Um Estudo Canônico - Segunda Versão Revisada
Por Peter John Vere
Como tradicionalista católico e estudante, que atualmente visa licenciar-se em direito canônico em uma instituição pontifícia, muitas vezes sou abordado por companheiros tradicionalistas. Muito freqüentemente, me pedem para defender a fé contra partidários da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), que afirmam ser católicos, mas se recusam a submeter-se ao Papa João Paulo II. Após examinar a sua literatura, tornou-se claro que a SSPX procura atacar a unidade sagrada da Igreja, e com base em minha experiência, na maioria das vezes, a substância desses ataques contra a unidade da Igreja é canônica.
Nota: Com exceção de algumas pequenas alterações e edição, citei verbalmente esta primeira seção apresentando os fatos do caso a partir de um excelente resumo da controvérsia atualmente circulando entre círculos tradicionais católicos na Internet, intitulado "Uma Introdução à SSPX Cisma . " Como o autor da identidade da introdução me é ainda desconhecida, sou incapaz de dar-lhe o devido crédito.]
1) Em 5 de Maio de 1988, Dom Marcel Lefebvre, diretor da Fraternidade Sacerdotal São Pio X (FSSPX), assinou um protocolo de acordo com o Cardeal Joseph Ratzinger, que atuava como representante do Vaticano no assunto. O Arcebispo Lefebvre, um francês, tinha sido Arcebispo de Dakar (Senegal), Bispo de Tulle (França) e Superior Geral dos Padres do Espírito Santo antes de se aposentar. Ele, então, fundou a Fraternidade Sacerdotal São Pio X, em 1968, na diocese de Friburgo, na Suíça.
2) O objetivo do acordo era o de fazer com que a FSSPX saísse do estado de desobediência à Igreja em que tinha se colocado há algum tempo. O protocolo visava ainda lançar as bases para a nomeação de um novo bispo para assegurar a ordenação de sacerdotes, e, secundariamente, para administrar o sacramento do crisma para os leigos.
3) Em 16 de junho de 1988, Lefebvre retirou sua assinatura do protocolo, optando por permanecer em um estado de desobediência direta. Para agravar ainda mais a desobediência, ele anunciou que iria consagrar quatro bispos, contrariando frontalmente as ordens papais para não fazê-lo, em 30 junho de 1988.
4) Em 17 de junho de 1988, o Cardeal Gantin, cabeça do Colégio dos Bispos, enviou à Lefebvre uma advertência canônica formal de que se ele fosse em frente com as consagrações episcopais planejadas, contra as instruções específicas do papa, ele incorria na grave penalidade de excomunhão de acordo com Direito Canônico (CIC 1364 § 1, 1382). Além da advertência canônica formal, repetidos apelos informais foram feitos a Lefebvre para honrar o acordo original em sua totalidade.
5) Em 30 de junho de 1988, Lefebvre cumpriu com sua ameaça e, juntamente com Mons. Antonio de Castro Mayer, Bispo emérito de Campos, Brasil, consagrou bispo os seguintes quatro sacerdotes da FSSPX: Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard N.Williamson e Alfonso de Galarreta.
6) No dia seguinte, 1 de julho de 1988, o Cardeal Gantin emitiu um decreto formal de excomunhão anunciando que Lefebvre, Castro Mayer e os quatro novos bispos haviam realizado um ato cismático e colocado a si mesmos fora da comunhão com a Igreja, em conformidade com as disposições do Código de Direito Canônico. No dia seguinte, 2 de julho de 1988, o Papa João Paulo II emitiu uma carta apostólica Motu Proprio “Ecclesia Dei”, na qual ele solenemente confirmou tanto as excomunhões como a existência do cisma.
7) Muitos seguidores do cisma de Lefebvre, desde então tem argumentado, por meio tanto da mídia impressa como em debate público, que a excomunhão não se aplicava ao Arcebispo Lefebvre pois agira sob pressão de grave medo por estado de necessidade, conforme previsto no cânones 1323:4 ° e 1324 ° § 1:05.
