“O Direito de Intervenção”
Francisco Suárez (1548 – 1617)
1. Abordagem do problema.
2. A primeira teoria afirma a tese ainda
dos infiéis que não são súditos.
3. Não podem ser obrigados os infiéis
não súditos a abandonar seus erros ou mudar seus ritos.
4. Em defesa
dos inocentes é lícito atacar aos infiéis.
5. Para defesa da
humanidade podem ser obrigados a viver politicamente.
6. O soberano
pode obrigar os infiéis que são súditos seus a dar culto ao verdadeiro
Deus.
7. O Estado naturalmente tem direito de obrigar que todos os
súditos adorem a um só Deus.
8. Todo rei, gentio ou cristão, pode
obrigar aos súditos a cumprir a religião natural e abandonar a
idolatria.
9. Deve tolerar-se os ritos dos infiéis nos reinos
cristãos?
10. Não deve obrigar aos infiéis que são súditos que
abandonem os ritos que somente se opõem à religião cristã.
1. Nos capítulos anteriores temos distinguido duas partes quando se
trata da fé. A primeira se refere aos mistérios completamente
sobrenaturais; a segunda, as coisas divinas e morais que podem também se
conhecer naturalmente. Se pode, pois, distinguir duas formas de
infidelidade: uma se opõe unicamente às verdades sobrenaturais; esta se
refere principalmente o que foi dito até agora. A outra vai contra a
razão natural. Desta está algo por dizer.
Também sobre esta
forma de infidelidade que assumimos, de modo que os infiéis não podem
ser obrigados a receber a Religião Católica enquanto foi revelada e deve
ser crida pela fé. Mas perguntamos: Podem, ao menos, ser obrigados a
sentir retamente nesta matéria segundo a razão natural e segundo uma
espécie de fé humana? E, consequentemente, podem ser obrigados a
abandonar as manifestações religiosas contrárias à razão, como são a
idolatria e outros cultos parecidos?
2. Ao tratar deste problema voltemos a atualizar a distinção
entre infiéis súditos ou não súditos da Igreja na ordem temporal ou dos
príncipes cristãos.
Juan Mayr e Ginés de Sepúlveda, de
acordo com sua teoria, disseram que os gentios idólatras não súditos
podiam ser obrigados pela Igreja a dar culto ao único Deus e a
abandonarem os ritos da idolatria. Se não quiserem fazer, poderiam ser
castigados e privados de suas liberdades e de seus reinos. Fundamento de
sua teoria?
A República Cristã pode defender a honra divina
e proibir e castigar as blasfêmias contra Deus e as contém blasfêmia
contra Ele, como disse Santo Tomás (Secunda Secundae, quaest. 94, art.
3, ad 1.). Prova-se a primeira premissa com o texto do Aquinate
(Secunda Secundae, quaest. 10, art. 8 e 11), que especialmente assegura
que os infiéis podem ser obrigados a que não blasfemem o nome de Deus.
Prova-o a própria razão. Um homem pode licitamente defender a honra
e a vida de outro homem. Muito mais poderia fazê-lo com Deus.
Confirma-se o argumento.
Primeiro. Se os gentios sacrificaram a seus deuses homens ou crianças
poderiam ser obrigados a que não voltem a fazê-lo, ao menos em defesa
dos inocentes. O mesmo poderão fazer os príncipes cristãos com qualquer
classe de gentios para defender a honra de Deus.
Segundo. É
louvado o povo romano porque sujeitou as nações bárbaras com o fim de
dirigi-las a melhores costumes. É opinião de Santo Agostinho (De
Civitate Dei, lib. 5, cap. 12 e 17.) e Santo Tomás (De Regimine
Principum, lib. 3, cap. 4, 33).
Terceiro. Há povos tão bárbaros e tão
incapazes de conhecer por si mesmos a Deus, que parecem como nascidos
por natureza para ser escravos. É a teoria de Arístoteles (Politica,
lib. 1, cap. 1, n. 4-6; lib. I, cap. 2, n. 15.). Por este título podem
ser obrigados ao verdadeiro conhecimento e aos costumes honestos.
