Uma coisa é a violência malevolente, outra coisa é a guerra justa. A guerra não é necessariamente um mal absoluto; às vezes, é relativo (e urgente).
Tanto a brutalidade irracional quanto o pacifismo idiota do século XXI são diametralmente opostos ao ideal cristão aparentemente contraditório (aparentemente) de caridade e afirmação da justiça.
E guerras justas, sim, provêm de Deus.
O que diz o Catecismo:
“É preciso considerar com rigor as condições estritas de uma legítima defesa pela força militar. A gravidade de tal decisão se submete a condições rigorosas de legitimidade moral. É preciso ao mesmo tempo que:
1 - o dano infligido pelo agressor à nação ou à comunidade das nações seja durável, grave e certo;
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2 - todos os outros meios de pôr fim a tal dano se tenham revelado impraticáveis ou ineficazes;
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3 - estejam reunidas as condições sérias de êxito;
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4 - o emprego das armas não acarrete males e desordens mais graves do que o mal a eliminar. O poderio dos meios modernos de destruição pesa muito na avaliação desta condição.
Estes são os elementos tradicionais enumerados na chamada doutrina da ‘guerra justa’.
A avaliação dessas condições de legitimidade moral cabe ao juízo prudencial daqueles que estão encarregados do bem comum.”
Fazer nossa parte como católico responsável, é fazer o que nos propõe a Igreja, já que ela ensina o que nos ensinou Cristo. Aderir a ela é fonte de sabedoria. Mas é preciso conhecer o que ela ensina e entender o porque de ser do que ela ensinou. Se caso não compreendemos, não é ela a errada, mas nós.
O que vemos é muito romantismo por conta de quem acha que a guerra justa é algo mau, lembramos que o Cristianismo não é um sonho de padaria confeitado com açúcar, se hoje temos uma paróquia onde podemos receber Cristo Eucarístico pode ter certeza que houve muitos irmãos mártires que em luta derramaram seu sangue pela Fé Católica.
Da Guerra Santa ás missões - A Igreja das Catedrais e das Cruzadas ( Transcrito da Obra História da Igreja) de Daniel Rops - da Academia Francesa A Reconquista.
Uma apaixonante história a luta que os cristãos da Espanha, ajudados por muitos dos seus irmãos de todo o Ocidente, travaram durante toda a Idade Média e mesmo depois de começada a Idade Moderna, para retomarem ao Islão a sua Península. Esta história é cristã? Por muitas das suas características parece-o pouco, ainda mais nestes tempos românticos, em que se tolera tudo - menos a intolerância -, pois está cheia de violências selvagens e de apetites saciados, de dureza e de ferocidade. Os dois adversários mostraram-se com demasiada frequência de uma crueldade quase inacreditável: houve um emir que guardava num cofre as cabeças cortadas dos seus inimigos para se divertir com o espetáculo; mas também se conhece o caso de um infeliz alcaide que Cid o Campeador (El Cid) mandou literalmente assar vivo, lançando-o num fosso cheio de carvões em brasa. Ao lado destes horrores, a história da Reconquista abunda em episódios sublimes, em que andam a par o heroísmo e o espírito de sacrifício, e em que o mais alto ideal anima homens para quem a vida é menos preciosa do que a honra de Deus. Todas as paixões, as mais nobres e as mais baixas, o idealismo cavalheiresco assim como o sórdido realismo e o desregramento sexual, acharam com que satisfazer-se nestas guerras; mais ainda que na Cruzada oriental, podemos avaliar aqui o que o cristianismo medieval tinha simultaneamente de sobre-humano e de demasiado humano.
Na base do empreendimento, encontra-se a intenção propriamente religiosa. Para os dois adversários, tratava-se de tomar ou conservar terras, mas mais ainda de expandir ou proteger o campo em que se afirmava uma fé. “Os mouros gritavam: Mohammed! Os cristãos gritavam São Tiago!”, diz o poema do Cid. A história da Reconquista – como a das expedições do Oriente e talvez mais – é a história de um confronto entre duas religiões, a luta de uma Guerra Santa contra outra Guerra Santa, da Cruz contra o Crescente do Islã.
