A partir daquele momento, todo candidato às Ordens Sacras foi sagrado de forma inválida, porque os novos
“sacramentos” , dentre eles a Eucaristia e a Ordem já não eram mais os mesmos da Igreja Católica. A intenção não era mais sacrifical, mas protestante.
Não se tratava somente de um cisma, como no oriente. Mas houve uma mudança doutrinária, e isso tornou todos os sacramentos do anglicanismo inválidos, com exceção do batismo.
Sendo assim, todos os
“padres” ordenados já não eram padres, e muito menos os bispos.
O anglicanismo é apenas uma seita protestante que pensa ou pensava ter sucessão apostólica.
A missa deles, a ordem, é tudo lixo, tudo blasfêmia contra os Verdadeiros Sacramentos. Tanto que os mais sinceros que tem a oportunidade de conhecer as verdades católicas, às vezes migram devagar, passando ao Anglo-catolicismo, e às vezes correspondem ao impulso da Graça através da conversão ao Catolicismo.
É muito triste assistir a demolição de uma comunidade cristã, ainda que não seja católica. O diálogo ecumênico ia bem no ponto de vista doutrinal, o que levava a esperança de uma união real, com conversão, num médio prazo, num clima de respeito e diálogo. Seria, talvez, algo parecido com as igrejas orientais que ao longo dos séculos voltaram à comunhão católica. A mesma fé, mas não necessariamente a mesma disciplina. Afinal, os anglicanos de hoje nada têm com aqueles do século XVI!
Os problemas começaram com as pressões para as ordenações de mulheres como sacerdotes, o que levou o Papa Paulo VI e o então arcebispo de Canterbury, Dr. Donald Goggan, a uma troca de correspondência, onde cada um expôs com franqueza e honestidade as dificuldades que vinham surgindo e suas conseqüências. Acontece que a Comunhão Anglicana é uma rede de províncias autônomas, sob a presidência honorária do arcebispo de Canterbury. Em tese, na base do voto, cada província faz o que quer. É o lado protestante do anglicanismo “católico”. Falta o magistério autêntico, estabelecido por Cristo.
O diálogo intensificou com João Paulo II e o Dr. Robert Runcie, que renunciou a sede de Canterbury por pressões dos liberais, abrindo o caminho para George Carey, uma pálida figura, que deixou a água correr e entregou a “batata quente” nas mãos do Dr. Rowan Williams, o emérito arceleigo de Canterbury, que é culto, inteligente, mas tíbio em suas decisões. Agora, já não é apenas a ordenação de mulheres, mas também a bênção para casais divorciados (como foi o caso do Príncipe de Gales com Camilla Parker-Bowles), também as uniões homossexuais equivalentes ao matrimônio e por fim a gota d'água: o sacerdócio concedido a gays assumidos e ativos. A ironia é que a parte mais aberta dos anglicanos ao diálogo com a Igreja Católica é justamente a ala liberal. O grupo evangelical, cuja maioria está na África e que é contrária a essas inovações, é também o mais fechado ao ecumenismo.
Resta aquele grupo da High Church que se intitula de católicos, apostólicos, anglicanos, que serão empurrados para Roma diante desses absurdos. Na Diocese de Londres, por exemplo, presidida pelo Dr. Chartres, essas novidades não têm vez. O bispo anterior, o Dr. Graham Leonard, renunciou e foi recebido na Igreja Católica. O Cardeal Basil Hume, arcebispo de Westminster e primaz católico da Inglaterra e Gales, o ordenou sacerdote sub-conditione. O Beato João Paulo II o fez monsenhor prelado doméstico.
É uma pena o que está acontecendo lá, é muito triste assistir uma apostasia, uma traição ao Evangelho de maneira tão cínica e hedonista, levada pelo neo-paganismo hodierno.
Cito o exemplo do cardeal John Henry Newman, de sua tristeza de perder a estima da família, de tantos amigos, da bela liturgia anglicana (em seu tempo, não havia sequer bispo católico na Inglaterra - era proibido), praticamente do amor de sua vida: a igreja na qual nascera e onde se tornara a maior autoridade no seu tempo. É verdade que Newman era um santo e com uma fortaleza e serenidade acima das pessoas normais, que conseguiu pôr a Verdade acima de tudo, ainda que isso significasse perder tudo e recomeçar do nada. Se puder, leia o seu último discurso de sua paróquia anglicana na Universidade de Oxford de 1842.
Vale lembrar a célebre frase daquele que é tido como o mais sábio de todos os papas, Bento XIV (1740-1758), antes cardeal Prospero L. Lambertini, que a propósito dos
“ritos chineses” , assim exprimia que a Igreja Católica ardentemente desejava “ut omnes Catholici sint, non ut omnes Latini fiant”. (encíclica Allatæ sunt de 25 de julho de 1755).
Enfim, diante deste pseudo
“laicismo” moderno, em que aqueles que se professam católicos insistem em contrariar a Igreja e não em poucos pontos, e
“mintam” a Deus quando rezam no Credo: Creio na Igreja Católica, temos todos os temores que isso que afeta os não-católicos hoje, mais cedo ou tarde, chegará até nós. Não me surpreendo que haja uma grande apostasia, só que temos a certeza que a Fé não será contaminda, graças as promessas que nosso Divino Salvador fez a Pedro e aos seus sucessores. Ubi Petrus, ibi Ecclesia, como dizia São Cipriano de Cartago. A pergunta que Jesus fez nos deixa inquietos:
“Mas quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?” (Lc 18,8).
