Santo Tomás tira essa prova a partir da Metafísica de Aristóteles. A primeira premissa para entendê-la é a seguinte: as coisas ao máximo verdadeiras são também entes ao máximo (II Metafísica 993b; Cmt2, 295ss). A segunda premissa, também tirada de Aristóteles, é que por haver duas coisas falsas sendo uma mais que outra, deve haver também uma mais verdadeira que a outra, conforme participe mais perfeitamente daquilo que é simplesmente verdadeiro.
O filósofo Aristóteles diz nestas palavras:
“E o que pensa que quatro e cinco são a mesma coisa, não teria um pensamento falso de grau igual ao do homem que sustentasse que quatro e mil são idênticos. Se há diferença na falsidade, é evidente que o primeiro pensa uma coisa menos falsa. Por conseguinte está mais no verdadeiro. Logo se o que é mais uma coisa, é o que se aproxima mais a ela, deve haver algo verdadeiro, do qual será o mais verdadeiro mais próximo.” (IV Metafísica 4)
Destas, infere Santo Tomás no segundo modo:
“Ora, o mais e o menos se dizem de diversos atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por conseqüente, maximamente ser; pois, as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo. Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus.” (ST I, q. 2, art. 3)
Explicação:
A gradação de perfeições entre os seres só é possível se há um Ser que existe em si e por si, e que possua por essência todas as perfeições. Não se diz que algo é mais ou menos alguma perfeição ou qualidade se não por relação. Para compararmos uma coisa a outra devemos ter em mente algo que seja a perfeição comparada de modo máximo, isto é, no maior grau de perfeição, senão tal ideia seria inconcebível.
Se as qualidades existem em diversos seres segundo graus diversos, é necessário que ela seja produzida por uma causa única, caso contrário, não seria possível que esta qualidade comum a seres múltiplos e diversos pertença a estes seres em razão de sua própria natureza, pois não seria inteligível que estas qualidades se encontrassem neles, ora em maior, ora em menor quantidade.
Eles seriam estas qualidades por sua própria essência, logo necessariamente as teriam perfeitas, isto é, sem restrição e limite. O fato de haver diversos graus entre os seres implica que esses mesmo seres não as tenham por si, mas participem de uma Perfeição absoluta e infinita, acima desta hierarquia de perfeições. E como lemos mais acima, o que é maximamente perfeito é causa e razão de tudo que compreende qualquer atributo.
Este argumento se aplica a todas as perfeições ou qualidades que se possa levar ao absoluto: Ser, unidade, verdade, bondade, inteligência e sabedoria. Aqui não falamos de Beleza e Bondade ideais, mas de Beleza e Bondade subsistentes.
Em suma: Estabelecido que os seres possuem graus distintos de perfeição não podem ter em si a razão última desta perfeição e esta não pode explicar-se senão com a existência de um Ser que a possui absolutamente e essencialmente, comunicando ao resto, e estes possuindo por participação. Logo, concluímos a existência de um “ens perfectissimum”, Deus.
Entendemos com isso a própria definição de filosofia (amizade com a sabedoria), vinda de Pitágoras, o filósofo é amigo da sabedoria, já que só Deus é Sábio, segundo ele. Também compreendemos porque Jesus disse que “só Deus é bom” (Mc 10, 18). De fato, como nos ensina Santo Tomás “os efeitos mais imperfeitos que as suas causas não convêm a elas no nome e no conceito, mas há necessidade que haja entre ambos alguma semelhança, por caber à natureza da ação produzir efeitos que lhe sejam semelhantes, visto que cada coisa opera enquanto está em ato.” (Suma Contra Gentios, Livro I, cap. XXIX, 1)
Quando Moisés quis ver Deus face ou a glória divina (Ex 33,13), o Senhor respondeu-lhe “Eu te mostrarei todo o bem” (Ex 33,19), ou seja, dá Ele a entender que Nele está a plenitude de toda a bondade.