3. Exponhamos a tese verdadeira e certa. Propriamente falando, não
podem ser obrigados os infiéis não súditos a deixar seus erros e seus
ritos. É doutrina comum dos comentaristas de Santo Tomás, o Cardeal
Cayetano (Secunda Secundae, quaest. 66, art 8.), Francisco de Vitória
(De Indis, par. II, n. 16.), Domingo de Soto (In quartum librum
Sententiarum, dist. 5, quaest. Única, art. 10), Diego de Covarrubias
(Regulae Peccatum, parte 2, sec. 10, n. 3), Gregorio de Valencia
(Commentariorum, t. III, disp. 1, quaest. 10, punct. 7) e Pedro de
Aragão (De Fide, Spe et Charitate (Salmanticae, 1581), quaest. 10, art.
8.).
Pode provar-se primeiro com o exemplo divino. Como quisera Deus
castigar aos gentios que habitavam na terra prometida, não quis que os
israelitas lhes fizessem guerra ao proibir aos filhos de Israel o passo
pacífico por seu território e outras terras. Deduz-se do livro dos
Números (Num. 20, 1-30), como adverte Santo Agostinho (Quaestionum in
Pentateucum, lib. IV, quaest. 21; lib. VI, quaest. 10 (PL. 34, 786).
Graciano (Decretum, II, 23, 2, 3.) formula a regra geral: “Não é
lícito o soberano fazer guerra a estas nações, se não é para defender-se
ou vingar-se das injúrias que fizeram a si ou aos seus. A somente razão
de arrasar a idolatria não é causa suficiente para uma coação justa”
Assim respondeu o Papa Nicolau (Decretum, II, 23, 2, 6.) aos
búlgaros: “Sobre os infiéis que fazem sacrifícios aos ídolos, diremos
que devem ser convencido mais com argumento do que pela violência”. O
argumento é o mesmo que o citado nos capítulos anteriores. A Igreja não
tem jurisdição sobre estes infiéis e o castigo ou coação não é justo sem
jurisdição. Já temos provado estes princípios.
Em
conclusão: como um homem privado não pode obrigar ou castigar a outro
também privado, nem um rei cristão a outro rei cristão, nem um rei
infiel a outro pagão, tampouco a república dos infiéis, que é soberana
em sua ordem, poderá ser castigada pela Igreja por causa de seus crimes,
enquanto vá contra a razão natural. Tampouco poderão, pois, ser
obrigados a abandonar a idolatria e outros ritos semelhantes.
4. E não importa – como se objeta no primeiro argumento – que estes
pecados vão contra Deus. Como antes disse, Deus não deu juízos aos
homens para que vingassem as injúrias que Lhe fizeram em todos os
aspectos com relação a todos os homens. Quis nisto conservar a ordem
natural de que os súditos obedeçam aos príncipes. Reservou-se para si o
julgamento aos soberanos em matérias que pertencem a ordem natural.
Maiores males ainda se seguiriam de permitir o contrário.
Respondemos o argumento que tratava das blasfêmias. A idolatria não é
propriamente blasfêmias, mas unicamente de um modo virtual e iminente.
Ademais, se disse que pode o príncipe cristão obrigar aos infiéis que
não blasfemem, quanto o fazem em desprezo da Igreja e para injúria da
religião cristã. Então surge um verdadeiro título de guerra. Como também
podem ser coacionados, para que não seja um perigo para os cristãos, os
induzam ao erro ou os obriguem a desertar da fé. Não sucede assim
quando seus pecados, mesmo contra a religião, somente vão contra Deus.
É clara assim a resposta à primeira confirmação com aquelas palavra
que acrescentei: “propriamente falando”. Em defesa dos inocentes é
lícito atacar a estes infiéis para que não sacrifiquem crianças a seus
deuses. Isto é lícito segundo a lei da caridade; mais ainda, as vezes há
obrigação de fazê-lo, quando facilmente se pode fazer.
