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Suicídio de Laurinha Figueroa e a questão teológica sobre o ato

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No capítulo 171 exibido originalmente no dia 17/10/1990, a novela Rainha da Sucata registrou incríveis 64 pontos de audiência (Coisa que não acontece em qualquer novela)! Ontem reprisou no Canal Viva. O realismo que ela passa nas cenas é de um talento inexplicável, inigualável. A cena dela pulando do prédio arrepiou. Sua frase de efeito antes da tomada de decisão de suicidar-se: A decadência é um estado de vida absolutamente intolerável.


Suicídio direto ou indireto não é só pecado mortal, como é um dos exemplos de pecado contra o Espírito Santo (incorre em desesperança de salvação). Existem atenuantes, como estado de loucura ou arrependimento nos últimos momentos de suspiro (Catecismo, 2280-2283), mas a princípio, não é permitido aos suicidas sequer a sepultura eclesiástica, e incorre em excomunhão quem atenta contra a própria vida (desde que seja cristão). Não é o tipo de delito que se presume inocência: o princípio jurídico do odiosa restringenda aplica-se à lei sobre o suicídio que é bem clara (cânones 1184 e 1185) - a missa de sétimo dia ou de ano é uma missa funeral. Laurinha Figueroa era uma  pecadora manifesta. 

No Direito Canônico (e no Romano) ainda incorriam penas sobre até mesmo os bens do suicida, após o fato consumado (suicídio continua sendo crime).

Não se reza por infiéis de qualquer tipo, hereges, cismáticos ou apóstatas nas intenções públicas da missa (aquelas em que se lê o nome da pessoa no Memento, ou se lêem as intenções do livrinho da secretaria da igreja antes da missa). Somente é permitida (e encorajada) a intenção privada. 
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O pecado público e notório (suicídio) não permite a presunção de inocência. É análogo, na justiça civil, à prisão em flagrante, onde não há a presunção do inocente até que se prove o contrário.

A proibição de se enterrar tais pecadores públicos (os excomungados, suicidas, etc) com os ritos e em cemitério cristãos, e de se rezar PUBLICAMENTE (privativamente não é e nem nunca foi proibido) por tais mesmos, dá-se por motivo de PRUDÊNCIA da Igreja. Se ele foi ou não perdoado por Deus ou se se arrependeu no último microssegundo, não temos como saber e a Igreja não tem poder para julgar a disposição interna. Mas sim pela sua atitude externa. E um suicida ou um maçom tiveram atitudes externas extremas 100% incompatíveis com o caráter e moral de um cristão, por isso que são privados dos PRIVILÉGIOS de se ser sepultado em um cemitério cristão e de receberem orações públicas (incluindo missas).


É ensino infalível da Igreja que quem morre com o pecado mortal vai para o inferno. Acontece que quando você faz uma contrição perfeita ou se confessa, é perdoado desse pecado.

Ensinam o II Concílio de Lyon e o Concílio de Florença:

Las almas, empero, de aquellos que mueren en pecado mortal o consolo el original, descienden inmediatamente al infierno, para ser castigadas, aunque con penas desiguales. (D-464)

Pero las almas de aquellos que mueren en pecado mortal actual o con solo el original, bajan inmediatamente al infierno, para ser castigadas, si bien con penas diferentes (D-693)

As citações foram retiradas da edição espanhola do Denzinger. A tradução seria:

As almas daqueles que morrem em pecado mortal ou [mesmo] só com o original descem imediatamente ao inferno para serem castigadas, se bem com penas diferentes.

Quem tem a edição atual do Denzinger, chamada Denzinger-Schönmetzer, a numeração (referência) é outra, mas podem procurar no II Concílio de Lyon e no de Florença, ou usar a edição antiga disponível na Internet:



A absolvição pode via através da contrição perfeita também. Mas não há garantias de que a teremos, nem que outro a alcançou (salvo raríssimas exceções,como São Dimas, o Bom Ladrão, e mesmo assim creio que só temos essa garantia porque o próprio Cristo assim o afirmou)


Não podemos avaliar a culpabilidade de uma pessoa de forma tão metódica assim, como se deu tempo ou não deu tempo da pessoa se arrepender. No próprio Catecismo  há um parágrafo dizendo que muitos casos de pecados tidos como mortais (como por exemplo a masturbação) podem ter suas culpas atenuadas grandemente, de acordo com o conhecimento, a maturidade, o estado emocional da pessoa, e diversos outros fatores. O pecado só se faz mortal quando há um PLENO consentimento de se ir contra Deus, de se rebelar contra Deus. E sabemos que não é esse o caso de todo suicida. Pelo contrário: acredito que a maioria já possua algum desequilíbrio, ou aja em um ímpeto totalmente impensado, o que já colocaria em dúvida o pleno consentimento em desejar morrer inimigo de Deus.