II. A LEI
8) Canon 1013 afirma: “Não é lícito a nenhum Bispo consagrar alguém como Bispo, a não ser que antes conste da existência do mandato pontifício.” O significado deste cânon é auto-evidente, em que um bispo precisa da permissão da Santa Sé antes de consagrar um outro para o episcopado. A pena para quem viola este cânon também está claramente indicado no Código de Direito Canônico da seguinte forma: “Canon 1382 - O Bispo que, sem o mandato pontíficio, confere a alguém a consagração episcopal e, igualmente, quem dele recebe a consagração incorrem em excomunhão latae sententiae [automática] reservada à Sé Apostólica.” Como se pode ver, a pena de excomunhão para quem viola o referido cânone é automática e só pode ser removida pela Sé Apostólica (cân. 1355).
9) De clareza semelhante, no Código de Direito Canônico, é a lei acerca do cisma. O Canon 751 define cisma como “a recusa de sujeição ao Sumo Pontífice ou de comunhão com os membros da Igreja a ele sujeitos”. Deve-se notar que cisma não só ocorre apenas quando alguém se recusa ou se retira da comunhão com os membros da Igreja Católica Romana, mas também quando este alguém se recusa ou se retira da submissão ao Santo Padre pessoalmente. A ação por meio da qual alguém se recusa ou se retira de sua submissão não precisa ser nem perpétua, nem pertinente a todas as sentenças do Romano Pontífice; na medida em que não se arrependeu de seu ato de desobediência, persistindo, colocando assim o seu julgamento pessoal acima daquele da Igreja, um único ato de recusa em submeter-se ao julgamento do Santo Padre em uma única controvérsia constitui cisma. Como São Tomás de Aquino explica: “deve-se dizer que a desobediência aos preceitos por rebelião constitui a razão de cisma. Digo por rebelião, isto é, quando alguém despreza obstinadamente os preceitos da Igreja e recusa submeter-se a seu julgamento.” (Suma Teológica, II-II Parte Q.39 art. 1. Edições Loyola).
Com relação à pena por cisma, o cânon 1364 § 1 afirma: “O apóstata da fé, o herege ou o cismático incorre em excomunhão latae sententiae, salva a prescrição do cân. 194, § 1, n. 2; além disso, o clérigo pode ser punido com as penas mencionadas no cân. 1336, § 1, n. 1, 2 e 3.” O Canon 194 § 1 simplesmente declara que “quem tiver abandonado publicamente a fé católica ou a comunhão da Igreja” fica também “ipso iure destituído de um ofício eclesiástico”, ou seja, ele deixa automaticamente de ministrar em nome da Igreja Católica.
No entanto, o parágrafo 2º do cânon 194 especifica que o afastamento do cargo “só pode ser urgida, se constar dela por declaração da autoridade competente.” No tocante a sua aplicação ao Arcebispo Lefebvre, isso significa simplesmente que a sua destituição do cargo só pode ser executada se o Santo Padre ou um delegado por ele formalmente declarar que o Arcebispo Lefebvre tinha, de fato, incorrido em cisma. Quanto às penalidades descritas no cânon 1336, como são penalidades adicionais não diretamente aplicáveis ao presente caso, não serão abordadas no presente estudo canônico.
Com relação à justiça da pena de excomunhão para os cismáticos, o Doutor Angélico observa: “Ora, o cismático, já foi dito [art.1], peca duplamente. Primeiramente por se separar da comunhão dos membros da Igreja, e justamente por isso convém que os cismáticos sejam punidos com a excomunhão. Depois, por se recusarem submeter-se ao chefe da Igreja…” (Suma Teológica, II-II Parte Q.39 art. 4).
Em essência, a excomunhão de um cismático é uma pena justa porque a Igreja não pode manter comunhão com um indivíduo que se recusa a comunhão com a Igreja. Além disso, aquele que se recusa a submeter-se à sentença da cabeça visível do Corpo Místico de Cristo age em desunião com resto do corpo, e, portanto, representa um grave perigo para o Corpo Místico de Cristo como um todo. Porque, assim como nosso Senhor ensina no Evangelho de São Mateus: “Todo reino dividido contra si mesmo será destruído. Toda cidade, toda casa dividida contra si mesma não pode subsistir.” (Mateus 12,25). Assim, a excomunhão é uma pena justa para aqueles que se recusam a submeter-se ao Romano Pontífice, pois, como ensina a Sagrada Escritura: “Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus. Assim, aquele que resiste à autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus; e os que a ela se opõem, atraem sobre si a condenação.”(Rm 13:1-2).