A Igreja compreendeu-a como tal. Desde que começou, a Reconquista foi encorajada, abençoada e ajudada por ela. Em 1063, Alexandre II concedia uma indulgência geral aos cavaleiros franceses que fossem ajudar os seus irmãos espanhóis (é o que se chama a “Bula da Cruzada” ou a bula Eos Qui in Ispaniam (essas são as suas primeiras palavras). Encontrar-se-á um comentário muito interessante no Dictionnaire de droit canonique, de R. Naz, fascículo XXII, coluna 774 e seguintes). Antes de a Cruzada existir, a guerra da Espanha foi como que o seu anúncio, e quando desenrolou os seus episódios, essa guerra foi como que o seu anexo, a sua asa direita, onde era tão meritório combater como na Palestina. O Papado, aliás, não era o único a alimentar esse interesse ativo pela Reconquista: as grandes Ordens religiosas quiseram associar-se ao empreendimento e ajudar a enraizar a Cruz nas terras conquistadas pelos soldados; os monges de Cluny, a partir de 1033, e os de Cister, cem anos mais tarde, instalaram-se na Península, fornecendo os titulares para os cargos episcopais. E como poderia todo o povo cristão desinteressar-se destes combates, se neles se jogava a sorte de um dos lugares de peregrinação mais queridos ao seu coração? À frente dos exércitos da Reconquista, não era o “barão São Tiago” que dirigia os ataques contra os inimigos? O próprio êxito em Compostela não estava estritamente ligado ao prosseguimento da guerra santa contra o Islão?
Ao apelo da Igreja, serão muitos os voluntários que irão combater o mouro na Península. Desejo de ganhar indulgências, esperança de ocupar algum pedaço de terra, gosto pela aventura e paixão guerreira, tudo contribuirá para alimentar uma corrente que não se extinguirá durante três séculos. Os franceses, vizinhos imediatos, ocuparão um lugar de destaque, a tal ponto que os espanhóis os verão como um certo estorvo. Foram para lá de todos os meios e de todas as regiões e, assim, vamos encontrar entre eles nomes como os de Talleyrand, os Turenne, os d’Abret. Os senhores do sul, do Languedoc e provençais, figuraram na primeira linha, pois muitas vezes tinham interesses teritoriais e matrimoniais para além dos Pirineus. Empreendimento cristão e ao mesmo tempo obra do patriotismo espanhol, com uma grande participação francesa, assim foi a Reconquista, em que a Península e os seus povos, ao escreverem uma gesta magnífica, tomaram consciência de si próprios e do seu destino.
Havia já trezentos e cinquenta anos que a terra ibérica era dominada pelo Islão. A terrível valga que avançara até o limiar do Poitou, onde Carlos Martel a detivera, imobilizara-se em quatro quintos do país. Mas, alagada pela maré infiel, a cristandade da Espanha, nascida do sangue do mártir Hermenegildo, nunca se resignara a deixar-se afogar. Mesmo nas regiões em que Maomé triunfara, os cristãos “moçárabes” mantinham a sua fé viva, e, por volta de 850, tiveram os seus mártires: o arcebispo Eulógio, o padre Perfecto e essas duas encantadoras jovens de vinte anos, Maria e Flora, que derramaram o seu sangue em Córdova. Subsistira, pois, uma vida cristã, e os vencidos tinham conseguido que se observasse o seu estatuto, “a lei dos visigodos”, e se garantisse a sua aplicação por meio de “defensores”. Havia bispos que chegavam a reunir os seus concílios, e houve comunidades monásticas que subsistiram, algumas delas ligadas a Saint-Germain-des-Prés e a Gorze.
No entanto, não nos façamos ilusões: aqueles núcleos cristãos estavam em baixa constante, contaminados pelos costumes muçulmanos, divididos entre os exaltados, que sonhavam com o martírio, e os prudentes, que tendiam à submissão. Era tempo de que a Cristandade viesse ajudá-los a sobreviver.
Entretanto, escondidos nas montanhas do Norte, conforme o exemplo dado outrora pelo heróico rei Pelágio, pequenos reis, mais ricos de coragem que de dinheiro ou tropas, tinham conseguido salvar a sua independência, preparando assim as bases de partida para as futuras ofensivas da Reconquista. No limiar do século XI, a fronteira entre a zona muçulmana e a zona cristã, partindo do Atlântico, seguia o curso do Douro até os arredores de Osma, dali subia para as imediações do sul de Pamplona, e depois dirigia-se para o Mediterrâneo, que alcançava em Barcelona. Ao norte, alongava-se a cadeia dos Estados católicos: Astúrias, criação de Pelágio, estendida depois até o Douro e unida à Galiza, tendo por capital Leão; o condado de Castela, prestes a tornar-se um Estado; Navarra, que englobava os condados pirenaicos e se estendia até o Ebro superior; Aragão, durante muito tempo ligado a Navarra e que se tornou reino por via de sucessão; e, finalmente, a Catalunha, antiga “marca” de Carlos Magno, que se tornara condado feudatário do rei da França. Muito enérgicos e decididos, todos estes pequenos Estados tinham apenas um defeito, mas grave: estavam frequentemente desunidos. As suas histórias dinásticas, prodigiosamente emaranhadas, estavam e estariam recheadas de guerras fratricidas. E essa desunião teria sido fatal para a Reconquista se a desunião do Islão não tivesse sido ainda pior.