Concedo ainda mais. Pode-se atacar não somente para salvar as crianças ,
mas também aos adultos, enquanto eles mesmos deem seu consentimento e
queiram ser sacrificados aos ídolos. Ao agir desta maneira são piores
que os loucos. E porque não são donos de sua própria vida, qualquer
poderá obrigá-los a que não se suicidem. Há de ser por uma condição:
sempre que esta forma de assassinato seja injusta.
Porque se
os infiéis tem costumes de sacrificar aos ídolos somente aos
malfeitores justamente condenados a morte, não poderiam já então ser
atacados por este único motivo. Pecariam neste caso não já contra a
justiça, mas unicamente contra a religião. Cessa assim a defesa dos
inocentes;
5. Respondemos a segunda confirmação. Não se louvava o feito dos
romanos como simplesmente bom, mas como menos mal. Tinha uma espécie de
bondade em virtude do objeto que se intencionava. Teriam lugar as
palavras de Aristóteles, aduzidas na última confirmação, se alguns
homens foram tão rudes que nem sequer viveram em uma sociedade política,
não poderiam ser governados.
Nestas condições, poderiam ser
obrigados a viver politicamente, não a título de religião, mas, eu
diria, a título de defesa da natureza humana. Porém eu creio que nunca
até agora foram encontrados povos tão selvagens.
6. Tratarei agora desta classe de infiéis que são súditos dos
príncipes cristãos. Podem ser obrigados pelos príncipes cristão a dar
culto ao único Deus verdadeiro; consequentemente, podem também ser
obrigados a abandonar os erros que vão contra a razão natural e são
contrários à fé. É doutrina de Santo Tomás e outros teólogos citados.
Pode-se provar primeiro com as palavras do Deuteronômio (Deut., 13,
12-18). Deus mandou matar esta classe de infiéis por estes pecados;
isto só quando de alguma maneira eram súditos. Pode se ver a
interpretação destes textos de São Cipriano (Exhortatio ad Martyrium,
cap. 5 (PL. 4, 710).) e outros que cita Jacobo de Soigny de Pamele
(Opera Sancti Cypriani (Autuerpiae, 1568), cap. 5.)
Segundo,
pode provar-se pelo uso da Igreja. O puseram em prática os imperadores
cristãos desde o princíprio da Igreja segundo a oportunidade dos tempos.
Constantino mandou imediatamente que fossem fechados os templos dos
ídolos e cessasse o culto idolátrico, como se pode ver em São Eusébio
(De Vita Constantini, lib. II, cap. 43 e 44; lib. IV, cap. 23) e Rufino
(Historia eclesiástica, lib. II, cap. 19). O mesmo se refere Nicéforo de
Joviano (Ecclesiasticae Historiae, libri XVIII, lib. VIII, cap. 33;
lib. 10, cap. 19 (PG 145-147).) Depois Teodósio arrasou todos os
templos, segundo Rufino (Historia eclesiástica, lib. II, cap. 22 e 23.) e
Nicéforo (Ecclesiasticae Historiae, lib. XII, cap. 25.)
Ademais, o imperador Teodósio deu várias leis, castigando aos que davam
culto aos ídolos. O Código teodosiano reconheceu estas leis no título
sobre os pagãos (XVI, 10.). Imitou-lhe o imperador Justiniano em seu
Código e no mesmo título (I, 11.). Santo Agostinho (Epistolae, 93, 185,
201 (PL 33, 321, 792, 926)) e Santo Ambrósio (Epistole, 40 (PL. 16,
1148).) aprovam estas leis. Muitos concílios também aprovaram na
prática.
O Concílio de Cartago V (cap. 16.) disse que se
devia pedir ao imperador que fossem destruídos os restos da idolatria. O
mesmo se encontra no Concílico Africano (cap. 25.), sob o pontificado
de Bonifácio VIII. O Concílio de Toledo III (cap. 16) manda arrancar a
idolatria das províncias dos cristãos. É ordem também do XII Concílio de
Toledo (cap. 11.) e do Concílio XVI (cap. 2.). Enfim, o Concílio de
Elvira (cap. 41.) manda que os cristãos que têm servos pagãos não lhes
permita ter ídolos em suas casas.