O texto abaixo é uma transcrição de um trecho do livro L’Anglicanesimo – Panorama Storico e Sintesi Dottrinale. A referência na íntegra será citada no final do artigo.
AS ORDENAÇÕES ANGLICANAS
A retirada de Newman da Igreja Anglicana, seguida – pelas mesmas razões que êle – da de muitos outros homens do clero e do laicato, a presença no Anglicanismo das idéias características do Movimento de Oxford – como a Via Média e a da Branch Theory, – o desejo de uma união efetiva entre a Igreja de Roma e a Igreja Anglicana – projetada por um ardoroso anglicano e um sacerdote católico (Lord Halifax e l’Abbé Portal), tudo isso contribuía para esclarecer não sòmente as idéias comuns às duas Igrejas, mas também os pontos de divergência existentes entre as mesmas.
Que o movimento de Oxford – nas suas últimas fases – era tal que se impunha à atenção dos católicos, parece coisa evidente. O próprio Sumo Pontífice Leão XIII – bem informado sobre alguns encontros realizados e sobre as esperanças por êles despertadas – tinha mostrado quanto lhe preocupava a nação inglesa, em sua Carta Apostólica Ad Anglos, de 14 de abril de 1895. Nela, declarando-se Pastor Universal da grei de Cristo, o Papa manifestava todo o seu afeto para com o povo inglês, sem distinções de classes ou de religião e, ao mesmo tempo – exatamente porque impelido por êsse afeto de ternura – Êle indicava aos inglêses errantes o caminho da verdadeira Igreja de Cristo. A Carta Ad Anglos era um convite a retornar à lógica e a superar, com a boa vontade, todos os obstáculos. Ela suscitou em tôda a imprensa inglêsa – anglicana e católica – comentários benévolos e cordiais e, até mesmo, sincera simpatia para com o Papa.
Não se diga que a Carta Ad Anglos, por desejo de união, ocultasse as graves dificuldades que punham obstáculo aos desejos do Pai; não obstante, ela permitia entrever, pelo menos, a não-impossibilidade prática de uma reunião, no sentido – entende-se – de um retôrno à verdade total da parte dos anglicanos.
Mais do que abrir um novo caminho, o Papa pretendia mostrar a sua benevolência, encorajando os que titubeavam ao retôrno para o redil perdido.
A bula “Apostolicae Curae”
As questões que qualquer anglicano desejoso de voltar à verdadeira Igreja tem de resolver são muitas; e não por último uma questão, tão velha, ou quase, quanto o Protestantismo: a questão da validez ou não das ordenações episcopais e sacerdotais.
O aspecto histórico dêsse problema nos interessa menos do que o teológico. Para nós, falar em validez de ordenações significa, antes de tudo, chegar a um entendimento quanto à essência da ordenação, do sacerdócio e de sua finalidade. Se não houver acôrdo sôbre êsse ponto, será completamente inútil procurar um acôrdo sôbre aspectos simplesmente históricos do problema, exatamente porque o problema não é apenas histórico. Por essa razão, tratamos a questão das Ordenações Anglicanas de um ponto de vista exclusivamente católico, embora tomemos em conta os pensamentos dos anglicanos e suas reações as decisões católicas; nem pensamos que isso seja uma ingerência indevida nos acontecimentos de outra Igreja, exatamente porque as aclarações católicas sôbre êste ponto foram apenas a resposta necessária a um processo histórico iniciado fora da Igreja Católica, isto é, no Movimento de Oxford.
Tanto do lado católico como do lado anglicano, já antes de 1896 existia um vivo desejo de que o Papa se pronunciasse de maneira definitiva a respeito dessa questão. Alguns católicos e alguns anglicanos, especialmente entre os adeptos do Movimento Ritualista, nutriam vivas esperanças de que as ordenações anglicanas fôssem reconhecidas como válidas pelo Papa ou que, pelo menos, fôssem declaradas duvidosas. Os Ritualistas queriam celebrar o Sacrifício Eucarístico e, por isso, a questão das ordenações tornava-se vital para êles. Como se poderia falar em Sacrifício, sem verdadeiros sacerdotes?
Todavia devemos esclarecer que o problema das ordenações anglicanas não era, para os efeitos da união, tão importante como podia parecer a Lord Halifax ou ao Abbé Portal. Mesmo se – numa hipótese agora impossível – o Papa tivesse reconhecido a validez das ordens anglicanas, não por isso teria sido muito facilitada a união, devido a outros obstáculos ideológicos e dogmáticos bem mais graves, que se revelaram nas subseqüentes Conversações de Malines.
Que coisa pudesse levar os Anglicanos a esperar uma declaração de validez das suas ordenações, é difícil de se dizer e de compreender. Aliás, bem dificilmente se pode entender o parecer positivo – a êsse respeito – de alguns estudiosos católicos de grande nomeada.
A praxe da Igreja Católica quanto às ordenações anglicanas foi sempre negativa. Quero dizer que a Igreja Católica, em todos os casos práticos, sempre se comportou como se as ordenações anglicanas fôssem nulas, exigindo nova sempre a re-ordenação, em modo absoluto, quando um padre anglicano desejava, após sua conversão ao Catolicismo, tornar-se sacerdote católico. Êsse foi também o caso de Newman e de alguns amigos seus que com êle se converteram.
