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Reencarnação na Igreja Primitiva


A Igreja Católica só condenou oficialmente as teses reencarcionistas em um concílio no século VI.

Antes disso não se pronunciava a respeito e chegou a permitir que elas fossem discutidas abertamente em alguns períodos.

Sendo assim, teria havido inclusive alguns Padres da Igreja que defenderam abertamente a reencarnação, nominadamente Clemente de Alexandria.

Orígenes nunca ensinou a Reencarnação. Ele defendia a Pré-existência das almas.

É diferente. Só para espírita maluco que quer desesperadamente arrumar embasamento para os seus delírios é que é a mesma coisa.

Orígenes não é considerado Padre da Igreja por Roma, tendo sido anatemizado em 556. Mas não se pode desprezar o peso do pensamento dele nos primeiros séculos da Igreja.

A Igreja nunca aceitou a tese da reencarnação em algum momento, nem tacitamente, mas que ela demorou alguns séculos para pronunciar-se definitivamente sobre o assunto. É uma demora relativa comparando com outras grandes heresias da época.

As teses arianas e nestorianas foram rapidamente combatidas, anatemizadas nos concílios de Nicéia e Constantinopla 200 anos antes, diferentemente das reencarcionistas. Enquanto o Roma locuta, causa finita não acontecia, alguns teólogos católicos tinham a possibilidade falar e escrever com relativa abertura sobre isso.

Recomendo uma leitura minuciosa do artigo de Dom Estêvão a este respeito: Orígenes e a pré-existência

Transcrevo a seguir, deste artigo, alguns dos trechos que achei mais interessantes:

Orígenes fazia questão de distinguir explicitamente entre proposições de fé, pertencentes ao patrimônio da Revelação cristã, e proposições hipotéticas, que ele formulava em seu nome pessoal, à guisa de sugestões; além disto, professava submissão ao magistério da Igreja caso esta rejeitasse alguma das teses de Orígenes.
(...)

Note-se bem: Orígenes propunha essas idéias como hipóteses, e hipóteses sobre as quais a Igreja não se tinha pronunciado (justamente porque pronunciamentos sobre tais assuntos ainda não haviam sido necessários). Não havia, pois, da parte de Orígenes a intenção de se afastar do ensinamento comum da Igreja a fim de constituir uma escola teológica própria ou uma heresia (“heresia” implica obstinação consciente contra o magistério da Igreja).

A desgraça de Orígenes, porém, foi ter tido muitos discípulos e admiradores... Estes atribuíram valor dogmático às proposições do mestre, mesmo depois que o magistério da Igreja as declarou contrárias aos ensinamentos da fé.

É preciso observar ainda o seguinte: Orígenes admitiu também como possível a preexistência das almas humanas. Ora esta doutrina não significa necessariamente reencarnação; (...)

Aliás, Orígenes se pronunciou diretamente contrário à doutrina da reencarnação...

(...)

Contudo, os discípulos de Orígenes professaram como verdade de fé não somente a preexistência das almas (delicadamente insinuada por Orígenes), mas também a reencarnação (que o mestre não chegou de modo algum a propor, nem como hipótese).

A "Pré-Existência" das almas de Orígenes era mais ou menos assim:

Havia outros mundos, "antes" (ou "além", não sei bem) deste mundo em que vivemos, e as pessoas que morriam lá "encarnavam" aqui. Aí elas chegavam coroadas com seus méritos, ou punidas com suas faltas.

Era uma teoria de múltiplos mundos, através dos quais as pessoas passavam. Ela tem duas particularidades que a diferenciam do reencarnacionismo kardecista:

1- Havia vários mundos e as pessoas encarnavam através desses mundos. As pessoas não encarnavam de novo neste mundo (não reencarnavam).

2- A série de sucessivas encarnações teria um fim, no Juízo Final, no qual todas as criaturas seriam salvas.

Foi uma teoria que buscou a solução do "problema do mal", que, grosso modo, é: se Deus existe, porque existe o mal? Essa pergunta não estava muito bem respondida nos primórdios do cristianismo, daí a necessidade de Orígenes ter inventado um "modelo" de vidas sucessivas para explicar a realidade observada dos fatos.