7. Há outros argumentos
puramente teóricos. Em virtude da razão e a lei natural, pertencem à
república dos homens obrigar que se observe nela o culto ao verdadeiro
Deus. Tem, pois, potestade diretiva para governar aos homens em ordem a
este culto. Teria, portanto, também potestade coercitiva para castigar
os delitos opostos e para obrigar a estes homens que não se abismem
nesta classe de erros. Pois a potestade diretiva sem a coercitiva é
ineficaz e pouco útil para a República.
Pois bem; esta
potestade, enquanto que é natural, reside nos príncipes cristãos. Por
meio dela poderão coagir na forma dita aos súditos, enquanto são
infiéis.
É claro todo o raciocínio. O fundamento da tese é
evidente em si mesmo, como aparece no antecedente da primeira
proposição. Está também em Santo Tomás (De Regimine Principum, lib. I,
cap. 14; lib. II, capítulo último). Porque segundo São Paulo (Rom. 13,
1), aquela potestade provém de Deus, e ainda: “as potestades que há
foram ordenadas por Deus”; logo sobre todos tem sido dada esta potestade
de ordem a honra e ao culto de um só Deus, cujos ministros são os
príncipes humanos, como disse o Apóstolo na mesma passagem.
Confirma-se com outro argumento novo. O fim desta potestade é manter o
Estado em paz e justiça. Isto não pode ser feito se não se obriga também
que vivam virtuosamente, e não podem os homens viver segundo a virtude
moral e natural sem a religião verdadeira e o culto de um só Deus. Em
conclusão: a potestade natural e a jurisdição da república humana se
estende também a este fim.
8. Desta tese se infere um
corolário. Também o rei gentil, isto é, não cristão, que tem
conhecimento do Deus único, pode obrigar aos súditos a esta crença por
meio do raciocínio, se estão instruídos, ou aplicando a fé humana nos
mais sábios, quando são ignorantes, e, em consequência, poderão
obrigá-los a abandonar seus ídolos e outras superstições contrárias a
razão natural. Uma prova: nestes reis existe todo poder que segundo o
direito natural convém a todo Estado.
Segundo corolário.
Estes príncipes não só tem direito, mas também estão obrigados a usar
deste poder. Porque por razão de seu cargo tem obrigação, e o bom
governo exige esta política, como está provado.
Por onde se
conclui que esta obrigação é maior nos príncipes cristãos, porque tem
maior conhecimento da verdade e nos reinos cristãos é mais necessária
esta coação ainda pelo bem dos mesmos fiéis. Daqui se deduz que estão
obrigados estes príncipes a dar leis proibindo esta classe de delitos,
porque não poderiam justa e ordenadamente castigá-los sem antes havê-los
proibido com suas leis.
Terceiro corolário. Esta potestade é
pública e não privada; e, portanto, não é lícito a um simples cristão
obrigar a outro cidadão infiel que abandone os ídolos, nem pode por sua
autoridade destruí-los. É lei de Justiniano (I, 11, 3.). Assim deve
entender-se o cânon 60 o Concílio de Elvira: Não é contato entre os
mártires o cristão que por romper os ídolos por si mesmo e ante a isso é
morto, porque se lançou imprudentemente e por autoridade própria.
Fernando de Mencoza ( Vetustissimum et Nobillissimum Concilium
Illiberitanum (Lugduni, 1655), lib. III, cap. 45.) comenta amplamente
este cânon.
9. Por último, é fácil pelo que o que assim é
dito, o problema que examina Santo Tomás (Secunda Secundae, quaest. 10,
art 11): “Deve-se tolerar os ritos dos infiéis nos reinos
cristãos?; pois pelos princípios expostos parece que não devem ser
tolerados, já que são supersticiosos e ofensivos a Deus, cujo culto
verdadeiro estão obrigados a procurar estes príncipes.
Retamente distingue Santo Tomás duas classes de ritos. Uns vão
contra a razão natural e contra Deus, e são conhecidos pela luz natural
como a idolatria. Outros são certamente supersticiosos comparando-os com
a religião cristã e seus preceitos, porém não são por si mesmos
intrinsecamente maus ou contrários à razão natural. Desta maneira é a
religião judaica e talvez muitas manifestações religiosas dos maometanos
e de outros infiéis parecidos, que adoram ao único Deus verdadeiro.
