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E quando a lei civil afronta a doutrina católica?


Mediante o lamentável episódio ocorrido no STF, com a aprovação da lei que permite o aborto de crianças anecéfalas, fica o questionamento: até que ponto, nós católicos, devemos seguir as leis?
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UP DATE 25/05/14 devido a aprovação da lei do aborto pela presidente Dilma Rousseff
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A lei é, segundo Santo Tomás, uma ordenação da razão, promulgada para o bem comum por aquele que dirige a comunidade. Não é arbitrária, é dirigida ao Bem comum (sempre e necessariamente o próprio Deus), deve ser promulgada, ou seja, estar ao alcance da inteligência e é sustentada por quem dirige a comunidade (Deus, no caso da lei natural, e aqueles que exercem a autoridade em seu nome, no caso da lei positiva).
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Existem três espécies de leis: a lei eterna, a lei natural e a lei positiva.

A lei natural é a que o homem conhece pela razão, é uma participação da lei Eterna (que ordena todo o universo), é uma impressão que Deus põe em cada pessoa, pela qual se pode discernir entre o bem e o mal. Já a lei positiva deve explicar e determinar as aplicações desta lei natural, e é fruto da cabeça do legislador.

Como vimos, portanto, a lei positiva tem seus limites, ou seja, para ser legitima ela deve:

1- ser conforme a lei natural e não violá-la em hipótese alguma;

2- ser ordenada para o bem comum (que não é a vontade de um indivíduo, de um grupo ou de uma maioria de vontades);

3- não ordenar o que é impossível de ser feito (parece incrível mas tem aplicador do direito que esquece essa regra).

Leis que cumpram esses requisitos devem, em regra, ser obedecidas.


Já leis que não são
fruto direto da lei natural, mas que não a violem (uma lei que organize os lugares para estacionamento, ou limite de velocidade, ou algumas burocracias, ...) devem ser obedecidas como se obedece a ordem de um pai, por conta da autoridade que a promulgou.

Porém, essas leis não tem valor próprio, não são moralmente boas ou más e é isso o jeitinho brasileiro compreende direitinho (com o perdão do trocadilho).


Uma consideração do prezado Rafael Vitola Brodback:


O brasileiro, com muita facilidade, compreende que a letra desse tipo de lei não é absoluta, não obriga como a lei natural e que, na maioria dos casos, serve apenas para organizar duas ou mais condutas. Ora, se o semáforo serve para organizar quem pode ou não passar (o meu carro, o outro carro ou o pedestre). Quando, as 3:45 da manhã, só eu estiver na rua, não existe o que organizar e eu posso passar com o meu carro sem parar no sinal vermelho e não estarei cometendo nenhum pecado.
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Já o pessoal do juspositivismo não vai compreender isso e, provavelmente, vai dizer que o sujeito tem sim que parar no sinal as 3:45 da manhã. Eu conheço um italiano que espera os sinais para pedestres abrirem para atravessar ( e na faixa ), mesmo que não tenha carro nenhum vindo em nenhuma direção.

As leis permissivas não são o problema. Se elas permitem algo moralmente errado, é só não o fazermos. O problema seria se existisse alguma lei que nos obrigue a fazer o que é moralmente errado, como por exemplo, matar o próprio filho se este nascer mulher. Aí temos que colocar a Lei de Deus acima da lei dos homens.

As leis que obrigam impostos injustos e para fins duvidosos devem sim ser combatidas, mas uma coisa é se combater a lei para que seja revogada; outra é deliberadamente desobedecê-la. O problema em se desobedecer uma lei injusta é que, de certo modo, caímos na anarquia; defendemos a ordem com o caos, o respeito com o desrespeito.

É claro que, quando as leis injustas nos obrigam diretamente a FAZER algo que atenta contra a moral, aí sim temos que desobedecê-la. Mas pagar um imposto injusto, como ato isolado, não atenta diretamente contra a moral (pode atentar indiretamente); por outro lado, matar o filho porque este teve o infortúnio de ser do sexo feminino é um ato que atenta diretamente contra a vida, e, pois, contra a moral; e deve assim ser desobedecido, mesmo se a lei o obrigue.

Muito provavelmente o imposto a César na época de Jesus também era abusivo.

Bom, primeiro é importantíssimo ter em mente que não estou pregando nenhuma anarquia, aliás, a regra é sempre a obediência, como o é aquela a nossos pais. Estamos falando, portanto, em tese.

Ora, uma vez que a propriedade privada é um direito natural, qualquer lei que atente contra ela é ilegitima. A questão é saber o que é, de fato, abusivo. A rigor, a própria constituição proíbe que o imposto tome efeito de confisco, ou seja, dilapide a propriedade privada.