A Espanha muçulmana tinha atingido o seu apogeu quando, em 929, a dinastia árabe-síria dos Omíadas tomara o título imperial de Califa e, através do estreito de Gibraltar, passara a dominar quase toda a África do Norte. A sua capital era Córdova, magnífica, célebre pelas suas escolas e artistas, de um esplendor que ainda hoje nos é testemunhado pela sua admirável mesquita. Granada e Sevilha não ficavam atrás.
Pouco agressivo durante muito tempo, limitando-se a vigiar a fronteira por meio da cadeia dos ribats, espécie de conventos-fortaleza, o califado de Córdova tinha no entanto causado graves preocupações aos cristãos do Norte pouco antes do ano mil, quando o terrível Almançor lançara, golpe sobre golpe, constantes investidas em leque de Coimbra a Barcelona, chegando em 997 a tomar e arrasar Santiago de Compostela, onde poupara apenas o santo túmulo. Mas, por volta de 1050, a situação já não era tão perigosa. Diversas províncias tinham-se separado de Córdova, onde os califas dormitavam na poesia e na sensualidade. Em 1031, o califado era abolido e substituído por uma federação de vinte e três pequenos Estados, os taifas. Os cristãos tinham a partida ganha, se o quisessem.
E houve um homem que o quis: Fernando I o Grande, rei de Castela (1033-1065). Aproveitando-se das dissensões muçulmanas, põe sítio sucessivamente aos pequenos taifas de Toledo, de Saragoça, de Badajoz, amedrontando o voluptuoso rei de Sevilha, Motamid, que acaba por prestar-lhe submissão. Com a sua morte, um dos seus três filhos, Afonso VI, depois de resolver com guerras fratricidas a questão da herança (1065-1109), retoma a ofensiva: chama cavaleiros da Borgonha, compatriotas de sua mulher Constança, e apóia-se também nos monges de Cluny e no papa Gregório VII (que mencionei em outro tópico por ser filho de um pastor de cabras), que prega uma verdadeira cruzada a seu favor. A vida dos muçulmanos torna-se terrivelmente dura.
Durante sete anos, os cavaleiros blindados do rei, irmãos daqueles que vemos na tapeçaria de Bayeux acompanhando Guilherme à Inglaterra, atacam os taifas. Saragoça, Valencia, Sevilha e mesmo Granada são alvo das suas investidas. Toledo, a cidade tão amada dos cristãos, cai em 1085, depois de um cerco de vinte e cinco meses. Afonso ocupa toda a meseta castelhana entre o Douro e o Tejo. Toleti Imperii rex et magnificus triumphator: que belo título usa agora o ex-pequeno rei das regiões do Norte! Na praia de Tarif, no mesmo lugar onde tinham desembarcado os primeiros esquadrões do Islã no século VIII, impele o seu cavalo para o mar, como se quisesse lançá-lo ao ataque contra a África, exlamando: “Atingi o extremo da Espanha!”.
Belos feitos de armas, embora esporádicos e desconexos. O Islão sofreu um abalo terrível, e os emires cederam por toda a parte: navarros e aragoneses avançaram sobre Tudela, e os castelhanos sobre Saragoça. O domínio muçulmano na Espanha parecia prestes a desmoronar. E foi então que uma peripécia dramática mudou totalmente o rumo dos acontecimentos. A três mil quilômetros da Europa, na ponta sul do Saara, tivera lugar por volta de 1035 uma revolução religiosa. Peregrino de Meca, Abd-Allah-ibn-Yasin empreendera uma reforma entre os tuaregues, esses nômades do deserto, semelhantes quanto aos costumes e à ferocidade aos beduínos de Mohammed (Maomé) ou aos mongóis de Gêngis Khan. Usando um véu azul na parte inferior do rosto para se defenderem das areias, enigmáticos, fanáticos, perfeitos cameleiros e cavaleiros invencíveis, esses homens tinham atravessado o deserto e marchado sobre as boas terras do Magreb.