10) No entanto, em defesa de Lefebvre, seus seguidores sustentam que ele não foi excomungado por causa do cânon 1323:4°, que afirma: “Não é passível de nenhuma pena, ao violar lei ou o preceito: 4° - quem agiu forçado por medo grave, embora relativo, ou por necessidade, ou por grave incômodo, a não ser que se trate de ato intrinsecamente mau ou que redunde em dano das almas.” Colocado de uma maneira simples, aqueles que aderem ao cisma Lefebvre alegam que porque Lefebvre percebeu um estado de necessidade existente na Igreja, ele agiu sob medo grave ao ilicitamente consagrar bispos sem mandato pontifício e, portanto, não incorreu em excomunhões automáticas impostas pelos cânones 1364 §1 e 1382. Além disso, alguns dos seguidores de Lefebvre também reivindicam o cânon 1324 §1:5° em sua defesa contra a excomunhão automática imposta Lefebvre pela lei.
Este cânon é semelhante ao anterior, simplesmente afirmando: “O autor da violação não se exime da pena, mas a pena estabelecida pela lei ou pelo preceito deve ser mitigada ou substituída por uma penitência, se o delito foi cometido: 5° - por alguém que foi coagido por medo grave, mesmo que só relativo, ou por necessidade, ou por grave incômodo, se o delito for intrinsecamente mau ou redundar dano das almas.” Há duas sutis diferenças entre este cânon e o cânon anterior, a primeira é que no cânone 1323:4° a pena é completamente perdoada, enquanto que no cânon 1324 §1:5° a pena é apenas reduzida. A segunda diferença é que o Canon 1323:4° não se aplica se o delito for intrinsecamente mau ou redundar dano das almas, enquanto cânon 1324 §1:5° ainda se pode aplicar em tais casos.
11) Porque o direito canônico, como todos os demais sistemas jurídicos, está aberto à interpretação, a Igreja oferece várias normas para interpretar o direito canônico, bem como para a resolução de disputas sobre a interpretação que possam surgir entre canonistas. Uma tal norma é o cânon 16 §1, que afirma: “§1. Interpreta autenticamente as leis o legislador e aquele ao qual for por ele concedido o poder de interpretar autenticamente.” Isto significa simplesmente que as leis devem ser interpretadas de acordo com a mente da pessoa que criou (sancionou) a lei, bem como o seu sucessor e aqueles a quem ele ou seu sucessor delegou uma capacidade oficial para interpretar a lei. No caso do Código de Direito Canônico, o legislador é o Papa João Paulo II, e as pessoas encarregadas de interpretar a lei que se aplica ao cisma de Lefebvre são o Cardeal Gantin como Prefeito da Congregação dos Bispos e o Pontifício Conselho para a Interpretação dos Textos Legislativos.
O peso de suas interpretações canônica está descrito no parágrafo seguinte, o cânon 16 §2, que afirma: “A interpretação autêntica, apresentada a modo de lei, tem a mesma força que a própria lei e deve ser promulgada; se unicamente esclarece palavras da lei já por si certas, tem valor retroativo... Em outras palavras, quando uma questão de saber como interpretar uma lei, e que o legislador dispõe de uma interpretação autêntica, a interpretação do legislador é tão vinculaste quanto a própria lei.”
