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Adversus Atheos‏


“Em sua arrogância, o ímpio diz: Não há castigo, Deus não existe.” (Salmos 9,25)

Hoje, mais do que nunca, a sociedade está afastada de Deus, recusa sua Igreja e, por mais absurdo que seja, chega às raias de negar sua própria existência.

Como se não bastasse, a este problema acrescenta-se o agravante da falta de formação dos católicos contemporâneos. Instruídos no “Espírito do Concílio”, possuem uma formação sentimental, pacifista e por demais superficial, com nuances protestantes.

Não me surpreenderia se, durante algum debate, um católico de nosso tempo dissesse a um ateu que Deus “não se prova, mas se sente”. Há quem diga.

Por isto, resolvi escrever este artigo que, justamente, chama-se Adversus atheos - em latim, Contra ateus.

O conteúdo aqui apresentado divide-se nas seguintes partes:

I. Recapitulação da 1ª Via Tomista com algumas considerações.

II. Atributos divinos.

III. Ação de Deus, atemporal, no tempo.

IV. A pessoalidade de Deus.

V. A criação e o tempo.




A existência de Deus, como todos devem aprender nas catequeses, não é somente questão de Fé, mas sim de inteligência, uma vez que pode ser conhecida por meio da razão natural. Sobre isto, basta conhecer a obra de São Tomás de Aquino e outros filósofos, santos e doutos, bem como a própria doutrina da Santa Igreja de Cristo e as Sagradas Escrituras.

Assim diz-nos o Concílio Vaticano I:
1806. Cân.1 – Se alguém disser que o Deus uno e verdadeiro, Criador e Senhor nosso, não pode ser conhecido com certeza pela luz natural da razão humana, por meio das coisas criadas – seja excomungado [cf. nº 1785].

E o próprio São Paulo, na Carta aos Romanos:

Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornam visíveis à inteligência, por suas obras; de modo que não se podem escusar.” (Romanos 1,20)

Esclarecidos estes pontos, segue a prima pars do artigo:

I)

A 1ª Via Tomista, apresentada nas obras do Aquinate - como a Suma Teológica e a Suma contra os Gentios -, conhecida como Prova do Movimento, segue do seguinte modo:

● Parte-se com a observação das coisas existentes (entes reais). Podemos observar no mundo que todas as coisas são mutáveis, desde as coisas mais simples e evidentes, como o gelo que derrete, ou a madeira que queima, até as mais prováveis e complexas, como os átomos e partículas elementares, que compõe o âmago da matéria, por assim dizer. Em todas elas podemos ver que há mudanças, e estas mudanças consistem na passagem de potência para ato (movimento, na Metafísica).

A potência é a potencialidade de ser algo. É a capacidade de ser alguma coisa.

Por exemplo, a água em estado líquido possui potência em evaporar.

A madeira possui potência em virar carvão, ou mesmo um belo móvel.

Já o ato, é o que faz a coisa, até então em potencial, tornar-se aquilo que lhe é possível. O ato atualiza a potência. Faz a água evaporar, a barra de ferro virar ferradura, o tronco virar mesa, etc.

Assim, todas as coisas mutáveis participam desta grande cadeia de causas e consequências, onde uma move a outra, atualizando sua potência por meio da transmissão de ato.

● Agora, vemo-nos em uma bifurcação. Duas hipóteses são propostas para explicar a origem desta grande cadeia de causas e consequência que é o universo:

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Primeiramente, poderíamos supor que há uma série infinita de coisas comunicando o ato uma à outra. Em contrário, podemos supor um primeiro motor, que move sem ser movido por nenhum anterior.

● Contudo, é impossível uma sequência de causas e consequências sem um princípio, mas provindo de modo infinito.

Imagina-se um homem em um supermercado que deseja chegar até o caixa para comprar uma barra de chocolate. Quando este homem aproxima-se do caixa, percebe uma placa, onde está escrito: “Para ser atendido, tire uma ficha na máquina”. Então, quando este homem vai retirar a ficha, percebe que na máquina está escrito: “Para retirar uma ficha aqui, retire primeiro na máquina anterior”. E então, lá vai o homem para a máquina anterior, até que percebe que isto é uma sequência infinita de máquinas de ficha. Eis então a pergunta: Quando este homem será atendido? Nunca!

