesus. E ainda, a impressionante leitura de Is 52,13-53,12, conhecida como o Quarto Cântico do Servo Sofredor, falando sim da situação do povo de Israel em exílio, porém relido pela Igreja a partir de sua experiência de Cristo, como refernte a Ele, sublime Servo Sofredor, na sua Paixão e Morte. Aliás, foi isso que Cristo fez aos discípulos de Emaús, reler, recapitular as Escrituras. Aos Apóstolos, ele relembra: "era preciso que o Cristo sofresse para entrar em sua glória".
gualmente, no capítulo 7 dos Atos dos Apóstolos, narra-se o retorno de um eunuco de Jerusalém para a Etiópia. Ele estava lendo exatamente a passagem do Servo Sofredor. É encontrado pelo diácono Filipe e este pergunta se ele entende o que está lendo. Pergunta o eunuco: "como entenderei se ninguém mo explica? Ele fala de si mesmo ou de um outro?" E Filipe se põe a explicar. Será que esse eunuco percebeu que o texto não falava de um Outro que contém e fala dentro de todos os outros, inclusive o Profeta? Afinal de contas, o que o teria levado a pedir o Batismo? Será que se a leitura do texto fosse histórico-crítica teria levado o eunuco a se admirar com Cristo a tal ponto de pedir o Batismo a Filipe?
O fato é que as Sagradas Escrituras, sendo lidas APENAS pelo viés histórico-crítico, não atraem ninguém. Muito pelo contrário. Acabam sendo reduzidas a mais um elemento de vaidade mundana. O cristão é chamado a contemplar a realidade das escrituras (também conhecida a partir do método histórico-crítico) como sendo uma realidade que diz respeito primeiramente a Cristo e em seguida ao próprio leitor. Só aí é que se começam a desvelar o mistério de nossa vida escondido por detrás das Sagradas Linhas da Palavra de Deus.
Há ainda de se lembrar que a Palavra de Deus é, antes, uma Pessoa, não um Livro. A Palavra é o Verbo. Ela se encarnou e habita entre nós pelo Mistério de sua Encarnação e de sua Páscoa. Nessa hora, lembro-me de uma famosa frase de São Jerônimo: "conhecer as Escrituras é conhecer a Cristo".
Portanto, a leitura das Escrituras é algo que diz respeito, antes de mais, ao presente. Os feitos do passado certamente servirão para iluminar esse presente e certamente lançará luz sobre o futuro. Toda a história, toda a criação, toda a ação de Deus é ali contemplada. A Igreja, em seus santos, em seu magistério, em sua Tradição, tem, no Espírito Santo, para reler a Escritura sempre que necessário e ler a história sob sua leitura.
O Livro do Apocalipse de João é um relato de esperança, especialmente em tempos de perseguição, mas não apenas. Certamente, é um texto que manifesta o modo como o Cristo se revela e como a Igreja, em sua Palavra, especialmente na sua Liturgia e de modo sublime no martírio manifesta seu amor para com Ele.
Por isso é atualíssimo. As figuras citadas histórica e licitamente pelo Cristiano podem ser relidas dentro de nossa história pessoal e coletiva, universal. Quantas vezes, uma besta não se ergue dentro de nós? E quantas vezes, vários dragões foram correndo em direção à Mulher grávida (entenda-se, a Igreja - que também é lida na imagem sublime de Maria)?
Os tempos de Filipe, o Belo, Rei da França foi um tempo assim. Henrique VIII perseguiu e matou diversos cristãos por causa de seu devaneio sexual e político. A Revolução Francesa e as Revoluções comunistas de diversos países foram como que dragões e bestas que se erguiam contra a Mulher, o Cordeiro e suas testemunhas. O que dizer da Igreja na China, cruelmente perseguida?
O que dizer da Igreja num futuro que promete péssima legitimidade social aos cristãos, quando legaliza o aborto, promove as uniões homossexuais, dilacera a família, vai cerceando o direito de objeção de consciência? Não será o Apocalipse, a Revelação do Livro d Vida do Cordeiro, um sinal de esperança para a Igreja de todos os tempos?