12) Junto com o recurso ao legislador, o Código de Direito Canônico também oferece um outro método de interpretação, a fim de resolver a controvérsia canônica onde o significado da lei não é clara, que é a referência à uma legislação paralela, bem como à tradição canônica. Relativamente à primeira, o cânon 17 determina: “as leis eclesiásticas devem ser entendidas segundo o sentido próprio das palavras, considerado no texto e no contexto; mas, se o sentido continua duvidoso e obscuro, deve-se recorrer aos lugares paralelos, se os houver, a finalidade e às circunstâncias da lei, bem como à mente do legislador.” Os pontos importantes a serem observados aqui são de que em caso de dúvida, deve-se procurar seguir o que foi pretendido pelo legislador da lei, que, no caso do Código de Direito Canônico é o Papa João Paulo II. Da mesma forma, quando a lei não é clara ou não se tem certeza de sua aplicabilidade, é preciso também seguir cânon 6 §2, que afirma: “ igualmente as outras leis, universais ou particulares, contrárias às prescrições deste Código [CIC de 1983], a não ser que a respeito das leis particulares se disponha expressamente outra coisa.” Em suma, como uma controvérsia canônica surgiu entre o Vaticano e a Fraternidade São Pio X sobre a aplicabilidade dos cânones 1323:4° e 1324 § 1:5°, deve-se procurar resolver esta controvérsia de acordo tanto com a mente de João Paulo II enquanto legislador, bem como de acordo com os princípios aceitos da tradição canônica.
13) Por fim, contra a decisão da Santa Sé, deve-se ter em mente o absoluto canônico do cânon 1629, que afirma: “Não há lugar para apelação: 1°- de uma sentença do próprio Romano Pontífice ou da Assinatura Apostólica;” bem como o cânon 1404, que afirma: “A Sé Primeira não é julgada por ninguém.” Em suma, não há maior autoridade visível na Igreja que o Papa e as suas sentenças dentro da Igreja são definitivas. Ele não pode nem por ser julgado por qualquer autoridade dentro da Igreja, nem suas decisões cabem recurso para uma autoridade superior dentro da Igreja uma vez que tal autoridade não existe. Todos esses pontos estão resumidos no Código de Direito Canônico da seguinte forma:
Can. 333 §1 O Romano Pontífice, em virtude de seu múnus, não só tem poder sobre a Igreja universal, mas obtém ainda a primazia do poder ordinário sobre todas as Igrejas particulares e entidades que as congregam, pelo qual é, ao mesmo tempo, reforçado e defendido o poder próprio, ordinário e imediato que os Bispos têm sobre as Igrejas particulares confiadas a seu cuidado.
§ 2 º O Romano Pontífice, no desempenho do múnus de Pastor supremo da Igreja, está sempre unido em comunhão com os outros Bispos e até com toda a Igreja; entretanto, ele tem o direito de determinar, de acordo com as necessidades da Igreja, o modo pessoal ou colegial de exercer esse ofício.
§3 Contra uma sentença ou decreto do Romano Pontífice, não há apelação, nem recurso.
Assim, a partir do cânon precedente três coisas estão estabelecidas dentro de jurisprudência canônica. Primeiro de tudo, o poder supremo do Romano Pontífice não é apenas restrito às questões que afetam a Igreja como um todo, mas antes goza de poder supremo - legislativo, executivo e jurídico - dentro das igrejas particulares e locais. Em segundo lugar, o Romano Pontífice como Pastor supremo da Igreja está sempre em comunhão com todos os outros bispos católicos, assim como com a Igreja. Com efeito, o papa não pode estar em cisma, nem ele pode sair da comunhão com a Igreja. Em terceiro lugar, a sentença do Romano Pontífice é final, oficial e vinculante. Não se pode nem apelar, nem recorrer, nem há recurso canônico contra a decisão do Romano Pontífice.
III. A LEI APLICADA AOS FATOS
14) A primeira questão que se coloca é: Lefebvre executou ou não os atos os quais o levaram à excomunhão automática de si mesmo e de seus seguidores, isto é, que ele ilicitamente consagrou bispos sem mandato papal e recusou-se a se submeter ao Santo Padre? Primeiro de tudo, que Lefebvre publicamente deu prosseguimento às consagrações episcopais sem mandato papal em 30 junho de 1988 é um fato público admitido por ambos católicos e lefebvristas, portanto, tal não pode ser razoavelmente contestado. No entanto, deve-se também ter em conta o aviso canônico formal do Cardeal Gantin a Lefebvre, de 17 de Junho de 1988, em que afirmava que as consagrações episcopais planejadas por Lefebvre eram contra as instruções específicas do papa e, caso Lefebvre insistisse mesmo assim em levar em frente, incorreria na grave pena de excomunhão tanto por ilicitamente consagrar bispos (cân. 1382) e de cisma (1364 § 1). Assim, deve-se concluir que Lefebvre agiu não só sem mandato papal, mas contra o mandato papal ao obstinadamente se recusar a submeter-se às instruções específicas do Santo Padre de não continuar com as consagrações episcopais. Portanto, Lefebvre é culpado tanto por consagrar bispos sem mandato papal e como por cisma.