A atitude otimista de alguns se explica, talvez, pelo grande desejo da união, o qual inclinava ambas as partes a reduzir ao mínimo as dificuldades que se interpunham à realização dêsse sonho.
Já desde 1890, tanto Lorde Halifax como o Abbé Portal, dois amigos de coração grande e nobres idéias, tinham pensado que seria oportuno que as conversações preliminares – com vistas a uma eventual união das duas Igrejas – principiassem pelo exame da delicada e escabrosa questão das ordenações anglicanas.
Houve teólogos católicos de grande cultura que, por não considerarem simultâneamente todos os lados da complexa questão, pronunciaram-se ou pela dúvida (Pedro Gasparri) ou pela validez (L. Duchesne) dessas ordenações.
Lord Halifax foi recebido pelo Papa Leão XIII em 1895. Manifestou-lhe que os Anglicanos estariam bem contentes de submeter o complexo problema a um grupo de especialistas católicos e anglicanos agrupados em reunião. Na verdade, os Anglicanos estiveram ausentes, e a Comissão convocada por Leão XIII compunha-se de vários estudiosos católicos, os quais, porém, refletiam as três diversas sentenças (validez, dúvida, invalidez). Em doze sessões, foi possível chegar a um resultado seguro, tanto histórica como teològicamente, a êsse se concretizou na Bula Apostolicae Curae de 13 de setembro de 1896.
A substância da mesma resume-se em poucas palavras: a declaração absoluta e irrevogável da invalidez das Ordenações Anglicanas.
A palavra do Papa, num documento que – embora não tenha a força das decisões infalíveis – apresenta, contudo, o valor de magistério autêntico e irreformável, basta – para nós, católicos – para resolver, uma vez para sempre, o problema.
Não obstante – já que nem todos os Anglicanos ficaram de acôrdo com a decisão papal – será bom que nós proponhamos outra vez os argumentos em que se baseia, mas isso apenas no ponto de vista histórico e teológico, como se a Bula papal nunca tivesse sido publicada. Servir-nos-emos dela, em nossa argumentação, em vista do seu extraordinário conteúdo teológico e apologético, sem, entretanto, tomar em conta – por razões de método – a autoridade magisterial da qual ela promana.
É bom recordar que a matéria de que estamos tratando ainda está bem viva, de modo que se poderia ferir a milhares de anglicanos. Nosso proceder deve estar – aqui mais do que em outra parte – animado do espírito da caridade e de compreensão. Jamais poremos em dúvida a boa fé dos outros, mesmo quando a evidência histórica e teológica nos constranger a declarações contrárias à sensibilidade de muitos anglicanos.
Os teólogos anglicanos modernos, algumas vêzes, se prevalecem do fato de estudiosos católicos, do porte de um Duchesne, se terem pronunciado, antes da decisão papal, pela validez das ordenações anglicanas. Headlam, por exemplo, cita na íntegra, em francês, do Bulletin Critique de 15 de julho de 1894, a opinião de L. Duchesne, segundo a qual a praxe católica de repetir “absolute” as ordenações daqueles que, de padres anglicanos, desejavam fazer-se padres católicos deveu-se não pròpriamente a um reconhecimento da invalidez das mesmas, mas ùnicamente ao desejo de obviar aos escrúpulos dos fiéis: “l’Église Romaine a le devoir de tenir compte des scrupules de sés fidèles”. Quanto à conclusão geral, Duchesne era de parecer que: “lês ordinations anglicanes peuvent être considereés comme valides” [Headlam, Obra citada, pág. 283].
Para nós, a opinião de Duchesne deve pôr-se no número daquelas convicções ou opiniões que podem ter algum valor antes da decisão papal, que até mesmo concorrem para prepará-la mediante a discussão e o exame dos pontos controvertidos, mas que, após a decisão papal, não têm outro valor, mais do que o de um documento destituído de qualquer importância dogmática e de qualquer grau de verdade.
Assentimentos e reações
Aconteceu, na Inglaterra, com a publicação da Bula “Apostolicae Curae” de Leão XIII o que dificilmente se poderia prever: os católicos ficaram profundamente agradecidos a Leão XIII por ter, duma vez para sempre, decidido com sua autoridade magisterial ponto tão crucial e importante; mas também uma boa parte dos anglicanos aceitou com verdadeira satisfação a declaração papal. Como explicar êsse fenômeno?
Se alguma vez a lógica prevaleceu sôbre o sentimento na Igreja Anglicana, é preciso reconhecer que foi nesse caso.
Os Anglicanos, tanto os da Alta como os da Baixa Igreja, estavam muito perplexos com o rumo – estranho para êles – que ia tomando o Movimento Ritualista. Não sabiam o que pensar dêsses “protestantes camuflados de católicos”! Tinham lutado contra os mesmos, mas com resultados contrários à expectativa. Para os anglicanos parecia que os ritualistas – que, afinal, viviam como anglicanos entre os anglicanos – se estivessem apoiando em Roma nas suas pretensões, perturbando assim a paz interna da Igreja Anglicana. Os ritualistas se prevaleciam da autoridade da Igreja de Roma contra aquêles anglicanos – e eram a maioria – que não se sentiam com vontade de aderir às idéias do Movimento; como se a Igreja de Roma, porque prestava atenção às suas palavras, já tivesse dado o passo para uma inter-comunhão de fato.