A Igreja já deixou claro: há várias interpretações possíveis e lícitas do Apocalipse, inclusive algumas que são "mistas" (pode-se dizer que uma mesma passagem tem MAIS DE UM SENTIDO).
O Catecismo ensina:
"115. Segundo uma antiga tradição, podemos distinguir dois sentidos da Escritura: o sentido literal e o sentido espiritual, subdividindo-se este último em sentido alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda dos quatro sentidos assegura a sua riqueza à leitura viva da Escritura na Igreja:
116. O sentido literal. É o expresso pelas palavras da Escritura e descoberto pela exegese segundo as regras da recta interpretação. «Omnes sensus (sc. Sacrae Scripturae) fundentur super litteralem» – «Todos os sentidos (da Sagrada Escritura) se fundamentam no literal» (90).
117. O sentido espiritual. Graças à unidade do desígnio de Deus, não só o texto da Escritura, mas também as realidades e acontecimentos de que fala, podem ser sinais.
1. O sentido alegórico. Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos, reconhecendo o seu significado em Cristo: por exemplo, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo e, assim, do Baptismo (91).
2. O sentido moral. Os acontecimentos referidos na Escritura podem conduzir-nos a um comportamento justo. Foram escritos «para nossa instrução» (1 Cor 10, 11) (92).
3. O sentido anagógico. Podemos ver realidades e acontecimentos no seu significado eterno, o qual nos conduz (em grego: «anagoge») em direcção à nossa Pátria. Assim, a Igreja terrestre é sinal da Jerusalém celeste (93).
119. «Cabe aos exegetas trabalhar, de harmonia com estas regras, por entender e expor mais profundamente o sentido da Sagrada Escritura, para que, mercê deste estudo, de algum modo preparatório, amadureça o juízo da Igreja. Com efeito, tudo quanto diz respeito à interpretação da Escritura, está sujeito ao juízo último da Igreja, que tem o divino mandato e o ministério de guardar e interpretar a Palavra de Deus»
Qualquer texto bíblico, por mais que tenham seus contextos literários e históricos em dados do passado só têm valor quando lidos no AQUI e no AGORA de nossa vida. Isso é Lectio Divina. As Escrituras nos foram dadas para compreender o agir de Deus em nossa vida, em nos amar, em nos encher de esperança, em nos salvar. Isso vale do Gênesis ao Apocalipse. Por elas, aprendemos a amá-lO hoje!
Para a Lectio Divina (a meditação), claro que todo livro, inclusive o Apocalipse, é presente, é relação Deus-homem. Mas o sentido TEOLÓGICO é que o Bruno quer prescrutar.
Bem, teologicamente, o Apocalipse pode se referir a atos passados, mas que na época em que foram escritos eram futuros, ou a atos futuros em relação a hoje, ou mesmo aos dois.
Não dá para generalizar. É preciso um bom comentário bíblico e ler, passo a passo, o que os santos intuíram a respeito de cada trecho. A Navarra ajuda bastante nesse sentido, bem como os comentários de Santo Tomás de Aquino, de Santo Agostinho, de São Boaventura e de Cornélio a Lápide.
O Apocalipse trata de um arco de tempo que inclui a inteira existência da humanidade.
Ele fala sobre a queda dos anjos, com o surgimento dos demônios, que ocorreu antes da criação do homem.
Fala também do juízo final e do fim dos tempos.
Ao longo de toda a nossa existência, há questões perenes, e dessas ele trata: a luta entre o bem e o mal, o pecado e a redenção. Por isso, em muitas passagens, ele está falando do passado, do presente e do futuro, tudo ao mesmo tempo.
Há também trechos que parecem aplicar-se mais concretamente a algum período, especialmente o início do cristianismo, mas mesmo estes também permitem essa leitura da permanente luta entre o bem e o mal.
Scott Hahn explica o que diz a Igreja, o que já dizia grande parte dos Santos Padres, e o faz com brilhantismo.