15) A questão seguinte que se coloca é se Lefebvre incorreu ou não em pena de excomunhão por cisma e pela consagração ilícita de bispos sem mandato papal. Como a pena de excomunhão tanto por cisma e como pela consagração de bispos sem mandato papal são latae sententiae, ou imposta automaticamente em virtude da lei, segue-se,portanto, que ao consagrar bispos contra o mandato papal e as advertências canônicas formais, Lefebvre incorreu na pena de excomunhão duas vezes. Além disso, a excomunhão automática contra Lefebvre foi declarada pelo Cardeal Gantin em uma carta da Congregação para os Bispos datada de 1 de julho de 1988, um dia depois das consagrações ilícitas. Atuando em sua capacidade oficial, e em nome do papa, o Cardeal Gantin declara solenemente:
Monsenhor Marcel Lefebvre, Arcebispo Emérito de Tulle, não obstante a advertência canônica formal de 17 de Junho último e os repetidos apelos para que renuncie a sua intenção, realizou um ato cismático através da consagração episcopal de quatro sacerdotes, sem mandato pontifício e contra a vontade do Sumo Pontífice, e, portanto, incorreu na pena prevista pelo Cânone 1364, § 1, e pelo Cânone 1382 do Código de Direito Canônico.
Tendo em conta todos os efeitos jurídicos, eu declaro que o acima mencionado Monsenhor Marcel Lefebvre, e Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta incorreram ipso facto em excomunhão latae sententiae reservada à SéApostólica.
Além disso, eu declaro que Monsenhor Antonio de Castro Mayer, Bispo Emérito de Campos, já que ele participou diretamente da celebração litúrgica como co-consagrador e aderiu publicamente ao ato cismático, incorreu em excomunhão latae sententiae, prevista pelo Cânone 1364, §1.
Portanto, Arcebispo Lefebvre não só incorreu na pena de excomunhão pelo seu ato cismático ao consagrar bispos contra mandato papal, como também a pena lhe foi formalmente declarada pela Santa Sé. Além disso, a pena de excomunhão por cisma e pela consagração ilícita de bispos foi solene e pessoalmente confirmada pelo Papa João Paulo II, em sua carta apostólica “Ecclesiae Dei”, por meio de Motu Proprio (ou seja, de iniciativa privada do Papa). Nesta carta, João Paulo II afirma claramente:
3. Em si mesmo, tal acto foi uma desobediência ao Romano Pontífice em matéria gravíssima e de importância capital para a unidade da Igreja, como é a ordenação dos bispos, mediante a qual é mantida sacramentalmente a sucessão apostólica. Por isso, tal desobediência - que traz consigo uma rejeição prática do Primado romano - constitui um acto cismático (3). Ao realizar tal acto, não obstante a advertência formal que Ihes foi enviada pelo Prefeito da Congregação para os Bispos no passado dia 17 de Junho, Mons. Lefebvre e os sacerdotes Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta, incorreram na grave pena da excomunhão prevista pela disciplina eclesiástica.
Assim, Lefebvre foi validamente excomungado por suas ações, uma excomunhão declarada pela autoridade máxima da Igreja contra os quais nenhum recurso é possível.
16) Não obstante, coloca-se a questão de saber se: os cânones 1323:4° e 1324 §1:5°justificam Lefebvre porque ele agiu por grave incômodo, naquilo em que ele percebeu ser um estado de necessidade? Não, esses cânones não livram Lefebvre das penas de excomunhão, porque, quando confrontado com a lei, Lefebvre recorreu tanto ao legislador quanto em lugares paralelos [da tradição cristã].
