Este artigo pretende abordar os conceitos inócuos e descabidos desse grupo que se reconhece como tradicionalista. Longe de mim a tentativa de buscar, ainda que remotamente, desrespeitar os que se inserem no que nomeiam de tradicionalismo. Tenho até amigos que têm essa posição. Minha sanha é apenas apontar seus erros com intuito de verdadeiramente conduzi-los ao Magistério da Igreja.
Se por tradicionalista se entende aquela pessoa que segue a Tradição Apostólica, estaríamos todos de acordo, mas se a acepção é tomada no sentido de uma tentativa de interpretar a Tradição e o próprio Magistério sem a luz do Concílio Vaticano II isso só pode ser reprovado como heresia.
A questão aqui não é defender que o Concílio Vaticano II seja dogmático ou infalível, o que eu mesmo não defendo nem creio, porém considerar que a Igreja mesmo em seu Magistério Ordinário não pode ser nociva e causa de crise por seus erros na Igreja, pois é impossível que o Magistério possa levar a perdição. A indefectibilidade da Igreja se refere também à assistência divina em todas as formas do Magistério o que impede a inserção de heresias, negações de dogmas. Repetir o fato de que o Magistério Ordinário pode ter erros e tirar disso que ele pode ser herético é por demais engenhoso. É verdade que o Magistério Ordinário pode ter erros, mas segundo o Magistério anterior ao Vaticano II, pós-conciliar e os teólogos esses erros não poderiam ser a todo modo, mas apenas em alguma relação não tão importante ao objeto da promulgação e considerando globalmente poderíamos chamá-lo de infalível¹. O caso é que a mesma infalibilidade negativa que existe nos ritos tem existência no Magistério Ordinário, isto é, não ser possível promulgar algo que seja essencialmente ruim e herético, que cegue os fiéis da verdade. É impossível que o Magistério possa ser negligente e induzir-nos em erro grave sobre a fé. Bem como disse o Papa Paulo VI sobre o Concílio: “Duvidar seria ofender a fidelidade de Cristo às suas promessas, seria trair o nosso mandato apostólico, seria privar a Igreja da certeza da sua indefectibilidade, garantida pela divina palavra e comprovada pela experiência histórica. O Espírito está aqui.” (Discurso na inauguração da terceira sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II, 14 de setembro de 1964)
Limitar a assistência do Espírito Santo somente aos dogmas é típico dos novos modernistas (não foi esse o caso do Padre Charles Curran?) e estranhamente eles nos acusam disso por sermos obedientes ao Magistério. A aplicação é desgraçadamente invertida. Surge assim entre os grupos modernistas e tradicionalistas o que os Papas João Paulo II e Bento XVI chamaram de “magistério paralelo”. Não é mais o Magistério vivo da Igreja o verdadeiro intérprete da Revelação, mas grupelhos que com seu exame particular passam a considerar o que é doutrina da Igreja e o que não é.
É óbvio ululante que o pai disso é Lutero que com sua ‘revolução’ foi minado na mente do povo que todos estão aptos para entender a fé. Assim, já não se deve obediência ao Papa. O modernismo não tem outra paternidade se não o protestantismo, é seu filho bastardo, e o tradicionalismo é irmão gêmeo do modernismo.
Entre muitos documentos da Igreja trago alguns como exemplos, pois mais não precisam, não estou fazendo um compêndio e as citações para o são entendedor já bastam:
“A proposição que afirma ‘que nestes últimos tempos disseminou-se um obscurecimento generalizado das verdades mais importantes concernentes à religião, que são a base da fé e dos ensinamentos morais de Jesus Cristo’, HERÉTICA.” (Pio VI Auctorem, DZ 1501)
"Nem podemos passar em silêncio a audácia de quem, não podendo tolerar os princípios da sã doutrina, pretendem "que aos juízos e decretos da Sé Apostólica, que têm por objeto o bem geral da Igreja, e seus direitos e sua disciplina, enquanto não toquem os dogmas da fé e dos costumes, se pode negar assentimento e obediência, sem pecado e sem nenhuma violação da fé católica". Esta pretensão é tão contrária ao dogma católico do pleno poder divinamente dado pelo próprio Cristo Nosso Senhor ao Romano Pontífice para apascentar, reger e governar a Igreja, que não há quem não o veja e entenda clara e abertamente" (Pio IX Encíclica Quanta Cura, 08 de dezembro de 1864)
"Se poderia ser de algum modo falso, segue-se uma contradição óbvia, porque então Deus seria o mesmo autor do erro." (Leão XIII Encíclica Satis cognitum, 29 de junho de 1896)
Claríssimo! A função do Magistério pela assistência divina é protegida em qualquer publicação, de modo que não seja possível a Igreja não preservar suas características essenciais perfeitas.