Scott Hahn é um grande teólogo, professor de Teologia em uma Universidade franciscana nos EUA. Ele era pastor protestante, e converteu-se ao catolicismo principalmente pelos seus estudos da Sagrada Escritura, nos quais o Apocalipse sempre teve parte importante. Ele é um especialista em Apocalipse, e a percepção da profunda relação entre o Apocalipse e a liturgia católica, na visão de que esses tempos definitivos foram já inaugurados com a vinda de Jesus Cristo, que se mantém entre nós pela celebração da Santa Missa e pela eucaristia, foi muito importante na sua conversão. Por isso, ele se aprofundou ainda mais no assunto. Uma pérola resultante desse estudo é o livro "O banquete do Cordeiro".
Capitulo 13 de Apocalipse. Interpretação dada pela Bíblia de Navarra:
13, 1-18: Satanás, a serpente antiga, lança o seu ataque por meio das bestas, às quais comunica seu poder (cfr. vv. 2:12). As bestas representam os poderes historicos em que de uma ou de outra forma se encarnam as forças do mal.
- A primeira besta (w. 1-10) simboliza o poder político exacerbado até suplantar Deus;
- a segunda (vv. 11-12), aquelas forças do mal que defendem, justificam e propagam tal deificação do poder, apresentando-o como bom.
Estas bestas aludem de forma imediata ao Império Romano, mas este é considerado ao mesmo tempo, em alguns aspectos, como instrumentos de uma potência diabólica que, ultrapassando aquele tempo concreto, se abate constantemente sobre o homem e se manifesta com mais força à medida que se aproxima o fim da história .
O Diabo, para fazer a guerra aos filhos da Mulher, além de os atacar individual e pessoalmente, serve-se de instrumentos sócios – políticos e culturais; que usurpam o posto de verdadeiro Deus
1-4.: São João descreve a primeira besta com os traços que empregou o profeta Daniel para designar os impérios que avassalaram o povo de lsrael, e especificamente os sucessores de Alexandre Magno – sobretudo Antíoco Epifanes - simbolizados na quarta besta na visão do profeta (cfr Dan 7,7- 8). Em círculos judaicos e cristãos contemporaneos do Apocalipse já se reinterpretava a quarta besta de Daniel, vendo nela o Império Romano; o próprio autor do Apocalipse torna-o explicito mais adiante dizendo que as sete cabeças ,e os dez cornos, são outros tantos imperadores e reis (Cfr. Apc 17,9 -12). A ferida de uma das cabeças pode aludir a alguma crise política concreta, como o assassinato de Cesar ou os disturbios depois da morte de Nero, que foi superada pelo Império.
A maioria dos santos Padres viram na besta o AntiCristo, e assim escreve Santo Irineu: “ Na besta que surge está compendiada toda maldade e toda a mentira, de modo que concentrada e cumprida nela toda a força da apostasia, seja arrojada para o forno do fogo {Adrversus haereses, V, 29}.
Em qualquer dos casos, o texto sagrado denuncia o pecado da idolatria diante do poder político, ao qual são conferidos atributos póprios de Deus, com Quem ninguém se pode comparar. A exclamação: «Quem como a besta?» é uma contra-réplica do significado do nome Do arcanjo Miguel: «Quem, como Deus?». Com razão, pois, a descrição da cabeça da besta coincide com a da serpente (cfr 12,3), mostrando assim o seu indubitável parentesco e semelhança. Com efeito, «a idolatria é uma forma extrema da desordem introduzida pelo pecado. Ao substituir a adoração do Deus vivo pelo culto da criatura, falseia as relações entre os homens e leva consigo diversas, formas de opressão» (Libertatis conscientia, n. 39).
5-8.: A palavra blasfema e os atos de violência da besta mostram a origem satânia do seu poder. A besta actua ao longo da história- quarenta e dois meses ou três anos e meio -, e torna-se presente em todo o mundo. Só os que, pela graça de Deus, reconhecem e seguem a Cristo, terão força para não adorar a besta, ou, por outras palavras, para resistir ao absolutismo dos poderes políticos quando estes se arrogam o que corresponde a Deus e à Sua lei.