A conclusão é boa pelo que se refere à primeira classe de ritos.
A Igreja não deve tolerá-los nos infiéis que são súditos seus. O prova
tudo o que temos dito, porque nesta tolerância ou concessão não haveria
nenhuma utilidade nem para os infiéis mesmos nem para a república
cristã.
Este princípio se entende falando de uma maneira
geral, porque muitas vezes sucede que não pode o rei cristão arrancar de
sua raiz esta classe de ritos sem grande perda do reino ou de outros
cristãos. Neste caso pode dissimulá-los e permiti-los sem pecado. A tese
tem seu fundamento nas palavras de Cristo (Mt., 13, 28-29), quando
perguntando os criados ao amo se queria que arrancassem o joio, ele
respondeu: “Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o
trigo com ele.”
Precisamente por esta razão tolera muitas
vezes a Igreja pecados graves entre mesmo os cristãos para que não se
siga maiores cismas, como ensina Santo Agostinho (Contra Epistolam
Parmeniani, lib. III, cap. 2, n. 13 (PL. 43, 35)). O Decreto de Graciano
(Decretum, II, 23, 4, 19.) reconhece este princípio. A razão é clara.
Ensina a prudência que dentre muitos males se escolhe o menor, e exige a
ordem da caridade que sem fruto não se repreenda. Muito menos deverá se
fazer coação quando é maior o dano.
10. Sobre os demais
ritos dos infiéis, que somente se opõem à fé e não a razão natural, a
tese certa é que os infiéis não devem ser obrigados, enquanto sejam
súditos, a abandonar, mas que devem ser tolerados pela Igreja. Assim o
ensina São Gregório (Epistolae, lib. XIII, epist. 12 (PL. 77, 1267),
especialmente dos judeus, quando proíbe que sejam privados de suas
sinagogas e manda (Epistolae, lib. XI, epist. 15 (PL. 77, 1131)) que
lhes permita ter seus cultos.
Em outra parte igualmente se
disse que lhes deve permitir celebrar suas festas. Por qual razão? Estes
ritos não são intrinsecamente maus em virtude da lei natural. Portanto,
a potestade temporal do príncipe em si mesma não se estende para a
proibição destes ritos, porque não pode se dar nenhuma razão para esta
proibição se não é oposição à fé católica. Mas este não é motivo
suficiente com relação àqueles que não estão sujeitos à potestade
espiritual da Igreja.
Confirma-se a conclusão. Essa política significaria certa
espécie de coação para receber a fé católica, que não é permitido, como
dissemos. Estes argumentos de uma maneira geral, provam a tese para os
mahometanos e outros infiéis que conhecem e adoram ao único Deus
verdadeiro, enquanto seus ritos não se opõem a razão natural.
Mas, contudo, a Igreja tem considerado uma utilidade especial nesta
tolerância dos judeus; porque seu erro oferece um testemunho à religião
católica em muitas coisas. Primeiro, porque eles confessam que foi
prometido o Messias e admitem as Sagradas Escrituras pelas quais
provamos evidentemente que se cumpriu aquela promessa.
Segundo, porque vemos cumprido nelas o que predisseram os profetas e
Cristo sobre sua deserção e endurecimento. Enfim, disse Santo Agostinho
(De Civitate Dei, lib. 18, cap. 46.) que se lhes conversa e permite
viver em sua seita para que guardem o testemunho das Sagradas Escrituras
e a Igreja obtém de seus inimigos. A este princípio levam as palavras
de São Paulo (Rom. 11, 11): “Graças a sua transgressão obtiveram a
salvação os gentios”; e aquelas outras do salmo (Ps. 58, 12): “Deus os
mataram para que não caia o meu povo. Faça-os errar em tua força e
abate-os”. Coisas parecidas tem São Agostinho (Enarrationes in Psalmos,
p. 40.) em comentário ao salmo 40.
11. Mas a Igreja tem permitido a religião judaica com algumas
limitações e condições.