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Entretanto, o juspositivismo, ao absolutizar a letra, fundamentando a norma no que está escrito e não na lei natural, acaba na verdade relativizando a norma, deixando-a sujeita a análises sintáticas e semânticas. Assim, se a lei diz que o imposto incide sobre a renda, vem o governo e redefine o que seja renda, que passa a não ser mais o que sobra da conta receita - despesas, mas tudo aquilo que entra no patrimônio, burlando, ou melhor, desviando-se do princípio do não-confisco (que também passa a ser relativizado se se redefine o que significa o vocábulo confisco).

Outro exemplo é o IPTU, que hoje pode sobretaxar os imóveis desocupados e aumentá-lo ano após ano, em nome de uma
função social
da propriedade (que está bem longe de uma verdadeira função social)... e por ai vamos...

Então, temos sim a possibilidade de criação de um imposto (ou, de maneira mais genérica, um tributo), ou o aumento da base de incidência de um que já exista, que viole a propriedade privada. Esse, creio, é o primeiro ponto.

O segundo ponto está na forma de combate à essa lei ilegítima. Essa afronta à lei deve ser feita, ordinariamente, através do judiciário, que deve (ou deveria) fazer justiça. No caso de o poder judiciário manter a aplicação da lei ilegítima ela pode ser desobedecida ou aceita como sacrifício (desde que com isto não cometa um pecado), conforme desejar a pessoa.

Na prática isso acaba ocorrendo naturalmente, sem nem sequer ser racionalizada como estamos fazendo (temos ai o comércio informal, por exemplo, que é uma desobediência à lei que criou o ICMS e o IR, à obrigação de inscrição fiscal, emissão de notas, e mais uma pá de leis acessórias). Se o abuso for muito grande, uma hora ou outra há uma reação (violenta ou não), também de forma natural, para que as coisas entrem nos eixos (temos ai o testemunho dos países comunistas).

Não se trata de atacar a ordem com o caos, trata-se de atacar a ordem com a Ordem, não se está simples e deliberadamente desobedecendo a autoridade, mas recusando eficácia à uma lei positiva ilegitima.


Em todo caso, a desobediência à este tipo de lei não é um dever (não se comete um pecado se a pessoa opta por obedecê-la à risca, se sacrificando, a não ser se faz isso em detrimento do seu papel de pai ou esposo, deixando os filhos morrerem de fome, por exemplo), ao contrário de uma lei como a do aborto, cuja obediência leva invariavelmente à um pecado gravíssimo.

De fato, eu também sou da opinião de que devemos primeiramente combater os abusos da lei dentro da lei (afinal, a lei está aí para nós, e não nós para a lei, como eu disse anteriormente).

Infelizmente na prática isso nunca parece dar resultados, então a nossa forma de protesto talvez seja, de fato, desobedecê-la. Mas acredito que a única forma de fazer isso sem cair no
caos ou na anarquia (conceitos utilizados mais por força de expressão do que por suas denotações literais) seja com um exímio conhecimento de caso e buscando a conscientização coletiva. De nada adianta desobedecer uma lei apenas por não se concordar com ela; isso me parece muito cômodo. É claro que, pela lei ser injusta, podemos nos dar ao luxo de burlá-la, mas uma vez que temos consciência disso, então passa a ser um problema social; logo me parece mesquinho usar o pretexto de que a lei é injusta somente para não cumpri-la (poupando apenas o próprio bolso sem peso na consciência) mas deixando tudo como está, sem protesto, sem nada.

Quando não temos conhecimentos sobre como determinada lei funciona, por precaução, a cumprimos. À medida, porém, que passo a ter conhecimento das nuances abusivas implícitas nessas leis, minha atitude é, antes de burlá-la, conscientizar outras pessoas que possam ter mais influência para a sua abolição ou reformulação.

Tomando outro exemplo, apenas para não ficar somente nas leis fiscais e tributárias, vejo com muito bons olhos a crítica de Olavo de Carvalho acerca da lei anti-homofóbica. Olavo diz, de forma militante, que se tal lei entrar em vigor, ele será o primeiro a desobedecê-la, uma vez que não se pode censurar o direito à crítica, seja em qual contexto for. A defesa contra o desrespeito, a zombaria, a chacota, a calúnia e a difamação já é resguardada a todo cidadão, independente se esta vir acompanhada de expressões que façam alusão à opção sexual de cada um.