Com a Bula Apostolicae Curae, todos os sonhos dos ritualistas se desvaneciam como num conto de “Mil e uma noites”; não era, portanto, verdade que Roma estivesse tão perto dêles, como êles se esforçavam por dar a entender aos outros.
Os anglicanos de todos os três setores da Igreja Estabelecida podiam declarar-se satisfeitos; jamais tinham pretendido possuir o Sacerdócio da Igreja Católica; sabiam que, para sempre, haviam renunciado a um Sacerdócio feito para a Missa e para a Eucaristia. Os 39 Artigos de Religião falavam bem claro: se não havia nenhum sacrifício da Missa, se a Eucaristia era uma simples lembrança ou uma simples presença espiritual de Cristo, que necessidade podia haver de um sacerdócio entendido no sentido católico?
O “Times”, jornal que sempre refletiu a opinião mais corrente entre os inglêses, podia assim escrever, nos dias que seguiram imediatamente à publicação da Bula: “Agora aparece claramente que quem desejar ser católico e possuir os Sacramentos assim com os concebem os católicos, com todos os poderes sobrenaturais do sacerdócio, deve unir-se e submeter-se a Roma. A Via Média inventada por alguns e a união acariciada por outros (Branch Theory), sem submissão à jurisdição de Roma, são coisas desacreditadas. Melhor assim; nós, inglêses, jamais temos pretendido possuir ordens válidas no sentido do Papa, isto é, tais que conferem os poderes misteriosos do Sacerdócio Católico. Nós permanecemos aquilo que éramos”.
No fundo, foi essa declaração realmente honesta, que respeitava ao máximo o Artigo 31 de Religião, o qual declara a Missa como “ficção blasfema e perigosa impostura”.
Verdadeiramente feridos no coração pela Bula Apostolicae Curae ficaram os ritualistas, ficou Lord Halifax. Palavras amargas saíram então, contra Roma, dêste setor da Igreja Anglicana.
Como mais acima indicamos, os ritualistas tinham, exteriormente, alguns pontos de contato com Roma. Falavam em Missa e presença eucarística, embora atenuassem muito o significado dessas expressões. Alguns dêles, até, haviam recorrido a uma ordenação supletória feita por Bispos gregos ortodoxos, para assim poderem estar mais seguros da validez da mesma. Mas o resultado dêsse gesto desatinado foi o opôsto de desejado: em vez de tornar segura a própria ordenação, êsses poucos homens tinham, com isso lançado um medonho descrédito sôbre o valor das ordenações anglicanas, suscitando dúvidas mesmo daqueles que, até então, as tinham considerado certamente como válidas. E, de fato, com que lógica se pode recorrer ao auxílio de outros, quando se está bem seguro na própria casa?
Todos os desejos de reunião no sentido da Branch Theory, todo o conteúdo teológico da Via Média, já planejada por Newman, eram violentamente derrubados pela Bula do Papa. Ira e indignação levantaram-se exatamente nas fileiras daqueles que, até ali, tinham cantado hosanas a Roma e ao Papa; Roma havia falado contra êles, tinha desiludido as suas expectativas. Se os da Alta e da Baixa Igreja bem podiam estar pouco interessados com a decisão papal, os ritualistas sentiam todo o seu pêso; entre tôdas as hipóteses possíveis, havia-se verificado exatamente aquela que lhes parecia a menos provável!!!
Pouco a pouco, extinguiram-se as iras e as rebeliões, e o que ficou, no meio de tôda essa confusão, foi a serena exposição do Papa, cujo juízo era sufragado não só por sua autoridade magisterial, mas também por argumentos históricos e teológicos.
À pergunta: “por que se devem considerar inválidas as ordenações anglicanas?”, o Papa respondia, mostrando, ponto por ponto, as razões objetivas que, mesmo aos olhos de um anglicano, não podem perder seu valor intrínseco. Se os anglicanos pensam que sacerdote é apenas aquêle que tem o poder de pregar, então êles nem sequer foram tocados de leve pela Bula Apostolicae Curae e não têm nenhum motivo para irritar-se. Mas é claro que, dêsse modo, êles barram para si mesmos a possibilidade de se chamarem católicos ou de se unirem aos católicos e demonstram ser – na teoria como na prática – uma das tantas seitas protestantes nascidas da má semente da Reforma Luterana.
Um pouco de história
Chegados a êste ponto, é indispensável fixar algumas datas e a sucessão cronológica de alguns acontecimentos, para se poder apanhar com exatidão o problema de que estamos tratando.
A palavra “Ordinale”, que aparecerá freqüentemente no decurso da nossa argumentação, indica o rito seguido pela Igreja Anglicana para a ordenação de diáconos, sacerdotes e bispos. Êsse Ordinale apresenta algumas características que deveremos mais adiante considerar.
Eis, por agora, o quadro cronológico mais essencial:
Henrique VIII (1509-1547).
1534: Chefe supremo da Igreja da Inglaterra.
Eduardo VI (1547-1553).
1549: O primeiro “Prayer Book”.
1550: “Ordinale” Eduardino.
Maria Tudor (1553-1558).
Isabel I (1558-1603).
1661: Revisão do “Prayer Book” e acréscimo ao “Ordinale” Eduardino.
1896: Bula “Apostolicae Curae”.