Para eles, a guerra era acima de tudo uma questão religiosa, um ato de fé. Queriam reconduzir os muçulmanos à estrita religião do Profeta, castigar os relaxados e os impuros. Puritanos do deserto, agrupavam-se em verdadeiras comunidades religiosas e militares. “Templários islâmicos”, chamou-lhes J. Béraud-Villars, mas o seu nome era al-mourabitun, os marabus, que os cristãos iam conhecer por almorávidas, deformando a palavra. Em 1055, o Tafilé caiu-lhes nas mãos; depois, foi a vez do Sus e de todo o sul de Marrocos. Em 1059 morreu Ibn-Yasin e o novo chefe, Yusuf-ibn-Tachfin, mostrou-se ainda mais empreendedor. Atravessou o Atlas, e o Marrocos do Norte caiu totalmente em seu poder, logo seguido por Udja, Tlemcen, Orão e Uarsenis. Em 1082, alcançava as muralhas de Argel.
No extremo perigo em que se encontravam, devido a Afonso VI, os emires da Espanha lançaram os olhos amedrontados para os gloriosos homens do véu. Não sem inquietação, pois perceberam bem o perigo que podiam fazer correr aos seus pequenos Estados com aliados tão terríveis. Motamid, no entanto, resumiu a opinião dos companheiros, declarando: “Antes quero guardar camelos no Magreb do que porcos em Castela”.
A partir desse momento – fins de junho de 1086 -, a situação na Península experimentou uma reviravolta. Em vez da poeira dos taifas, os cristãos teriam pela frente um povo magnificamente guerreiro, exaltado pela convicção de ser o verdadeiro arauto do Profeta e que não se embaraçaria com as combinações de negócios e de casamentos que os emires espanhóis tinham todos mais ou menos ajustado com os cristãos. Em alguns anos, os almorávidas liquidavam os taifas e impunham à Espanha a sua autoridade rígida e os seu puritanismo. Quanto aos cristãos, o primeiro embate foi-lhes fatal. Ocupado imprudentemente no outro lado do Tejo, Afonso VI foi surpreendido por Yusuf em Zalaca (entre Badajoz e Albuquerque) no dia 23 de outubro de 1086. Desorientados pelo ataque dos cavaleiros velados, de negros cheios de cicatrizes, de beduínos da Argélia, e vendo os seus cavalos apavorados com o ruído dos tantãs e a presença dos camelos, os cristãos debandaram. Afonso e os homens que lhe restavam refugiaram-se em Toledo, enquanto os tuaregues erguiam enormes pirâmides com as cabeças cortadas dos vencidos, e os muezzins, do alto delas chamavam os crentes para a oração da tarde.
Já não se tratava de expulsar os muçulmanos, mas de salvar o que ainda restava da Espanha cristã. Organizou-se a resistência, que iria ser resumida por um nome e encarnada por um homem, aquele que a história e o poema conhecem por El Cid, ou Cid o Campeador. A literatura, idealizando-a, deformou completamente a sua personagem. O herói puro, nimbado de paixões nobres e de juventude, que Corneille nos ensinou a amar, era na realidade Rodrigo de Bivar, pequeno fidalgo de Castela, certamente um herói, de uma bravura louca e de um inexcedível pendor para a guerra, mas também um aventureiro que distinguia muito mal os interesses pessoais dos da Cristandade, uma alma repleta de contrastes, em quem os ímpetos da pior violência conviviam com um sincero amor aos pobres e uma real humildade.
Indisposto com Afonso VI, sobre o qual lançara publicamente a suspeita de Ter sido o assassino de seu irmão, e pondo-se a serviço do emir de Saragoça contra o rei muçulmano de Lérida, este homem, aliado também do conde de Barcelona, revelou-se quando assumiu o comando da luta contra os almorávidas e passou a desferir contra eles golpes terríveis. O mais notável foi a tomada de Valência em 1094, depois de vinte meses de cerco. Rodrigo transformou a mesquita em catedral e colocou lá um bispo. O seu valor, as suas proezas galvanizaram a Espanha: tornou-se o símbolo vivo da resistência aos homens de véu. Campidoctor, mestre de guerra, diziam os cristãos latinos; o Sid, o senhor, diziam os muçulmanos. Mais uma vez ainda, em Bairen, embora com dificuldade, deteve uma ofensiva.
Quando morreu – em 10 de julho de 1099, no momento em que os cruzados tomavam Jerusalém (ironia do destino? Morreu um herói da causa cristã no momento da tomada da Cidade Santa... Coincidências que talvez incomodem os que apenas entendem o mundo como simplesmente material) – , toda a Península chorou, incluído o rei Afonso. E quando, um pouco mais tarde, a sua corajosa viúva, Ximena, tendo de evacuar Valência, conduzia num caixão guarnecido de ouro os restos mortais do grande soldado, conta-se que a simples visão do cortejo foi suficiente para dispersar o inimigo.