O primeiro exemplo de como Lefebvre recorreu à mente do legislador em relação a esta questão é demonstrado pelo fato de que ele assinou um protocolo com o Cardeal Ratzinger em 5 de Maio de 1988, menos de dois meses antes de prosseguir com a sua consagração cismática de bispos. Em segundo lugar, a mente do legislador, o Papa João Paulo II, se fez abundantemente claro para com Lefebvre perante as consagrações episcopais ilícitas, em uma carta pessoal escrita do Vaticano para Lefebvre datada de 09 de junho de 1988, na qual o Santo Padre adverte suavemente:
“Dans la lettre que vous m'avez adressée, vous semblez rejeter tout l'acquis des précédents colloques, puisque vous y manifestez clairement votre intention de "vous donner vous-même les moyens de poursuivre votre Oeuvre," notamment en procédant sous peu et sans mandat apostolique à une ou plusieurs ordinationsépiscopales, ceci en contradiction flagrante non seulement avec les prescriptions du droit canonique, mais aussi avec le protocole signé le 5 mai et les indications relatives à ce problème contenues dans la lettre que le cardinal Ratzinger vous aécrite à ma demande le 30 mai.
D'un coeur paternel, mais avec toute la gravité que requièrent les circonstances présentes, je vous exhorte, vénérable frère, à renoncer à votre projet qui, s'il est réalisé, ne pourra apparaître que comme un acte schismatique dont les conséquences théologiques et canoniques inévitables vous sont connues. Je vous invite ardemment au retour, dans l'humilité, à la pleine obéissance au vicaire du Christ.
Non seulement je vous invite à cela, mais je vous le demande, par les plaies du Christ notre rédempteur, au nom du Christ qui, la veille de sa passion, a prié pour ses disciples, "afin que tous soient un." (Jn 17, 21)”
[Do documento “Enchiridion Vaticanum - Documenti Ufficiali Della Santa Sede”, vol. 11, 1988-1989. Uma tradução não oficial para o português se segue:]
“Em carta que Vossa Excelência Reverendíssima me endereçou, parece rejeitar todo o acervo dos colóquios precedentes, uma vez que Vossa Excelência Reverendíssima expressa claramente a sua intenção de "dar-vos a vós mesmos os meios para continuar a Obra”, inclusive com ou sem mandato apostólico uma ou mais ordenações episcopais, em flagrante contradição não só com as prescrições do direito canônica, mas também com o protocolo assinado em 5 de maio e as indicações relativas a este problema contidas na carta que o Cardeal Ratzinger vos escreveu a o meu pedido em 30 de maio.
Com coração paternal, mas com toda a seriedade que as circunstâncias atuais o requerem, vos exorto, venerável irmão, a renunciar a este vosso projeto que, se realizado, não poderádeixar de ser considerado como um ato cismático cujas conseqüências teológicas e canônicas inevitáveis vos é de conhecimento. Convido-vos, ardentemente que retorneis, em humildade, à plena obediência ao Vigário de Cristo.
Não só vos convido a fazer isso, mas rogo-vos, pelas chagas de Cristo nosso Redentor, em nome de Cristo que, na véspera de Sua paixão orou por Seus discípulos, "para que todos sejam um". (Jo 17, 21).” [1]
Deve-se tem em mente, ao examinar a situação sob a perspectiva canônica, que era do conhecimento de Lefebvre o espírito do legislador do Código de Direito Canônico, neste caso, o Papa João Paulo II. Já que se evoca o princípio enunciado no cânon 16 §1, “1. Interpreta autenticamente as leis o legislador e aquele ao qual for por ele concedido o poder de interpretar autenticamente.” Portanto, é deixado ao Romano Pontífice e àqueles por ele designados, e não à Lefebvre, interpretar os cânones sancionados no âmbito do atual Código.