Testemunhos dos Pais da Igreja:
Sigo com os trechos de alguns Pais da Igreja sobre a perfeição de Deus:
Santo Irineu de Lião (130 - 202):
“Deus é perfeito em todas as coisas, sempre é igual e semelhante a si mesmo, porque todo Ele é luz, mente, substância e fonte de todos os bens; enquanto que o ser humano recebe-O vai aproveitando e crescendo para Deus. Da mesma maneira como Deus é sempre o mesmo, assim também o homem que se encontra em Deus, sempre irá crescendo para Ele.” (Adv. h. 4, 11,2)
São Cirilo de Jerusalém (315 – 386):
“Ele é perfeito em tudo e em toda espécie de perfeição no mesmo grau” (Cat. 4,5)
São Gregório Nisseno (335 – 395):
“Sendo Deus, segundo sua natureza, infinito, não pode ser compreendido e expresso com palavras” (C. Eunom. 3, Migne, 45, 601)
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Santo Ambrósio (340 – 397):
“Deus autem justus per omnia, sapiens super omnia, perfectus in omnibus” (De off. 3, 2, 11, Migne, 16, 148).
Santo Agostinho (354 – 430):
“Deus autem Nec modum habere dicendus est, Nec finis ejus dici putetur” (De Nat. Boni, 22, Migne 42, 558)
São Cirilo de Alexandria (375 - 444):
“A divindade possui em si toda espécie de perfeição e nada lhe falta.” (De s. Trin. Dial. 1, Migne, 75, 673)
Conclusão
Esta prova, apesar de esquecida, é ainda viva na apologética. Talvez seja a mais complicada para aqueles que ignoram alguns princípios básicos da filosofia. Apesar de ser “Deus incomprehensibilis” (Later. IV, Vatic. Denz. 428, 1782) sua existência não é, pois chegamos ao conhecimento da causa a partir de seus efeitos.
Além disso, já que a existência e a essência em Deus são inseparáveis, do conhecimento Dele e de sua revelação, já podemos ter certa ideia do seu Ser, que claro nunca é completa. Como diz Santo Tomás: “Embora por revelação da graça não conheçamos nesta vida a essência de Deus e neste sentido unimo-nos a Ele como a um desconhecido (quase ignoto), todavia, conhecemo-lo de um modo completo enquanto nos são revelados mais numerosos e mais excelentes efeitos de seu poder, enquanto, graças à revelação, atribuímos-lhe algumas perfeições, cujo conhecimento a razão natural não poderia alcançar” (S. th. I, 12, 13 ad 1).
Vários sistemas e pensadores contribuíram para o enfraquecimento do uso das provas da existência de Deus. O primeiro que devemos lembrar é o protestantismo que trouxe o fideísmo, Deus seria simplesmente uma questão de fé, nega-se toda a tradição cristã sobre isso. Outro é o modernismo com o seu agnosciticismo, tomado de Kant (Denz. 2072-2073). Contra essas duas tendências, a de Lutero e Kant, dirigi-se a definição do Concílio Vaticano I.
Também o tradicionalismo que para combater as objeções da razão, apega-se a um meio radical, negando à razão a capacidade de julgar nestas matérias, fundando-se apenas na tradição da Revelação sobrenatural (Bonald, Bautain, Lamennais). Este tradicionalismo rígido foi condenado pela Igreja (Denz. 1617).
Por fim, termino com Maurice Blondel:
“Há diversas formas e causas de ateísmo. Há o ateísmo dos que não sabem discernir e denominar o hóspede interior, a luz inevitável, “que ilumina a todo homem que vem a este mundo”. Mas na proporção em que não “pecam contra esta luz” eles servem ao “Deus desconhecido”; e a etiqueta de ateu não passa disso. Há o ateísmo dos que diante das ideias deficientes de Deus, que lhes são apresentadas, ou ante dos abusos às vezes monstruosos, que se fazem das falsas concepções de Deus, rejeitam os ídolos e as supertições.
O ateísmo destes é uma homenagem inconsciente a um ideal mais elevado, a uma aspiração que pode ser piedosa sob as aparências de impiedade. Há o ateísmo daqueles que conhecem bastante o verdadeiro Deus e as próprias paixões para não querer que Ele seja o que é; esta é uma homenagem involuntária àquele que odeiam, julgando negá-lo.
Mas também aqueles que estão mais certos de Deus que de si mesmos e do mundo e estão convencidos de que na medida em que Ele é ignorado, a humanidade inteira é ameaçada de ruínas e de corrupção, quanto devem fazer constantemente para evitar a censura: “Há no meio de vós alguém que não conheceis!”. As desconfianças, as objeções, as dúvidas, as hostilidades contra Deus nascem em grande parte das ideias falsas que dele se fazem” (La pensée, vol II, PP. 393-394. Paris 1934)
Referências:
Teologia Dogmática, Revelação e Fé, Deus, a Criação - Bernardo Bartmann
Curso de Filosofia – Régis Jolivet
Suma Contra os Gentios - Santo Tomás