Foi preciso que Santo Agostinho "batesse o martelo" e dissesse que o mal não "existe", o mal é ausência, ausência provocada pela desordem introduzida com o Pecado Original. O mundo atual é "desordenado", mas, mesmo assim, temos a esperança de que Deus, Senhor da História, não permitiria o mal se não pudesse, dele, tirar um bem maior; e de que virá um dia em que "toda lágrima cessará", e viveremos num "novo céu e nova terra", quando Deus reestabelecerá a ordem da Criação.

Nesses moldes, não há razão-de-ser para teoria de múltiplas encarnações nenhuma.

Portanto, arriscando-me a responder à pergunta ("por que as teoria de Orígenes demoraram a ser condenadas"), creio que foi por isso: porque o problema do mal demorou a ser resolvido.

A Igreja só costuma pronunciar-se definitivamente sobre um assunto quando há necessidade. E os pontos levantados por Orígenes só vieram a marcar o pensamento teológico décadas depois de sua morte.

A questão dá pré-existência das almas pra mim só comento que talvez essa hipótese (e não tese doutrinária) e a da apocatastasis de Orígenes não fosse tão desconexa com as idéias reencarcionistas da época. Não sei como funciona no kardecismo, mas pelos artigos que li os reencarcionistas -- especialmente os origenistas, o que não significa que não tenham distorcido o pensamento de Orígenes -- utilizavam os pressupostos da pré-existência, da vida material como punição e da redenção final incondicional para defender a reencarnação. A segunda, inclusive, seria a mais convincente: se a vida material fosse usada como punição das fraquezas espirituais, nada impede que se possa passar por ela diversas vezes para "ser salvo".

Da reencarnação (metempsicose)

"Orígenes traça um quadro grandiosa desta hierarquia espiritual (...) Um terceiro grau, enfim, compreende as almas humanas. Também estas são o que mereceram ser, e retêm, dentro da hierarquia espiritual, um lugar correspondente à sua culta, isto é,m abaixo dos anjos e acima dos demônios. Nada as impede de tenderem ao alto, e as que o fizerem são chamadas filhas de Deus, a luz, da paz e da ressurreição; mas podem também tender para baixo, vindo a ser piores do que eram, Existe mesmo a possibilidade do que aquelas que por seus crimes se tornaram semelhantes aos brutos, venham a ser encarceradas em corpos de animais.

Neste contexto, Orígenes parece esposar a opinião de que as almas humanas podem também transmigrar para corpos de animais. Todavia, em face da viabilidade de uma explicação alegórica, particularmente familiar a Orígenes, é duvidoso que ele admitisse uma verdadeira metempsicose. Tal interpretação é perfeitamente consistente com a tradução de Rufino de Princ.1,8,4;105, a qual pode ser entendida até mesmo como uma rejeição da metempsicose. Também Jerônimo opina que Orígenes não se pronunciou definitivamente sobre este problema: “Haec, inquit, iuxta nostram sententiam non sint dogmnata, sed quaesita tantum atque proiecta, nbe penitus intractata direrentur”. Em vista do que ficou exposto acima, acerca de sua atitude contrária à metempsicose, talvez nos seja permitido afirmar que Orígenes rejeita esta doutrina como uma opinião desenxabida"

GILSON, Étienne; BOHENER, Philotheus: Hist. da Filosofia Cristã, Págs 69-70

Da eviração

Sua conduta irrepreensível e literalmente concorde Às exigências de Evangelho – chegou mesmo a castrar-se num imprudente acesso de zelo. – granjeou-lhe a estima de gentios e cristãos.

(...)

“Em 230 (...), passando pela Palestina, foi ordenado sacerdote pelos bispos Alexandre de Jerusralém e Teoctisto de Cesaréia, seus amigos. De volta a Alexandria, o bispo Demétrio, desaprovando o gesto dos dois bispos, suspendeu-o, alegando não se permitido a um eunuco ordenar-se sacerdote.

GILSON, Étienne; BOHENER, Philotheus: Hist. da Filosofia Cristã, Págs 48-49

 

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