A primeira, e geral, é que não seja praticada
com escândalo dos cristãos. Veja-se o direito civil (Codex I, 9) e
canônico (Decretales, V, 6, 6, cap. 3, 4, 7, e 15). Entre as leis da
Espanha há muitas desta classe (Partida 7, tit. 24, lei 1; Partida 1,
tit. 4, lei 63).
Segunda: especificamente, ainda que se
permita ter e conservar as sinagogas antigas, contudo, não podem
construir outras novas. São leis do direito canônico (Decretales, V, 6, 3
e 7) e civil.
Terceira: Ainda tem sido proibido que lhes remova as
sinagogas, contudo, se alguma vez se lhes houver tirado e houver
consagrado em igrejas, não se há de devolvê-las, mas que lhes deve
indenizar esses danos de alguma outra maneira (Epistolae, lib. IX,
epist. 55 (PL 77, 993))
Quarta: Não lhes é permitido fazer nada que não
está decretado em suas leis (Epistolae, lib. IX, epist. 55 (PL 77, 993).
Quinta: Não lhes é permitido ter sinagogas próximas as igrejas dos
cristãos (Epistolae, lib. I, epist. 10 (PL. 77, 457))
Sexta: Proíbe-se a
eles sair em público no dia da Páscoa; mais todavia, estão obrigados a
ter fechadas as portas e as janelas.
Nas Decretales (V, 6, 4
e 15) manda-se também que levem um sinal pelo qual sejam distinguidos
exteriormente dos cristãos. Em geral são castigados gravemente se fazem
ou manifestam algo contra a honra da religião cristã. Assim o ordena o
direito canônico (Decretales, V, 6, 15; Decretum, II, 23, 88) e as leis
citadas do direito civil.
Enfim, por esta mesma razão estão permitidos os antigos livros
dos Rabinos que foram escritos sinceramente e sem ódio à religião
cristã. Contudo, estão proibidos os livros dos Hebreus que falsificaram
depois as Sagradas Escrituras, como fez notar o cardeal Cayetano
(Secunda Secundae, quaest. 10, art. 11.)
Fonte: Suárez, El pensamiento político Hispanoamericano, Selección de Defensio Fidei y otras obras, ano 1966, pág. 392-401)
Nota
do Tradutor: Este riquíssimo extrato do escrito do ilustre teólogo
Francisco Suárez quase que sintetiza todas as questões debatidas ainda
hoje sobre a liberdade religiosa da declaração Dignitatis Humanae. Por um
lado, a liberdade de cultos não deve ultrapassar os “justos limites”
nas palavras do Concílio, por outro ela realmente existe, devendo ser
respeitada pelo Estado e pelos diferentes grupos religiosos mesmo
aqueles que possuem reconhecimento civil especial na ordem jurídica.
Segundo o teólogo Francisco de Vitória: "Os infiéis podem ser obrigados a
não impedir a fé, nem blasfemar" (Miss Solana, pág. 228). Isto de
nenhum modo é subtraído pelo Concílio, nem se vê negar todos os exemplos
históricos dados por Francisco Suárez.
Agora, naquelas questões de
julgamento em sentido estritamente sobrenatural ou puramente religioso
não é permitido à Igreja, muito menos ao Estado, buscar coagir. Outra
questão que se coloca claramente é que a Igreja só possui potestade
sobre aqueles infiéis que foram batizados e depois disso desertaram.
Sobre os hereges e cismáticos é “certo, todavia, que continuam sobre o
poder [coercitivo] da Igreja, que os pode julgar, punir e excomungar!”
(Catecismo Romano – 1º parte – Capitulo 10 – 9º Artigo – Parágrafo 8 –
Página 162). Poder da Igreja, não do Estado, na ordem eclesiástica, não
temporal.
PARA CITAR ESTA TRADUÇÃO:
Podem ser obrigados os infiéis a abandonar seus erros e falsos cultos? http://twixar.com/AMnXR Francisco Suarez, trad Nelson Monteiro S. Silva, outubro de 2012, blogue Tradição em Foco com Roma.CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
nelson.sarmento@gmail.com