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E isto deveria bastar. Qualquer lei que vise calar o direito à expressão não tem bases sólidas para se dizer anti-difamatória, e portanto, consiste em um protecionismo elitista pró-gays. Já que é assim, já que é um absurdo se submeter a tais leis, não sejamos passivos a ela: protestemos, demos nosso testemunho como cristãos e como cidadãos de direito! Olavo de Carvalho está certíssimo em formar uma consciência moral acerca do tema. O que não me agrada é o descumprimento de uma lei somente por ela não lhe ser pessoalmente simpática ou agradável; cai-se no perigo de fazer um juízo particular das leis com base apenas no achismo, ou na pseudo-retórica do todo mundo faz, então não tem problema. Isso é o que eu chamo, sutilmente, de anarquia.

É bom esclarecer que a desobediência nestes casos não é uma simples forma de protesto, é muito mais o reflexo da lei natural e é pessoal. Já uma coisa diferente é a concientização coletiva, que é muito salutar mas pode nem surtir efeito.

O ideal é, realmente, que a tal lei seja retirada do ordenamento jurídico, pois o direito deve servir para o progresso da sociedade e não para a sua corrupção, entretanto estamos falando de uma lei que ainda estivesse vigente e que pela regra do direito positivo deveria ser cumprida. Há casos em que não dá para esperar que a concientização faça efeito e que a pressão leve o legislador a retirá-la, e nem isso é necessário.

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Há risco de que o descumprimento de leis leve à uma anarquia? Sim, mas não no caso em que estamos falando e nunca por culpa da lei natural. No caso em que estamos tratando, a pessoal descumpre justamente por conhecer ou “sentir” a verdadeira Ordem das coisas, a sua verdadeira hierarquia, e daí pode nascer um certo desgosto à pessoa que promulgou a lei, mas não contra a autoridade em geral.

No caso de um ordenamento, como o brasileiro por exemplo, o número absurdo de leis acaba descolando um pouco a legislação positiva da lei natural, isto porque é comum que haja o descumprimento de algumas leis (estou usando a palavra lei de forma genérica, significando qualquer ato normativo) não necessariamente ilegitimas simplesmente por ser impossível cumprir todas, com isto as pessoas acabam perdendo, ou tendo embaçada, a noção de que a fundamentação de certas leis está não no papel, no governo ou no povo, mas em algo maior e Absoluto, ou seja, acaba havendo uma relativização da lei e, por fim, o descumprimento de leis naturais. Ai sim temos um grande risco de anarquia, porém isso não é culpa da lei natural mas do ordenamento (não só, é verdade).

Segundo Olavo de Carvalho inclusive, existe toda uma estratégia de governo de promulgar leis e mais leis de forma a não ser possível ao cidadão
dar conta de todas elas, e assim gerar uma espécie de ditadura democrática, onde sempre se pode achar uma brecha no descumprimento da lei para criminalizar o sujeito que se queira.

Se a pessoa não cumpre a lei injusta mas transmite esse valor à sua família, pode estar contribuindo muito mais do que quem organiza uma passeata em frente à prefeitura, já que nada garante que a segunda esteja fazendo todo esse
auê somente para externalização de seu próprio ego (fenômeno que vemos muito comumente entre alguns adeptos da TL).

O ideal é, realmente, que a tal lei seja retirada do ordenamento jurídico, pois o direito deve servir para o progresso da sociedade e não para a sua corrupção, entretanto estamos falando de uma lei que ainda estivesse vigente e que pela regra do direito positivo deveria ser cumprida. Há casos em que não dá para esperar que a concientização faça efeito e que a pressão leve o legislador a retirá-la, e nem isso é necessário.

Se alguém deixa de cumprir a lei positiva porque ela é conflita com a lei natural, a consciência moral dessa pessoa se refina, e não deturpa, afinal ela fez o que a moral lhe ensinou. Isso é diferente, realmente, de apenas cumprir o que lhe convém, ai sim temos uma degradação moral (e no final das contas esse sujeito acabará descumprindo também a lei natural). Se alguém não cumpre uma lei simplesmente porque ela não lhe é agradável, esta pessoa está errada.

E isso não é necessário. O que é imprescindível é um forte sentimento da lei natural. Uma pessoa com pouco conhecimento geral e pouco afeito à racionalizações mas com uma profunda base moral terá, as vezes, muito mais facilidade de agir corretamente do que alguém com pós-doutorado que tenha sido criado em uma família modernosa.

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.PARA CITAR ESTE ARTIGO:

E quando a lei civil afronta a doutrina católica?

David A Conceição, 04/2012 Tradição em Foco com Roma.



CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS: 

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