O impulso dado pelo Cid fez-se sentir em toda a Península. Inicialmente desconcertados pelos ataques almorávidas, os cristãos, espanhóis e numerosos franceses, contra-atacaram. Marcharam sobre Huesca, sobre Balaguer, e chegaram atá a desembocadura do Tejo, onde, em 1093, recuperaram Santarém, Lisboa e Sintra. Grandes investidas começaram de novo a varrer o país muçulmano, até Almeria e Múrcia. Mas a situação continuava incerta; os velados lançavam também grandes razzias através da Espanha; em 1108, Telmim, filho do velho Yusuf, tomava Ucles e, em 1111, estendia uma vasta rede por todo Portugal, de Évora a Lisboa e ao Porto, arrancando ao conde Henrique de Borgonha o fruto de vinte anos de luta. Em 1114, os mouros apoderavam-se das Baleares e atacavam Barcelona, que só foi salva pela intervenção de um exército vindo do outro lado das montanhas. Houve, assim, uma terrível sobreposição de operações, desastrosas para toda a Península: parecia ter-se atingido um equilíbrio entre os adversários
Um novo chefe cristão, porém, iria alterá-lo: Afonso I, rei de Aragão, cognominado o Batalhador (1104-1134). Impôs-se aos seus compatriotas pela sua coragem e ardor nos combates. Estrondosas vitórias balizaram o seu caminho: Saragoça foi retomada em 1118 e o inimigo esmagado em Cutanda, em 1120. Um raid prodigioso, em 1125 e 1126, levou-o por Valência e Múrcia até o coração do reino andaluz, a Córdova e Granada. Como o seu antepassado, ele também entrou com os seus cavalos no mar, diante da África. Quando morreu, pouco depois da sua única derrota, tinha ensinado definitivamente à Espanha que o poder dos almorávidas não era invencível.
Mas, uma vez mais, uma peripécia religiosa e política veio mudar a situação. Da mesma forma que tinham nascido de uma reforma religiosa, os almorávidas iriam morrer de outra. Muitos muçulmanos os acusavam de serem puritanos em excesso, formalistas, uma espécie de materialistas (?) que esvaziavam a revelação do Alcorão do seu conteúdo espiritual. Um mahdi, Mohammed-Ibn-Tumart, cristalizou essa oposição, e os seus “confessores da Unidade divina”, os almóadas, pregaram a guerra santa contra os velados. A partir de 1122, o Marrocos mergulhava em fogo e sangue, e, em 1146, todo ele se tornou almóada, no meio de uma avalanche de horrores.
Os cristãos da Espanha teriam podido aproveitar essa situação se tivessem sido capazes de se unir. Os almorávidas minados pelos seus inimigos almóadas, estavam em baixa; aliás, encontravam-se também singularmente mais gordos e amolecidos, por sua vez, pela doce vida andaluza. O rei de Castela Afonso VII chegou a proclamar-se “Imperador da Espanha” e a obter vagos juramentos de fidelidade de Aragão e de outros grandes; pôde mesmo recomeçar algumas investidas e chegar até Córdova, mas a ofensiva que podia Ter sido decisiva não foi levada a cabo e os cristãos, no decurso do ano de 1145, deixaram que a Espanha almorávida passasse para as mãos dos puros e intransigentes almóadas.
E assim nasce Portugal!
A guerra assumiu então um caráter de maior violência. Enquanto os almóadas encontravam sérias dificuldades para arrematarem as suas conquistas sobre o que restava dos almorávidas, os cristãos retomavam a ofensiva. A oeste, Portugal entrou gloriosamente na história com Afonso Henriques, neto do duque de Borgonha, bisneto de Roberto, rei da França, e neto de Afonso VI por parte de mãe, o qual, vencedor dos mouros em Ourique em 1134, e proclamado rei pelos seus homens, tomou definitivamente Lisboa, em 1147, com a ajuda de uma armada de cruzados ingleses e franceses; em seguida, atravessando o Tejo, estendeu o seu domínio até as fronteiras do Algarve, e foi reconhecido rei pelo papa Alexandre III em 1170.
A nordeste, os aragoneses, os catalães e os castelhanos, agora quase aliados ou pelo menos de acordo sobre a futura partilha da Espanha libertada dos mouros, atacaram por toda a parte, e foi necessário que o chefe almóada, Yacub, pusesse em jogo toda a sua habilidade estratégica para deter essa ofensiva com a vitória de Alarcos, em 1195.
