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Primado Petrino e Colegialidade

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Com efeito, a Igreja é una e deve convergir para um só vértice, um só coração, uma só alma, os mesmos pensamentos, um só Corpo e um só Espírito. Ora, tal unidade se faz representar sobretudo através de seu Pontífice, elo entre o Reino dos Céus e o mundo.

O exercício do Primado no I e no II milênios é assunto que pode ser bem estudado no campo da História da Igreja.

Já o exercício do Primado no futuro, se rata de especulação teológica, que é um campo bastante complexo e eu não sou a pessoa mais habilitada para comentar.

De qualquer forma, já li algumas sugestões sobre o assunto e posso citá-las com as minhas palavras:

1) Não faz parte da essência do Primado que o Papa nomeie todos os bispos do mundo. Durante um bom tempo até o Concílio Vaticano II, os bispos das Igrejas Orientais Católicas eram escolhidos pelos Sínodos das Igrejas Orientais e confirmados pelos seus Patriarcas. Atualmente mesmos os bispos orientais precisam da nomeação do Papa. Já li declarações de Patriarcas Orientais Católicos solicitando o retorno a antiga prática.

2) Já li teólogos defendendo a divisão do Patriarcado do Ocidente. Os Patriarcas Ocidentais poderiam ficar responsáveis por todas as Igrejas do mesmo continente. Poderíamos ter Patriarcados na Europa, África. Américas e Ásia. O Papa além de Sumo Pontífice acumularia o Patriarcado da Europa e deixaria de ser Patriarca de toda a Igreja Ocidental. É uma idéia radical e certamente controversa, mas deixaria claro que a maior parte das funções hoje exercídas pelo Papa são Patriarcais. Apesar de existir possibilidade teológica para esta divisão, não acredito muito que essa solução seja colocada em prática, pelo menos neste momento.
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3) Muitos teólogos entendem que a Cúria Romana é uma instituição do Patriarcado do Ocidente e não da Igreja Universal e que a reforma da cúria é muito importante para a mudança na forma do exercício do Primado. Uma reforma possível é a restrição dos poderes da Cúria exclusivamente para a Igreja Latina (ou Ocidental) e a extinção da atual Sagrada Congregação para as Igrejas Orientais. Poderiam ser criados novos organismos para a Igreja Universal, com uma maior participação das Igrejas Orientais Católicas. 

4) Muitos teólogos importantes defendem que o Colégio Cardinalício é uma instituição somente da Igreja Latina. Por isso houve reação quando Paulo VI nomeou vários Patriarcas Orientais como Cardeais. Alguns chegaram a recusar o cardinalato, alegando que a dignidade de Patriarca e maior do que a dignidade de Cardeal da Igreja Romana. Atualmente temos alguns orientais, inclusive Patriarcas, no Colégio Cardinalicio. Uma das possibilidades é deixar claro que as funções do Colégio dos Cardeiais ficam restritas à Igreja Latina, não devendo ser mais nomeados bispos orientais como Cardeais. Na hora de um conclave, poderiam ser convocados todos os cardeais mais os Patriarcas das Igrejas Orientais, uma vez que o Papa é Sumo Pontífice de toda a Igreja Universal.

Primado e Infabilidade Papal são assuntos diferentes, apesar de certamente possuirem relação. Entendo que a questão do Primado está relacionada com a organização da Igreja e com a capacidade do Bispo de Roma interferir em assuntos de outras Igrejas Particulares. Está portanto relacionado com o exercício do poder (que é um serviço) na Igreja.
A questão da Infalibilidade está relacionada à questão doutrinária. Mas não há dúvidas que quem tem a capacidade de definir dogmas também está exercendo um poder na Igreja, daí a relação existente entre os assuntos. É inquestionável, inclusive entre os orientais, que a Igreja é infalível. Mas a Igreja Ortodoxa só aceita a Infalibilidade do Concílio Ecumênico. Na Igreja Católica foi desenvolvida e posteriormente definida pelo Concílio Vaticano I a Infalibilidade Papal. Já li que alguns teólogos católicos defendem que a Infalibilidade na verdade é do Colégio Episcopal, que pode ser exercida pelos bispos reunidos em Concílio Ecumênico ou pelo Chefe do Colégio Episcopal, que obviamente é o Papa.

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.Na prática, o que vimos antes da definição dos dogmas da Imaculada Conceição e da Assunção de Nossa Senhora foi uma consulta do Papa para todos os bispos da Igreja Católica. Eis aí a colegialidade. Os dogmas só foram definidos após a esmagadora manifestação favorável dos bispos. No caso da definição do dogma da Imaculada Conceição, o Papa editou em 2.2.1849 a encíclica UBI PRIMUM que consultava todos os bispos sobre a oportunidade do dogma. A Igreja tinha 603 bispos e 546 responderam favoravelmente à definição dogmática. Não tenho aqui os dados dos bispos favoráveis ao dogma da Assunção de Maria, mas com certeza foi uma maioria esmagadora. 