Porém, ao sair caminhando pelo supermercado, ele cruza por outro cidadão que está com uma barra de chocolate. Logo, ele conclui que há um princípio naquela cadeia de máquinas.

Deste modo, podemos concluir que esta hipótese da série infinita de coisas movendo uma a outra é impossível, sendo necessário um primeiro motor. Porém, este primeiro motor não pode ter sido movido por algo anterior, senão voltaríamos no mesmo problema.

Este primeiro motor, não sendo movido por outro anterior, não recebeu ato de ninguém, mas, em contrário, deve possuir naturalmente o ato, inerente a si. Deste modo, o ato faz parte de sua essência (essência é a definição daquilo que a coisa é).

Logo, ele é o próprio Ato, é o Ato puro. Este ser nós chamamos de Deus.



II)

Sabe-se, pois, que Deus é Ato puro e, portanto, não possui potência alguma.

Ora, o finito têm potência em aumentar, logo Deus é infinito (qualitativamente).

Ele não possui potência em aprender, portanto é omnisciente. Não possui potência em se mover localmente, logo é omnipresente. Não possui potência em aumentar seu poder, logo é omnipotente.

Quanto à questão temporal, diz-se do seguinte modo: O tempo consiste na duração das mudanças. Logo, Deus não sendo mutável, não está sujeito ao tempo.


III)

Agora, provada a existência de Deus, é preciso que esclareçamos uma questão acerca de uma dúvida possível:

Como pode Deus, sendo eterno, atemporal, agir no tempo sem implicar mudança para Ele? Sem, assim, passar o tempo para Ele?

Pois bem, esta questão responde-se do seguinte modo:

Deus, sendo Ato puro, como comprovado, não possui potência alguma. Assim, em todas as suas ações, apenas atualiza as potências dos entes, mas nunca recebe ato algum, nunca é atualizado em nada. Suas ações apenas implicam em mudança e, conseqüentemente, decorrência de tempo, nos seus objetos.

Nós, humanos, conhecemos o agir segundo nossas experiências.

Quando agimos, somos modificados por nossas ações, pois passamos a conhecê-las e somos modificados fisicamente por elas.

Por isto surgir, em alguns, tal dúvida.

Em suma, o Ato Puro atualiza as potências dos entes e não possui potência alguma para ser atualizada.




IV)

Até aqui, ficou provada a existência de Deus e que Ele age nos seres temporais sem estar no tempo. Agora trataremos do tema de sua pessoalidade, uma vez que esta não é explicitamente provada pelas explanações precedentes.

Esta pessoalidade consiste no fato de Deus possuir intelecto e vontade.
Segue-se, então, como podemos conhecer a pessoalidade de Deus pela razão natural:

Ora, sendo Deus Ato puro, sem potência alguma, Ele é pleno em si mesmo. Assim, não necessita de nada.

Logo, a criação não foi feita por necessidade. Deste modo, se Deus fosse impessoal, em sua plenitude não criaria nada, pois nEle não há mudanças, mutações e nenhum tipo de movimento, e portanto continuaria na eternidade em sua plenitude sem dar ato de existência a nada, sem comunicar o ser.

Porém, como as coisas existem, Deus criou-as.

Logo, fê-las por pleno exercício da vontade, o que é impossível para algo impessoal.

V)

E, sobre a criação, ainda há quem maquine seus pensamentos em torno de uma seguinte dúvida: Se Deus criou tudo, porque Ele criou no momento em que criou, e não antes?

À esta questão responde-se do seguinte modo:

Ora, Deus não está no tempo, mas na eternidade. Logo, Deus não vive no “agora em movimento” que é o tempo, não tendo antes, nem agora e nem depois. Assim, é inútil tal pergunta, visto que o tempo surgiu com a criação, ou seja, com os seres contingentes, mutáveis – O tempo é marcado pelas mudanças.