* * *
A questão acêrca da validez das ordenações anglicanas não pode começar – tanto para nós como para os anglicanos – antes de 1550. Nos anos precedentes, de fato, o rito seguido para as ordenações, na igreja cismática de Henrique VIII, era substancialmente o católico; tôdas as cerimônias eram feitas segundo a intenção da Igreja Católica e, por conseguinte, as ordenações anglicanas dêsse período (de 1534 a 1550) devem considerar-se como válidas.
Não está fora de lugar recordar que Eduardo VI (1547-1553) subiu ao trono com a idade de dez anos e que todos os assuntos de govêrno e de religião foram desempenhados, sob seu reinado, pelo tutor Cranmer, Primaz da Inglaterra, cujas idéias – como temos visto – eram luteranas, importadas do Continente. Essas idéias protestantes se encontram freqüentemente disseminadas no “Prayer Book” e nos 39 Artigos de Religião que se devem substancialmente a Cranmer.
Nossa investigação começa, portanto, em 1550, isto é, com a supressão nas ordenações, do cerimonial católico, substituído pelo novo “Ordinale” Eduardino, habilmente arranjado por Cranmer; quanto a sua inspiração, realmente êle reflete à perfeição as idéias do mesmo.
Limitar-nos-emos a considerar as ordens sacras conferidas segundo o “Ordinale” Eduardino.
Històricamente, encontramos uma solução de continuidade na linha do Anglicanismo, entre o fim do reinado de Eduardo VI e o comêço do reinado de Isabel I. São os cinco anos de Maria, a Católica (1553-1558). Mas, como já temos dito, o reinado de Maria Tudor não ajudou à causa católica e não contribuiu para extirpar do país o Protestantismo, que nêle já havia penetrado profundamente. Com Maria Tudor, procedeu-se à sistematização dos negócios eclesiásticos mais urgentes, à re-ordenação daqueles que – embora ordenados segundo o “Ordinale” Eduardino – desejavam tornar-se sacerdotes católicos. Para aquêles cinco anos, tudo foi colocado novamente em ordem; mas com o advento de Isabel I, tudo ficou outra vez como antes, até mesmo pior do que antes. Os sacerdotes ordenados sob Maria Tudor foram expatriados; e, vice-versa, foram readmitidos os que Maria tinha expulso, e foi novamente restaurado o uso do “Ordinale” Eduardino, em sua forma original. Êste é que serviu para ordenar diáconos, padres e Bispos até 1661. Isto significa que o “Ordinale” Eduardino – ainda sem o acréscimo, de grande significado, feito em 1661, do qual nos ocuparemos depois – esteve em vigor por aproximadamente 110 anos (computamos também os 5 anos de Maria Tudor), em outras palavras, por mais do que duas gerações de ordenados.
Conclusão evidente: se o “Ordinale” Eduardino fôr em si mesmo, insuficiente para conferir verdadeiras ordens sacras, tôda a jerarquia anglicana – padres e Bispos – está irremediàvelmente destruída.
Tôda a jerarquia Anglicana atual procede – por descendência direta – do Bispo Parker, que Isabel I mandou ordenar, ansiosa de restabelecer os usos anti-católicos. Infelizmente, lendas ridículas foram espalhadas e difundidas entre os católicos a respeito da ordenação de Parker. Existiu, durante breve período de tempo, o perigo de se pensar que a validez ou não das ordenações anglicanas dependesse da vilidez ou não da ordenação de Parker; ao passo que êste ponto é de importância muito secundária e não será necessário insistir sôbre êle. O que importa não é a continuidade material, isto é, a sucessão ininterrupta de sacerdotes ordenados no Anglicanismo. Essa continuidade pôde ter existido e, de todos os modos, seria empreendimento impossível querer demonstrar o contrário.
Preferimos apoiar a argumentação em elementos mais seguros, cuja presença ou ausência pode ser constatada ainda hoje em dia, mediante o exame do “Ordinale” Eduardino.
O “Ordinale” Eduardino
Nossa crítica às ordenações anglicanas não se apóia – como dissemos – sôbre o fato de que tôdas elas dependem de Parker cuja sagração episcopal – realizada sob Isabel I – apresenta muitos aspetos obscuros, mesmo prescindindo das lendas que circularam durante muitos anos. A validez ou não validez da sagração de Parker, após a Bula “Apostolicae Curae”, tornou-se assunto totalmente marginal, a tal ponto que poderíamos conceder tranqüilamente aos Anglicanos que Parker foi sagrado por um Bispo verdadeiro e que, por conseguinte, do ponto de vista da sucessão apostólica sua sagração deveria ser considerada como válida, na hipótese de ter-se usado um “Ordinale” suficiente.
A decisão irrevogável da Igreja de Roma acerca das ordenações anglicanas não foi determinada por uma estreita visão da história ou pela afirmação certa de acontecimentos duvidosos. Ela se apoia sôbre uma certeza, a qual, por sua vez, se funda num fato objetivo, que se pode sempre controlar: o defeito essencial do “Ordinale” Eduardino usado durante 110 anos: defeito de forma e de intenção.
A respeito do “Ordinale” Eduardino, é preciso observar que êle foi fruto da mente apaixonada e hábil de Cranmer, que deliberadamente cancelou – ou fêz conhecer – do mesmo, tudo o que pudesse se referir ao Sacerdócio em sentido católico, ao Sacrifício da Missa, à Presença real eucarística. É um “Ordinale” adaptado e acomodado às idéias heréticas da Reforma luterana, despojado de todos os significados do rito da Igreja Católica, recheado de tôdas as deturpações protestantes.