Acreditar que os bispos espalhados no mundo não gozam da mesma assistência do Espirito Santo do que padres conciliares, na minha opinião, é acreditar que o Espirito Santo só pode funcionar em recintos fechados, quando sabemos que o Espírito sopra onde quer, sempre em direção a Roma.

Por outro lado, apesar de da prática o Papa antes da definição destes dogmas ter consultado os demais bispos, a Constituição Pastor Aeternus não exige que essa cosulta deve ser feita. Não sei se é possível, no âmbito de uma reforma do exercício do Papado a introdução de uma consulta aos bispos antes de uma definição ex-cathedra.

Não há dúvidas de que o Primado está baseado no fato da Igreja ter sido edificada sobre São Pedro e isto ter base bíblica (e acredito que boa parte dos ortodoxos também acreditam na mesma coisa). Aliás, os Patriarcados originais foram fundados em Sés que segundo a tradição tiveram origem apostólica: Roma - São Pedro, Antioquia - São Pedro; Jerusalém - São Tiago; Alexandria - São Marcos e Constantinopla - Santo André. Entretanto a Bíblia não diz como o Primado deve ser exercido e aqui está o ponto de discussão.
 
Apesar das resistências, o caminho da plena comunhão entre Católicos e Ortodoxos passa obrigatoriamente por Moscou. E a relação em Roma e Moscou já foi muito pior. Hoje em dia Moscou já reconhece a Igreja de Roma como Igreja Irmã, o que é um grande avanço, pois para quem conhece as Igrejas Ortodoxas sabe que este título só era dado para outras Igrejas Ortodoxas.
 
Os Patriarcas de Lisboa, Veneza e o Latino de Jerusalém, na prática possuem apenas um título honorífico e estão subordinados ao Papa, portanto, não possuem o mesmo sentido dos Patriacados nas Igrejas Orientais;
 
De fato o Colégio Cardinálicio é bem antigo, o que disse é que até Paulo VI só faziam parte do Colégio de Cardeais membros da Igreja Latina. Atualmente existem bispos orientais que são Cardeais, o que teologicamente pode não fazer muito sentido, uma vez que o Colégio de Cardeais não seria um Colégio auxiliar do Papa, mas um Colégio auxiliar do Patriarca do Ocidente. Sendo assim, só latinos deveriam participar deste Colégio e as funções por ele exercidas só deveriam estar relacionadas com a Igreja Latina. (Mal comparando, as Igrejas Orientais já possuem um colegiado que exerce funções semelhantes às do Colégio dos Cardeiais, que é o Santo Sínodo).

Não há dúvidas de que hoje para a Igreja Católica o Papa (sozinho) e o Concílio Ecumênico (com a aprovação do Papa) são infalíveis em relação à doutrina.

Além disso, para uma manifestação conciliar ser aprovada é necessária a aprovação do Papa. Me recordo da questão do Canon 28 do Concílio da Calcedônia, que dava à Constantinopla os mesmos direitos e privilégios da Sé de Roma em relação aos metropolitas do Ponto, da Ásia e da Trácia, que seriam ordenados pelo Patriarca de Constantinopla.

O Cânon 28 foi aprovado nas últimas sessões do Concílio.

Já regressando para Roma, os Legados do Papa tomaram conhecimento deste cânon e protestaram. Por sua vez, o Papa Leão Magno, ao ratificar as decisões do concílio, em 21.03.453, excluiu aquele cânon, como contrário ao direito das Igrejas Particulares.

Para a Igreja Católica os decretos de um Concílio Ecumênico não tem força de obrigar, a não ser que sejam aprovados pelo Romano Pontífice, junto com os Padres Conciliares, e tenham sido por ele confirmados e por sua ordem promulgados, conforme pode ser visto no Cânon 341 do Código de Direito Canônico.

Ou seja, uma decisão do Concílio que não conte com a aprovação do Papa não tem validade por si só.

Por outro lado, disse que na prática o Papa antes de se manifestar "ex-cathedra" costuma consultar os bispos sobre o assunto a ser definido, apesar desta consulta não ser prevista na Constituição Pastor Aeternus do Concílio Vaticano I.

Não sei se seria possível estabelecer em uma decisão de um novo Concílio ou em uma decisão infalível do Papa um processo de consulta aos bispos antes de uma manifestação "ex cathedra".

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PARA CITAR ESTE ARTIGO:

Primado Petrino e Colegialidade
David A. Conceição 02/2013 Tradição em Foco com Roma.

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