Mas Alarcos seria a última página de glória dos almóadas na Espanha. Iniciava-se o décimo terceiro século e o reinado de Inocêncio III. Sob o impulso do arcebispo Rodrigo Jiménez, de Toledo, reuniu-se um poderoso exército: de novo a Cristandade inteira enviava os seus voluntários; o grande pontífice patrocinava a cruzada espanhola, como a do Oriente. Três reis - Sancho VII de Navarra, Pedro II de Aragão, Afonso VIII de Castela - assumiram o comando. Depois de concentrar-se em Toledo, em junho de 1212, o exército atravessou a Serra Morena e foi encontrar o Islã em posição de batalha, pronto para lutar até a morte. Sentado sobre um escudo, com a fronte cingida por um turbante verde, Yacub dirigia as operações do alto de uma elevação. Ao som ritmado dos tambores, os muçulmanos atacaram. A muralha blindada dos cavaleiros cedeu um momento, refez-se, pôs-se em movimento, e seguiu-se então a formidável carga dos cavaleiros de ferro sobre os lanceiros almóadas; logo se estabeleceu a desordem nas fileiras do Islã, com a derrota e uma terrível carnificina. Entre os imensos despojos, encontrou-se o estandarte azul estrelado a ouro dos califas, que foi içado na catedral de Toledo. Era o dia 16 de julho de 1212, em Navas de Tolosa. A Cristandade inteira exultou de alegria com a notícia e a Igreja de Espanha celebraria todos os anos este "triunfo da Cruz".
A Igreja... Devemos admirar-nos de vê-la participar de batalhas tão selvagens? A imagem do arcebispo de Narbonne e do primaz de Toledo assistindo à carnificina de Navas e dando graças a Deus, enquanto percorriam o campo de batalha onde os cadáveres muçulmanos apodreciam, é algo que choca as nossas sensibilidades modernas. Mas eram assim os costumes do tempo, e os combates da Terra Santa dão-nos muitos outros exemplos disso. É preciso até reconhecer o lugar preeminente que a Igreja ocupou nesta luta mais de duas vezes secular.
Sem ela, teria a Reconquista chegado a bom termo? Tantos príncipes cristãos, mais ou menos arabizados, estavam prestes a entender-se com os mouros! Tanta gente boa teria preferido uma semi-apostasia a um heroísmo desastroso! Clérigos, bispos, monges atiçaram sem cessar o zelo dos nobres e das tropas, e os chefes da Igreja, à custa de incríveis dificuldades, conseguiram que os chefes políticos e militares se pusessem de acordo e se unissem numa santa intenção.
O testemunho mais categórico desta profunda ação da Igreja na tarefa da Reconquista foi-nos dado pela criação das Ordens militares da Espanha. Foram elas inicialmente inspiradas a Afonso o Batalhador pelos ribats do Islã? É o que se tem sustentado. O certo é que fundou a Ordem dos Cavaleiros de São Salvador, com uma cruz de oito raios sobre o manto branco. Mas em breve se espalhou pela Espanha a glória das Ordens militares da Terra Santa. Um rei de Barcelona quis ser sepultado com o hábito de templário. Dois senhores de Salamanca reuniram-se com amigos num terreno murado cheio de pereiras para fundarem uma Ordem semelhante: a dos Cavaleiros de São Julião da Pereira. Alguns anos mais tarde, em 1156, nas margens do Tejo, sobre o rochedo de Alcântara, esta Ordem, transplantada, experimentava um considerável desenvolvimento, e o seu escudo de ouro com a cruz ornada de sinople aparecia gloriosamente em todos os combates. Mais ou menos na mesma ocasião, em 1158, como os templários que ocupavam a praça de Calatrava entenderam que não a podiam conservar, dois monges – São Raimundo de Fitero, abade, e o irmão Diogo Velasquez – propuseram-se defendê-la, e logo se formou à sua volta um grupo de cavaleiros de fé ardente, cujo escudo de ouro, com a cruz ornada de fauces, acompanhada por duas listas negras verticais e horizontais, brilhou no combate.
Quanto aos Cavaleiros de São Tiago, nascidos em 1161 e organizados pelo papa em 1175, sabe-se que a sua vocação era proteger os peregrinos nas estradas de Santiago de Compostela e manter os albergues; mas tiveram muitas vezes de tomar parte também em batalhas e sempre se comportaram com bravura. Cavaleiros de Alcântara, de Calatrava, de São Tiago, estritamente submetidos ao seu grão-mestre, ao seu conselho supremo e aos seus comendadores, tais foram as Ordens militares que desempenharam um papel capital na página decisiva da Reconquista, no limiar do século XIII, tão decisiva como a primeira preocupação de Fernando o Católico, quando expulsar em 1492 os últimos mouros da Espanha, será a de submeter as Ordens militares ao poder real: daí por diante, terão por grão-mestre o próprio rei. Todos eles encarnaram o heroísmo cristão da Espanha no que teve de mais puro, de mais belo.