Qual é a verdadeira fisionomia do “Ordinale” Eduardino? Seus traços podem fàcilmente ser colhidos por quem percorrer na íntegra o rito da ordenação, tanto Episcopal como sacerdotal. São característicos nêle:
1) A ausência absoluta de qualquer referência aos poderes sacerdotais de oferecer e consagrar o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo, e a Presença real eucarística. Se alguém dissesse que êsses poderes não são essenciais ao sacerdócio de Cristo, nós poderíamos responder que, nesse caso, seria perfeitamente inútil continuar a discutir sôbre a validez ou não validez das ordenações anglicanas. A discussão estaria sendo feita em dois planos irreconciliáveis; se a questão está em pé, é justamente porque alguns grupos anglicanos reivindicam para si um sacerdócio como o dos católicos.
2) Jamais se fala na unção dos candidatos nem se entregam aos mesmos os instrumentos (cálice e patena), nem se recita uma fórmula correspondente.
3) Não existe, nesse “Ordinale”, uma menção explícita da Ordem que se quer conferir e de seu poder correspondente.
Em breves palavras, trata-se de um “Ordinale” perfeitamente coerente com as idéias de Cranmer, que bem conhecemos.
Isto dito, passemos a uma afirmação que nenhum anglicano pode contradizer, porque corrresponde a uma verdade histórica exata: desde 1550 até 1661, isto é, durante 111 anos, tôdas as ordenações e sagrações episcopais da Igreja anglicana – inclusive a de Parker – foram realizadas segundo o “Ordinale” Eduardino; sòmente em 1661 é que foi acrescentado a êsse “Ordinale” um esclarecimento de que deveremos nos ocupar mais adiante.
Como se vê, tôda a questão é resolvida num plano eminentemente objetivo, que pode ser controlado também por nós; resume-se na pergunta se pode bastar, de per si, tal espécie de “Ordinale” para conferir um verdadeiro poder de Ordem, mesmo supondo que o Bispo ordenante é um verdadeiro Bispo. A forma do “Ordinale” Eduardino é adequada para isso? Pode-se nela descobrir uma verdadeira, objetiva intenção de ordenar sacerdotes e bispos no sentido que que o entende a Igreja Católica?
Cremos que – mesmo prescindindo da autoridade magisterial da Bula “Apostolicae Curae” – pode-se responder a essas perguntas de modo negativo, sem temor de errar.
Temos de, necessàriamente, descer a certos pormenores de caráter técnico.
Defeito de forma
O defeito de forma, no “Ordinale” Eduardino, foi uma das razões mais fortes que determinou a decisão de Leão XIII contra a validez das ordenações anglicanas; defeito de forma que, como em seguida se vê, reflete um defeito de intenção. A razão que levou Leão XIII a não reconhecer como válidas – por defeito de forma – as ordenações anglicanas é substancialemente a mesma pela qual o Cardeal Legado Polo, enviado à Inglaterra nos tempos de Maria Tudor, não reconheceu como válidas as ordenações anglicanas realizadas de 1550 a 1553, sob Eduardo VI. Só quem tivesse sido ordenado antes de 1550, isto é, antes da composição do “Ordinale” Eduardino, é que foi reconhecido como verdadeiro Bispo e como verdadeiro sacerdote tanto pelo Legado Polo como pela Rainha Maria. Quem tivesse sido ordenado segundo o “Ordinale” Eduardino e manifestasse o desejo de ainda se dedicar à vida sacerdotal, era re-ordenado “de novo et absolute”. Os casos registrados são muitos, tanto antes como depois de 1704, ano em que essa disciplina foi declarada obrigatória pela Igreja Católica.
A praxe constante da Igreja Católica depõe em favor da existência de algum fundamento teológico que a justifique, o qual não pode ser senão o seguinte: o “Ordinale” Eduardino é falto de alguma coisa essencial ao rito da ordenação; e, por conseguinte, é incapaz de conferir poderes sacerdotais ou episcopais.
Em primeiro lugar, falta-lhe uma forma adequada: defeito de forma. Torna-se oportuno relembrar aqui um outro conceito teológico sôbre a natureza dos Sacramentos em geral e do rito sacramental. Como se sabe, o Sacramento é um sinal eficaz da graça, para cuja composição – no sentir católico – concorrem vários elementos. O rito externo representa a parte do sacramento que é mutável no que se refere ao idioma usado e à maneira de expressar-se. Mas existe, no próprio Sacramento, algo de imutável, de instituição divina: é a essência do Sacramento mesmo, aquilo pelo qual êste acontecimento se distingue de qualquer outro acontecimento. O Sacramento compõe-se de forma e de matéria. A matéria, por si só, não basta; assim como não basta, por si só, a forma. Elas são como dois princípios que se exigem mùtuamente (co-princípios), embora de maneira diversa. A matéria é, de per si, indeterminada e pode servir para significar as coisas mais diversas.