É o que já foi dito pela Congregação para Doutrina da Fé (que também é Magistério Ordinário): “Velando pelo «depósito» revelado (cfr. 1 Tm 6, 20; 2 Tm 1, 12), o Magistério não entende portanto demolir, mas endireitar para edificar." (sobre alguns escritos do R.P. MARCIANO VIDAL, C.Ss.R, 5)
Passemos agora para o que os teólogos disseram³ sobre o tema (os dois abaixo transcritos são a título de exemplo):
Penido: “Quando a Igreja propõe a fé, podemos chamar essa obediência de ‘teologal’, porque, de fato, obedecemos imediatamente a Deus. (A Igreja, já foi dito, é mensageira e não autora da Revelação). Quando aceitamos o ensinamento não infalível, poderia nossa obediência ser denominada ‘eclesiástica’, pois então é a própria autoridade da Igreja que motiva nosso assentimento. Não mais ouvimos a voz do Esposo, senão a da esposa (porém da Esposa guiada pelo Esposo). E embora o Magistério possa errar neste ou naquele caso particular, podemos todavia atribuir-lhe uma infalibilidade ‘global’, porque, em conjunto, tais decisões são verídicas e santificantes. Cristo Jesus está com a Igreja não apenas quando ela define o dogma e a moral, senão ‘todos os dias’ (Mt 28, 20). Muito melhor do que ‘obediência eclesiástica’, diríamos ‘docilidade filial’. (...) Que força e que segurança sabermos que em negócio tão importante – o único necessário – e também tão incerto e temeroso qual o da salvação eterna, podemos seguir um farol cuja luz nunca se apaga e nos guia necessariamente ao ponto!” (Volume I: O Mistério da Igreja, pág. 300, de 1956)
Bernardo Bartmann: “Imperfeições possíveis de um Concílio são corrigidas em outro posterior. Estas imperfeições não prejudicam a infalibilidade das doutrinas realmente definidas, que em tais casos são apenas completadas. Enfim, fazemos notar que há uma única infalibilidade, embora se manifeste de modos diversos: isto pelo menos é o que ensina o Concílio Vaticano (ea infallibilitate pollere, Denz. 1839.” (Teologia Dogmática – A Redenção, a Graça e a Igreja, pág 65, de 1962)
Além desses poderia citar Thomas Pègues, Franzelin, Billot e muitos outros, não é preciso, qualquer um que se debruce a estudar qualquer “Teologia Dogmática” poderá encontrar o mesmo. Sempre foi consenso entre os teólogos.
O tradicionalismo, portanto, entendido no sentido apregoado por esses 'católicos' deve ser enfaticamente condenado. Eles não apresentam suas questões como opiniões ou hipóteses, mas como conclusões indiscutíveis e estas se referem em pontos essenciais da fé, atinentes a documentos inteiros, por isso, faço questão de repetir que é heresia, pois isto é negar a indefectibilidade da Igreja.
Papa Pio XII: “Contra tais idéias deve-se professar o seguinte: Nunca houve nem há nem haverá na Igreja qualquer magistério legítimo dos leigos, que não tenha sido submetido por Deus à autoridade, direção e vigilância do Magistério sagrado; mais, só o negar tal sujeição é argumento decisivo e sinal seguro de que os leigos, que assim falam e procedem, não são movidos pelo Espírito de Deus e de Cristo.” (3. Alocução de 31 de maio de 195)
NOTAS
¹ É interessante notar que quando o Cardeal Ratzinger, hoje Papa, comentando sobre os possíveis erros do Magistério Ordinário os toma como acidentais: O teólogo que levasse suas objeções as autoridades magisteriais poderia com este ato contribuir para um estímulo, um progresso, do Magistério, “uma maneira mais aprofundada e melhor argumentada” (Donum Veritatis, Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo, 30) E mais, quanto aos exemplos históricos: “Ele sabe que alguns juízos do Magistério podiam ser justificados na época em que foram pronunciados, porque as afirmações tomadas em consideração continham em modo inextrincável asserções verdadeiras e outras que não eram seguras. Somente o tempo fez com que fosse possível efetuar um discernimento e, depois de aprofundados estudos, chegar a um verdadeiro progresso doutrinal.” (24)
² É de se atentar o fato de que Ratzinger põe a infalibilidade [negativa] das disciplinas e o Magistério Ordinário no mesmo patamar: “Pelo mesmo motivo, as decisões magisteriais em matéria de disciplina, mesmo não sendo garantidas pelo carisma da infalibilidade, não são desprovidas da assistência divina, e exigem a adesão dos fiéis.” (Donum Veritatis, Instrução sobre a vocação eclesial do teólogo, 17)
³ Sobre a autoridade da unanimidade moral dos teólogos: DZ 1501; DZ 1684; DZ 1722.
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PARA CITAR ESTE ARTIGO:
Nelson M. Sarmento, Tradicionalismo - Breve comentário, Porto Alegre, janeiro de 2012, blogue Apostolado Tradição em foco com Roma.
CRÍTICAS E CORREÇÕES SÃO BEM-VINDAS:
nelson.sarmento@gmail.com
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