A vitória cristã de Navas de Tolosa foi o dobre de finados do poder almóada. Enquanto Jaime I de Aragão, o Conquistador, retomava do Islã as Baleares e, em 1238, com a ajuda de uma multidão de cruzados ingleses e franceses, o expulsava de Valência, a cidade do Cid, em Castela e Leão reunidos um grande rei, um homem de ferro que era também um verdadeiro cristão, Fernando III, o Santo (1217-1252), travava a luta pela retomada da Andaluzia. Proclamando-se “cavaleiro de Cristo, servidor de Deus e porta-bandeira de Monsenhor São Tiago”, daria à Reconquista todo o seu caráter de guerra santa cristã. Em 1236 caía Córdova, após um cerco de vários meses: havia quinhentos e vinte e cinco anos que pertencia ao Islã, mas os cristãos não voltariam a perdê-la. Os sinos de Santiago de Compostela, que Almançor, em 997, levara para lá às costas de prisioneiros cristãos, foram de novo transportados para o santuário da Galiza às costas de cativos mouros. O comandante almóada da praça de Granada só conseguiu evitar a morte declarando-se de joelhos vassalo de Fernando e ajudando o cristão a apoderar-se de Sevilha (1248). O vencedor tinha na sua frente apenas o irrisório e encantador pequeno reino de Granada, no sopé da Serra Nevada, que já lhe prestara vassalagem. Pensava em atacar o inimigo na África quando a morte o surpreendeu, em 1252, ou antes o encontrou pronto a acolhê-la, sereno, despido de todas as insígnias reais, com a corda de penitente ao pescoço, um círio bento na mão e murmurando o Te Deum na agonia.
A nobre e alta figura de Fernando III arrematava o capítulo medieval da Reconquista, que viria a ser concluída, dois séculos e meio mais tarde, por outras belas figuras cristãs: outro Fernando e sua esposa Isabel. Construindo catedrais, recolhendo nas suas Universidades a herança dos intelectuais árabes, dando à Cristandade um dos seus melhores filhos – São Domingos -, a Espanha de Fernando III atingia a dignidade de grande potência cristã.
É significativo que o último chefe do heróico e sangrento esforço por ela realizado para libertar a sua terra tenha sido um santo.
FIM
“O Senhor Deus dos exércitos, com um golpe terrível, abate os ramos, as grandes árvores são cortadas, e as mais altas lançadas por terra.” Isaías X, 33
Ele pregou Sua Paz, isto é, a Paz de Cristo, que é a ausência de conflitos dentro da ordem. Ela difere da paz do mundo pelo fato de esta última ser somente a ausência de conflitos.
Cristo disse: “Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada.” Mateus X, 34
E, para que atinjamos a ordem, é lícito usarmos da guerra. Por isto que Deus é o Deus dos exércitos.
Uma Bula do Papa Bonifácio VII para explicar melhor a questão:
BULA UNAM SANCTAM
Una, santa, católica e apostólica: esta é a Igreja que devemos crer e professar já que é isso o que a ensina a fé. Nesta Igreja cremos com firmeza e com simplicidade testemunhamos. Fora dela não há salvação, nem remissão dos pecados, como declara o esposo no Cântico: “Uma só é minha pomba sem defeito. Uma só a preferida pela mãe que a gerou” (Ct 6,9). Ela representa o único corpo místico, cuja cabeça é Cristo e Deus é a cabeça de Cristo. Nela existe “um só Senhor, uma só fé e um só batismo” (Ef 4,5). De fato, apenas uma foi a arca de Noé na época do dilúvio; ela foi a figura antecipada da única Igreja; encerrada com “um côvado” (Gn 6,16), teve um único piloto e um único chefe: Noé. Como lemos, tudo o que existia fora dela, sobre a terra, foi destruído.
A esta única Igreja, nós a veneramos, como diz o Senhor pelo profeta: “Salva minha vida da espada, meu único ser, da pata do cão” (Sl 21,21). Ao mesmo tempo que Ele pediu pela alma - ou seja, pela cabeça - também pediu pelo corpo, porque chamou o seu corpo como único, isto é, a Igreja, por causa da unidade da Igreja no seu esposo, na fé, nos sacramentos e na caridade. Ela é a veste sem costura (Jo 19,23) do Salvador, que não foi dividida, mas tirada à sorte. Por isso, esta Igreja, una e única, tem um só corpo e uma só cabeça, e não duas como um monstro: é Cristo e Pedro, vigário de Cristo, e o sucessor de Pedro, conforme o que disse o Senhor ao próprio Pedro: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,17). Disse “minhas” em geral e não “esta” ou “aquela” em particular, de forma que se subentende que todas lhe foram confiadas. Assim, se os gregos ou outros dizem que não foram confiados a Pedro e aos seus sucessores, é necessário que reconheçam que não fazem parte das ovelhas de Cristo pois o Senhor disse no evangelho de São João: “Há um só rebanho e um só Pastor” (Jo 10,16).