É a forma que determina a matéria, e por assim dizer, a restringe a significar uma coisa só. Assim, por exemplo, no Batismo, a água constitui a matéria do sacramento. É claro que a água pode, de per si, significar muitíssimas coisas; de fato, ela se encontra em muitos ritos eclesiásticos e com significados diversos; ela é usa até mesmo na Santa Missa, até é derramada no cálice juntamente com o vinho. Quem determina, restringe o significado da água, no Batismo, é a forma “ego te batizo…” que acompanha o uso da matéria. É da união da matéria com a forma, por sua vez não separadas da intenção do ministro de fazer aquilo que a Igreja entende fazer com aquêle rito, que provém o Sacramento e que se produzem na alma os efeitos do mesmo.
A falta de matéria adequada ou de forma apta faz com que fique inválido o sacramento, mesmo havendo reta intenção da parte do ministro. Agora, se, além disso, faltar também a intenção do ministro, dever-se-á, com maior razão, negar que se verificou um sacramento.
Apliquemos êstes elementos técnicos ao nosso caso. Tanto para os católicos como para os anglicanos, a matéria da Ordem consta da imposição das mãos que, de per si, é indeterminada. Por si só, ela é insuficiente para exprimir algum significado particular, exatamente porque, por si só, ela pode significar muitas coisas; qualquer determinação da mesma, por conseguinte, se deriva da forma, ou seja, das palavras pronunciadas pelo Bispo, ao impor as mãos sôbre os ordenandos.
Ora, quais são essas palavras no “Ordinale” Eduardino? Tomemos, por exemplo, a sagração dos Bispos, que mais diretamente cai dentro da nossa questão. Nela, as palavras que acompanham – como forma, a imposição das mãos são as seguintes: “Accipe Spiritum Sanctum ac memento, ut resuscites gratiam Dei, quae est in te per manuun impositionem. Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris, sed virtutis et dilectionis et sobrietatis”.
É claro que a substância desta forma é dada pela três primeiras palavras, e que o resto é apenas uma exortação, que poderia ser boa para qualquer cristão em qualquer momento da vida. Mas o impressionante é que, mesmo nas três primeiras palavras, não há nada que exprima alguma referência ao Sacramento da Ordem ou aos efeitos do mesmo. As três primeiras palavras da forma Eduardina poderiam ser usadas indiferentemente para a Confirmação ou para qualquer outro rito eclesiástico.
Ora, se uma coisa é certa, é que a Igreja sempre se preocupou – na administração dos sacramentos – de que a forma fôsse idônea e unívoca, exprimindo explìcitamente a função e o ofício daquilo que está para ser conferido. Tôdas as liturgias – católicas e orientais ortodoxas, – apesar da variedade dos ritos, são, a êsse respeito, concordes.
O “Ordinal” Eduardino representa, neste assunto, uma exceção bem significativa.
Se é verdade que, em 1661, sob Carlos II, foi inserido no “Ordinale” um acréscimo capaz de tornar suficiente a sua forma, a saber: “Accipe Spiritum Sanctum – in officium et opus Episcopi in Ecclesia, –” é também verdade que êsse acréscimo foi introduzido depois de 111 anos de uso do antigo “Ordinale” Eduardino, isto é, quando – por defeito de forma – já se tinha extinguido o legítimo e verdadeiro poder dos Bispos da Inglaterra. Se não é evidente que êsse acréscimo ao “Ordinale” Eduardino foi feito justamente para obviar a algum defeito de forma [Staleu, Obra citada, pág. 110], certamente é verdade que êsse defeito existia objetivamente – fôsse consciente ou não – e que foi bastante para – em 111 anos – extinguir a jerarquia na Igreja Anglicana.
Se alguns autores católicos, antes da Bula de Leão XIII, puderam julgar válidas as ordenações anglicanas mesmo no sentido católico, foi por terem considerado sòmente a continuidade material da sucessão, sem preocupar-se se aquilo que nela há de mais íntimo e formal era ou não era suficiente no “Ordinale” Eduardino.
Defeito de intenção
Como sabemos, matéria e forma não bastam, por si sós, para constituir um sacramento válido. É preciso também que o ministro do Sacramento tenha uma devida intenção. Esta, porém, não está necessàriamente em conexão com a santidade do ministro.
A Igreja, em sua praxe, considera como válidas as ordenações e os sacramentos – embora conferidos por ministros indignos, – quando consta que os mesmos têm a intenção de fazer aquilo que a Igreja pretende com um determinado rito.
Mas, como se poderá julgar da intenção de um ministro? A intenção é um ato essencialmente interno, de per si invisível. É verdade, mas também é verdade que a intenção se manifesta, como muitos outros atos interiores, mediante ações externas, mediante palavras ou gestos que, por assim dizer, lhe tornam sensível o conteúdo.
Se, no rito das ordenações anglicanas, há alguma coisa que diretamente contraria o costume e a intenção da Igreja Católica, ninguém poderá presumir que os que seguem cientemente êsse rito têm a intenção de conformar-se à Igreja Católica. Há certeza, até, do contrário.