Fora isso, mesmo uma morte a facada, ou mesmo a tiro (dependendo de onde atirou), demora alguns segundos para que a pessoa fique inconsciente. Quem sabe no momento mais profundo de dor que antecede a morte não houve arrependimento?
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Mais uma coisa: mesmo quando TODAS as evidências indicam que a pessoa morreu inimiga de Deus, morreu blasfemando a Deus, etc, mesmo assim não podemos afirmar, nem a Igreja pode, que ela está condenada. Pois aí entram as questões mais íntimas da psique daquela pessoa. De qualquer forma, isso sempre será uma especulação inútil.

Se o ato tende a ser involuntário, ele é inimputável na medida em que é involuntário. Até uma forte paixão que inibe o livre exercício da razão e da vontade torna o ato involuntário. Além disso, um pecador pode ser livre de culpa se agiu conforme uma consciência invencivelmente errônea.

A Igreja se exime de dizer que tais e tais pessoas estão condenadas, mas ela ensina infalivelmente que há homens condenados. Considero, portanto, heresia dizer que o inferno está vazio, como fez Urs von Baltasar. Este teólogo dizia que cria no inferno, mas que acreditava que estava vazio.

A opinião de von Balthasar, na realidade, nega o dogma da reprovação, isto é, que Deus, por uma eterna resolução de sua vontade, predestinou certos homens, em conta de seus pecados previstos, à morte eterna.

Isto foi declarado pelo Concílio de Valence (885):
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Nós confessamos firmemente a predestinação dos eleitos para a vida e a predestinação dos ímpios para a morte, mas com esta diferença: que na eleição dos que devem ser salvos, a misericórdia de Deus precede o mérito, enquanto que na condenação dos que se perderam, o demérito precede o justo julgamento de Deus.

Calvino ensinava que a predestinação dos ímpios se dá da mesma forma que a predestinação dos eleitos. E a Igreja ensina que ambas existem, mas elas são desiguais.

No século XVI, houve uma perigosa disputa entre dominicanos e jesuítas, sobre a questão da predestinação, e a Igreja proibiu que se debatesse o tema.

Atualmente, os teólogos dizem que esse problema está superado, embora nunca se tenha chegado a uma solução.

É como diz o Catecismo no parágrafo 2283.  Não podemos nos desesperar da salvação destes, pois Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes ocasião de um arrependimento salutar. 

Estes caminhos que só Ele conhece, na minha interpretação, dizem respeito somente ao arrependimento em vida, talvez nos segundos que medeiam o cometimento do ato ilícito e a morte (poderia haver nesse meio tempo uma contrição perfeita, p. ex.)


Uma das razões pela qual não se pode considerar com toda certeza que o suicida foi condenado é a impossibilidade de asseverar, sem margem de erro, se houve de fato pecado mortal. Há certamente matéria grave, mas outros elementos são requeridos para que se configure o pecado mortal. Problemas psicológicos e coisas do gênero podem implicar na ausência do livre consentimento, por exemplo. 

Quanto à possibilidade do suicídio altruísta, concordo que é de difícil avaliação moral.

Lembrei-me de um filme, que assisti há muito tempo. Foi baseado em fato verídico, acontecido durante a 2a Guerra Mundial. Um grupo de soldados tchecos, se não me engano, tinha uma missão importante e secreta. Dois deles, que conheciam bem os planos, são aprisionados pelos nazistas. Na certeza de que seriam torturados, e duvidando da própria capacidade de resistir à tortura, na qual inclusive se utilizavam drogas, matam-se. Salvam, assim, os companheiros e o plano. 


PARA CITAR ESTE ARTIGO:


Suicídio de Laurinha Figueroa e a questão teológica sobre o ato David A. Conceição   09/2013 Tradição em Foco com Roma.



CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS: 

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