As palavras do Evangelho nos ensinam: esta potência comporta duas espadas, todas as duas estão em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal. Mas esta última deve ser usada para a Igreja enquanto que a primeira deve ser usada pela Igreja. O espiritual deve ser manuseado pela mão do padre; o temporal, pela mão dos reis e cavaleiros, com o consenso e segundo a vontade do padre. Uma espada deve estar subordinada à outra espada; a autoridade temporal deve ser submissa à autoridade espiritual.
O poder espiritual deve superar em dignidade e nobreza toda espécie de poder terrestre. Devemos reconhecer isso quando mais nitidamente percebemos que as coisas espirituais sobrepujam as temporais. A verdade o atesta: o poder espiritual pode estabelecer o poder terrestre e julgá-lo se este não for bom. Ora, se o poder terrestre se desvia, será julgado pelo poder espiritual. Se o poder espiritual inferior se desvia, será julgado pelo poder superior. Mas, se o poder superior se desvia, somente Deus poderá julgá-lo e não o homem. Assim testemunha o apóstolo: “O homem espiritual julga a respeito de tudo e por ninguém é julgado” (1Cor 2,15).
Esta autoridade, ainda que tenha sido dada a um homem e por ele seja exercida, não é humana, mas de Deus. Foi dada a Pedro pela boca de Deus e fundada para ele e seus sucessores Naquele que ele, a rocha, confessou, quando o Senhor disse a Pedro: “Tudo o que ligares...” (Mt 16,19). Assim, quem resiste a este poder determinado por Deus “resiste à ordem de Deus” (Rm 13,2), a menos que não esteja imaginando dois princípios, como fez Manes, opinião que julgamos falsa e herética, já que, conforme Moisés, não é “nos princípios”, mas “no princípio Deus criou o céu e a terra” (Gn 1,1).
Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice.
Dada no Vaticano, no oitavo ano de nosso pontificado [18 de novembro de 1302].
Pode-se iniciar uma guerra, se os motivos forem justos.
A guerra pode ser justa ou injusta, mas a justiça pode estar presente naquelas que só indiretamente são defensivas, naquelas que, objetivamente falando, são agressivas, mas para salvaguardar um bem na iminência de ser violado. São as guerras preventivas.
Raciocine como a legítima defesa: a agressão injusta pode ser atual (caso em que haverá uma reação defensiva direta) ou iminente (reação defensiva indireta, por meio de uma agressão).
Amar é desejar o bem aos outros. Porém, pode-se desejar um mal relativo, desde que o fim último seja o Bem Absoluto: Deus.
Uma pergunta: como diferenciar uma beligerância injusta de um combate lícito? Afinal, “a 1ª vítima da guerra é a verdade”.
No caso concreto. Basta ver se as condições da guerra justa, que são expostas no Catecismo, se realizam. Claro, em muitas ocasiões, haverá divergência de opinião acerca da presença dessas condições, e, então, é lícito aos católicos discordar entre si.
O católico não pode negar a existência de guerras justas. O que pode é negar que tal ou qual guerra seja justa, por achar que as condições não se implementam.
Algumas verdades absolutas.
1 - A Doutrina Católica é imutável;
2 - ela é a única religião verdadeira; e
3 - ela permite guerras justas.
Logo, nenhuma suposta união católica-judia-muçulmana mudará o fato de que 1- Deus só está na Igreja Católica, fundada pelo Mesmo e 2 - guerras justas sempre serão apoiadas por Ele até o fim dos tempos.
Isto independe do zeitgeist (pensamento da época), pois a Igreja não é uma democracia, e dos pronunciamentos pessoais - falíveis - de qualquer papa.
Não é que tem muita gente que quer uma cruzada por pouca coisa. É que há tanto argumento para elas hoje que é fácil demais indicar uma!
Se for necessário cruzada, o Papa, que é a autoridade legítima, convocará. Se ele não só não convocou, como sequer cogita, então ficar delirando sobre isso é perda de tempo.
Nossa cruzada hoje deve ser pela PENA - pelo apostolado intelectual. Pela formação de bons católicos, comprometidos, bem doutrinados, conscientes de seu papel de liderança, e pela ação política, conseguiremos libertar a Venezuela de seu ditador. Não precisamos de cruzada para libertar a Polônia, por exemplo. Se for preciso uma ação militar na Venezuela, claro que se pode ter. Mas não confundamos o legítimo direito de revolta contra os totalitários comunistas com uma cruzada.