Além disso, Lefebvre recebeu uma advertência canônica formal do cardeal Gantin em 17 de junho de 1988. Assim, só se pode concluir que Lefebvre recorreu à mente do legislador, e, portanto, a sua percepção de um estado de necessidade foi eliminada por tal recurso. Pois conforme parecer do Conselho Pontifício para os Textos Legislativos recentemente explicou sob o (Protocolo de Número 5233/96):
“No entanto, não se pode razoavelmente lançar dúvidas sobre a validade da excomunhão dos Bispos declarada no Motu Proprio [Ecclesia Dei] e no Decreto [de excomunhão contra Lefebvre]. Em particular, não parece que a pessoa possa ser capaz de encontrar, na medida em que a imputabilidade da pena está em causa, quaisquer isenção ou mitigação circunstanciais (cf. CDC, cân 1323-1324).Quanto ao estado de necessidade em que Mons. Lefebvre achou se encontrar, não se pode esquecer que tal estado deve ser objetivamente verificado e que nunca há uma necessidade de ordenar bispos contra a vontade do Romano Pontífice, Cabeça do Colégio Episcopal. Isso, de fato, implica a possibilidade de "servir" a Igreja, por meio de um atentado contra a sua unidade em uma área relacionada com os próprios fundamentos desta unidade ”.
Portanto, vê-se que o estado de emergência não pode ser invocado contra a decisão expressa do Santo Padre, especialmente sobre uma questão tão importante como a consagração de bispos. Vê-se também que a mente do legislador não favorece o argumento lefrebvista. Ademais, dado que essa interpretação vem do Conselho Pontifício confiado pelo Santo Padre para a interpretação da lei canônica, é obrigatório em sua interpretação de como os cânones 1323 e 1324 se aplicam à excomunhão declarada contra Lefebvre.
Finalmente, porque essa interpretação fez apenas declarar o que já era conhecido pela tradição canônica, estabelecendo, portanto, que o movimento lefebvrista não levantou qualquer infração legítima da lei, o acima mencionado goza de força retroativa. Por isso, ao recorrer à mente do legislador, o Papa João Paulo II e aqueles que foram confiados por ele para interpretar o Código de Direito Canônico, vê-se que os cânones 1323 e 1324 não podem ser legitimamente evocados pelo Arcebispo Lefebvre e seus seguidores para evitaras penas automáticas de excomunhão incorridos pelo seu ato cismático ao consagrar bispos contra o mandato papal.
17) No entanto, ao interpretar os cânones 1323 e 1324 pode-se perguntar se Lefebvre e seus seguidores poderiam ou não recorrer aos lugares paralelos da tradição canônica? Em poucas palavras, a resposta é “sim”. Caso Lefebvre legitimamente tivesse qualquer dúvida ao praticar às consagrações episcopais ilícitas para os efeitos da aplicabilidade dos cânones 1323 e 1324, o Canon 6 §2 afirma que “Os cânones deste Código, enquanto reproduzem o direito antigo, devem ser apreciados levando-se em conta também a tradição canônica.” Sob o Papa Pio XII, a Tradição Canônica era claramente afirmava que a coação por medo grave não isentava da pena latae sententiae de excomunhão os bispos que ilicitamente consagraram ou que ilicitamente receberam a consagração. Assim, pois, que a Sagrada Congregação do Santo Ofício decretou em 09 abril de 1999, “Episcopus, cuiusvis ritus vel dignitatis, aliquem, neque ab Apostolica Sede nominatum neque ab Eadem expresse confirmaum, consecraus in Episcopum, et qui consecrationem recipit, etsi metu gravi coacti (c. 2229 §3:3° [CIC 1917]), incurrunt ipso facto in excommunicationem Apostolicae Sedi specialissimo modo reservatam.” (AAS 43 [1951] 217-218). Em suma, a tradição canônica prescreve que o medo grave não atenua a pena de excomunhão, quando se consagra bispos sem mandato papal.
No entanto, os apologistas de Lefebvre poderiam ter argumentado que o decreto da Sagrada Congregação tinha sido ab-rogados pelo Canon 6 §1, nn. 3 e 4, do atual Código de Direito Canônico, os quais afirmam: “Com a entrada em vigor deste Código, são ab-rogados: 3o quaisquer leis penais, universais ou particulares, dadas pela Sé Apostólica, a não ser que sejam acolhidas neste Código; 4o também as outras leis disciplinares universais referentes a uma matéria inteiramente ordenada por este Código.” Considerando que o decreto do Santo Ofício especificamente negue à coação por medo grave como circunstância atenuante na excomunhão automática daqueles que administram ou recebem a consagração episcopal sem mandato pontifício, cânone 1382, enquanto essencialmente repita qualquer outra particularidade do decreto acima mencionado, silencia-se sobre coação devido ao medo grave.