E para ilustrar, podemos utilizar a seguinte analogia: O tempo está na eternidade (‘não-tempo’), assim como um átomo solitário no vácuo.

Acaso, há como localizar o átomo solitário no vácuo? Podemos perguntar-nos porque ele não está mais para este, ou aquele, lado?

Devemos levar em conta que a localização espacial é relativa (tem necessidade de ser baseada em alguma coisa, um ponto de referência), assim, até podemos utilizar um átomo solitário como ponto de referência para ele mesmo. Contudo, não há como utilizá-lo como referência dele mesmo para cria-lo neste ou naquele lugar, uma vez que não se pode utilizar como ponto de referência o que não existe.

Logo, só se pode objetar sobre a localização do átomo, utilizando ele como seu próprio ponto de referência, quando este já existe, não sendo possível escolher onde criá-lo.

Obs.: É preciso lavar em conta nossa experiência pessoal como entes locais, ao contrário de Deus que é onipresente. Para nós, há o ‘aqui’ e o ‘lá’, mas para Deus onipresente não há isso, do mesmo modo que sendo eterno não possui ‘agora’, nem antes e nem depois. Digo isto, pois, facilmente, podemos acabar baseando-nos na nossa própria localização ao imaginarmos o exemplo supracitado.

Agora, transferimos este exemplo para a localização do tempo na eternidade. Assim como no vácuo não há tantos metros para este ou aquele lado, mas somente o vácuo infinito, assim também na eternidade não há antes, nem agora, nem depois, mas somente a plenitude temporal.

E, portanto, só se pode objetar sobre a localização temporal do tempo quando este já existe, não sendo possível escolher quando criá-lo.

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Por fim, a temática deste artigo, apesar de não ser das mais fáceis, creio ter sido explicada de modo a ficar clara e de fácil compreensão para todos. Espero, ou melhor, anseio, que todos aproveitem bem as verdades aqui expostas para valerem-se delas nas horas de necessidade.

Para finalizar, gostaria de exortar todos os católicos a empenharem-se na apologética, que pode dividir-se em três partes:

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Oração
Formação
Combate

Oremos para que Deus nos conceda as graças necessárias para aprender e combater, tanto os inimigos como as tentações, com a mesma bravura dos cruzados da Idade

Média e fortaleza dos mártires dos primeiros séculos, que não renunciaram à Fé frente aos seus algozes.

Estudemos para nos instruirmos e, assim, fazermos de nossas almas verdadeiras espadas.

Combatamos tendo em mente que não pertencemos ao mundo, e que procuramos agradar a Deus, e não aos homens. Levando a verdade como um estandarte, sem receios ou respeito humano.

Hoje, a perseguição aos católicos é diferente, não é mais predominantemente física, embora ainda ocorra, mas intelectual e psicológica. Ela ocorre nos meios de comunicação, nas empresas, escolas, universidades e, até mesmo, dentro dos lares.

Por isto, rezar, estudar e combater é indispensável para o verdadeiro cristão!

Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.


(São Mateus 10,34)

Sanctæ Mariæ de Carmelo ora pro nobis!

Abraço fraterno.

In Corde Iesu,

Dominus Nostrum,

Marcelo Maciel Peixe.

Bibliografia:

TOMÁS DE AQUINO. Suma Contra os Gentios. Trad. D. Odilão Moura e Ludgero Jaspers.

Rev. Luis A. De Boni. Porto Alegre: EDPUCRS, 1996. 1 v.

Suma Teológica. Trad. Aimom- Marie Roguet et al. São Paulo: Loyola, 2001. v. I, II, III.

GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. Dios. La Existencia De Dios. Buenos Aires: Emecé, 1950.
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Sis, Iesu, nostrum gaudium et salutare tuum da nobis!
In Corde Iesu,
Marcelo Maciel Peixe.
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PARA CITAR ESTE ARTIGO:


Adversus Atheos‏

Marcelo Maciel Peixe 02/2013 Tradição em Foco com Roma.



CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS: 

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