Vindo ao nosso caso, quanto ao “Ordinale” Eduardino não há dúvida de que quem o compôs tinha a intenção de agir a despeito da Igreja de Roma e contra a mesma, e também contra o costume até então observado. Por essa razão, no “Ordinale” foram suprimidas tôdas as expressões católicas mais significativas. Quase diria que o “Ordinale” Eduardino é a manifestação ritual de uma oposição ideológica à doutrina do sacerdócio católico, da Missa e dos Sacramentos. A conseqüência é evidente: quem usa êsse “Ordinale” – contrário no espírito e na forma à Igreja Católica – não poderá ter a intenção de fazer aquilo que faz a Igreja. Esta sentença não pretende absolutamente indagar os sentimentos íntimos de um ministro; é uma senteça que brota da conexão existente entre aquilo que alguém pronuncia e aquilo que pensa: jamais se pode presumir – sem prová-la – uma discordância entre pensamentos e palavras. A exclusão – nas palavras do “Ordinale” Eduardino – da vontade de conseguir um determinado efeito, como o Sacerdócio católico, impede-nos de poder conceber, no ministro, uma verdadeira intenção de fazer aquilo que a Igreja Católica intende fazer mediante o rito da Ordenação.
O que fêz Cranmer, introduzindo “de industria” idéias anti-católicas no “Ordinale” Eduardino, reflete-se – em cada ordenação anglicana – não sòmente como defeito de forma, mas também como defeito de intenção.
Conclusão
Como se vê, as razoes acima expostas, embora substancialmente sejam as mesmas da Bula Apostolicae Curae, também são válidas do ponto de vista exclusivamente crítico. Valem tanto para nós como para qualquer outra pessoa que queira raciocinar.
Existem, aliás, ainda hoje, teólogos anglicanos – fora do círculo estritamente anglo-católico – que cândidamente admitem as razões acima expostas. Aludindo às modificações introduzidas no “Ordinale” Eduardino assim se exprime um teólogo anglicano: “A mais importante destas modificações é a re-definiçao da função do sacerdote… Tôda linguagem sacerdotal é abandonada. O padre anglicano é um presbítero, não um padre sacrificador. Tôda a solenidade do precônio solene insiste sôbre os aspectos pastorais e proféticos do ministro. O espaço reservado a êsse precônio é, também êle, um novo elemento no culto religioso, e deve-se à ânsia dos reformadores de esclarecer em que sentido entendiam as funções do sacerdócio. Os apologetas romano-católicos dizem que a intenção da Igreja Anglicana mudou por ocasião da Reforma, isto é, que desde 1550, ela não pretendeu ordenar padres no sentido romano. Essa afirmação deveria ser cândidamente admitida” [D. E. W. Harrison, The Book of Commom Prayer, pág. 153, Londres, 1946].
Quem mais perturbado ficou com a decisao papal – é óbvio – foram os homens do Movimento Ritualista, os anglo-católicos. A decisão papal mostrou-lhes que qualquer Via Média – embora por êles acariciada – era um absurdo. A lógica impunha que ou se recaísse no Anglicanismo puro – abandonando qualquer veleidade de união com Roma, – ou se desse um passo decidido e total em direção a Roma.
As conversações de Malines, iniciadas em 1921, – que tanta boa vontade mostraram de ambas as partes, mas que ao mesmo tempo manifestaram a grande distância que ainda separa as duas Igrejas – marcaram o ponto culminante e a última grande tentativa de união com a Igreja Católica.
Atualmente, tanto dum lado como do outro, existe uma convicção absoluta: se, futuramente, puder se verificar alguma união entre Roma e o Anglicanismo, essa união só poderá realizar-se de uma maneira: pela total adesão dos que agora estão na Igreja Anglicana à íntegra doutrina da Igreja Católica.
* Foto: os templos anglicanos, principalmente os mais antigos, foram confiscados na época da Reforma protestante no século XVI e pertencem hoje à igreja da Inglaterra, que é uma
“ igreja nacional” , pois o seu chefe é o Rei ou a Rainha da Inglaterra. Portanto, os ordinariatos vêm administrando a nova situação como podem. Em alguns casos, parece que pensam mesmo em alugar alguns templos anglicanos fora de uso ou mesmo comprá-los, o que é difícil, pois se trata de uma patrimônio estatal.
Uma curiosidade: Quando Bento XVI esteve na Grã Bretanha, ele participou de uma celebração das Vésperas na Abadia de Westminster junto com os anglicanos. Na ocasião, ele lembrou que aquela
“abadia” (pois, desde a Reforma, não há mais monges lá) era beneditina e que o Rei Santo Eduardo, o Confessor, a construíra depois de uma peregrinação a Roma, onde ele prometera ao Papa construir a ele (o Papa) uma igreja particular em Londres que seria confiada aos beneditinos. Este é um fato pouco conhecido, tanto que o nome oficial da Abadia de Westminster é “Abadia de São Pedro” . Como ela pertencia, por desejo de Eduardo, o Confessor, ao Papa, durante a Reforma ela se tornou uma capela particular do Rei (ou Rainha) da Inglaterra, que inclusive nomeia o deão e seus auxiliares. O arceleigo de Canterbury, Dr. Williams (o ex primaz anglicano) e o Bispo -leigo- de Londres, Dr. Richard Chartres, são hóspedes na Abadia, pois quem manda lá é o chefe da Igreja da Inglaterra, a Rainha.
reprodução do Capítulo VII, do livro “O Anglicanismo – Panorama Histórico e Síntese Doutrinária” (págs. 173-199), do padre Giuseppe Regina, publicado em português pelas Edições Paulinas, São Paulo: 1960, tradução do padre Jorge In. Loureiro Maissiat, S.J., do original italiano “L’Anglicanesimo – Panorama Storico e Sintesi Dottrinale”. A grafia foi mantida sem correções ortográficas. Transcrito e comentários na introdução e fechamento por