9-10.: São João deixa a linguagem da visão e fala directamente ao leitor, convidando-o a reconhecer, o momento histórico em que vive, a verdade que ele lhe manifesta da parte de Deus. Os destiinatários imediatos do livro puderam ver na terrível perseguição de Domiciano (anos 95 -96) o poder satânico desatado contra a Igreja. Mas o convite dirige-se a todo aquele que lê o livro em qualquer tempo; também na nossa época que viu surgir os sistemas totalitários e certas formas de tirania que não teriam sido possíveis na época anterior ao progresso tecnologico.
O Apocalipse, utilizando as mesmas palavras que Jeremias dirigia aos malvados (cfr ler 15,2; 43,11), aplica-as agora aos tempos finais. Deste modo, há-de entender-se que, diante dos ataques da besta, São João exorte a resistir com firmeza, aceitando as consequências da perseguição, sem se curvar e com fé.
11 – 17: Mais adiante (cfr 16,13; 19,20 ; e as notas) esta segunda besta será identificada com o falso profeta, já que, com efeito, o seu papel é seduzir os homens para que adorem a primeira besta. Realiza, com o poder do mal, prodígios semelhantes aos dos Profetas - como Elias, que fez descer fogo do céu (cfr 1 Reg 18,38) -, e inclusive parece imitar a força do Espírito que dá vida, animando as imagens da besta. Exerce, além disso, um despotismo feroz, privando dos meios de subsistência aqueles que não se lhe submetem e levam a sua marca. «Aquele que surge da terra, escreve São Gregório, indica a soberba da glória terrena; e aquele que tem dois cornos semelhantes
aos do cordeiro, quer dizer, que mediante uma santidade hipócrita simula ter sabedoria, a
a vida que o Senhor tem realmente» (Moralia, 33,20).
Não sabemos se o autor se refere a uma pessoa concreta como o asiarca encarregado de promover O culto ao Imperador na Asia Menor, ou a um grupo, como os sacerdotes pagãos que realizavam e propagavam tal culto. Parece certo, que sob a imagem da besta se contemplam as implicações, Religioso – politicas da divinização do Imperador, com graves consequencias para os cristãos, que não podiam aceitá-la. Em última análise, esta besta é o símbolo dos regimes que rejeitam Deus e exaltam falsamente o homem. Hoje existem outras formas de poder, que de alguma maneira podiam ser sucessoras daqueles, como o ateísmo militante, tanto na forma de secularismo ateu, como de materialismo dialético. Santo Hipólito descreve assim a marca e o selo da besta: «Nego o Criador do céu e da terra, nego o Baltismo, nego a adoração costumada a Deus pela minha parte. A ti (besta) adiro, em ti creio» (De consummat.).
18:. O autor do Apocalipse dá o nome da besta segundo o procedimento chamado gramatría, que consiste em substituir o nome pelo valor numérico das letras que o compõem. Há que ter em conta que; tanto em hebraico como em grego, se utilizam as letras do alfabeto com valor numérico. A cifra de 666 quadra com o nome de César-Nero em hebraico. Alguns manuscritos trazem 616, que corresponderia a César-Deus em grego. Em qualquer caso, a chave de interpretação exata desta cifra, desconhece-se na Tradição, pelo que se propuseram diferentes nomes.
O texto fala por si, para mostrar a possibilidade de interpretações mais "estreitas", e outras mais amplas, abarcando toda a história. Neste último aspecto, é também relevante que existam alegorias bem parecidas no Antigo Testamento, como a citada do livro de Daniel.
Há um aspecto prático muito importante, nessa interpretação mais ampla. Se a besta fosse identificada apenas com imperadores do início do cristianismo, como Nero, leríamos o Apocalipse com certa curiosidade histórica. Mas, se posso identificá-la com governos atuais, então o Apocalipse é algo que nos diz respeito.
E, quando lemos em Ap. 17, 14: Combaterão contra o Cordeiro, mas o Cordeiro os vencerá, porque é Senhor dos senhores e Rei dos reis. Aqueles que estão com ele são os chamados, os escolhidos, os fiéis.
Podemos nos ver aí, como participantes dessa batalha, e seguros da vitória de Cristo.