Portanto, apesar do fato de que a pena de excomunhão pela consagração de bispos sem mandato papal seja retomada no presente Código de Direito Canônico, e apesar do fato de que a lei disciplinar sobre esta questão parece não ter sido integralmente reordenada, os lefebristas podem argumentar que Lefebvre tinha fundamento em sua não-observância do cânon 1382, porque “as leis, mesmo as irritantes ou inabilitantes, na duvida de direito, não obrigam;" (can. 14) e "As leis que estabelecem pena ou limitam o livre exercício dos direitos ou contém exceção à lei, devem ser interpretadas estritamente.” (can. 18). No entanto, tal dúvida de lei não pode ser mantida porque a presunção legal se respalda na legislação anterior, pois, como Canon 21 afirma explicitamente, “na dúvida, não se presume a revogação de lei preexistente, mas leis posteriores devem ser comparadas com as anteriores e, quanto possível, com elas harmonizadas.”
Assim, ao realizar suas consagrações episcopais ilícitas, o Arcebispo Lefebvre violou a própria Tradição que dizia defender, conforme definido pelo próprio ultimo papa cuja ortodoxia Lefebvre reconhecia. Ao assim fazer, Lefebvre não só se recusou a submeter-seao Papa João Paulo II, conforme manifestado por meio do Monitums do Santo Padre, mas o Papa Pio XII também, como está expresso por meio de sua definição de tradição canônica, e, portanto, deveria ser também auto-evidente sobre a forma como Lefebvre recusou a se submeter ao Santo Pontífice, incorrendo, assim, em cisma, conforme definido pelo cânone 751.
18) A última questão que se coloca é se Lefebvre poderia ou não recorrer da decisão da Santa Sé, que o declarou cismático e excomungados. Em poucas palavras, a resposta é NÃO, porque o Trono Papal é a autoridade suprema e visível no seio da Igreja, instituído pelo próprio Cristo para governar a Igreja em Seu nome. O próprio fato da FSSPX se recusar a submeter-se a um pronunciamento de autoridade do Romano Pontífice contra eles, mas,mas antes opta por ofuscar várias questões canônicas ao apelar para as massas, visivelmente testemunha a verdade de seu cisma de comunhão com a Igreja Católica Romana.
Concluindo, tendo esgotado a questão do ponto de vista canônico, apesar das tentativas do Movimento Lefrebvista ao evocar os cânones, não resta dúvida alguma que o Arcebispo Lefebvre incorreu na excomunhão latae sententiae reservada à Santa Sé, devido ao seu ato de cisma ao consagrar ilicitamente bispos contra as instruções expressas do Romano Pontífice.
[1] N.T.: A tradução para o português se baseou no original em francês disponibilizado pelo presente artigo traduzido, e que oferece a seguinte - e também não oficial - tradução: 'In the letter that you sent me, you seem to reject all aquisition of previous discussions, since you clearly manifest your intention of "giving yourself the means of pursuing your Work," notably in proceeding under little and without apostolic mandate to one or many episcopal ordinations, this in flagrant contradiction not only of the prescriptions of canon law, but also with the protocol signed May 5th and the instructions relative to this problem contained in the letter that Cardinal Ratzinger sent you at my request May 30th.
With a paternal heart, but with all the gravity the present circumstances require, I exhort you, venerable brother, to renounce your project which, if it is realized, could not but appear as a schismatic act of which the inevitable theological and canonical consequences are known to you. I ardently invite you to return, in humility, to full obedeice towards the Vicar of Christ.
Not only do I invite you to this, but I ask it of you by the wounds of Christ our Redeemer, in the name of Christ who, on the eve of His passion, prayed for his disciples, "that they may be one." (John 17:21)"