Por Carlos Ramalhete
Há expressões que nos fazem trincar os dentes. Elas revelam, sem que sequer quem as usa o perceba, erros fundamentais, enganos gravíssimos que acabam por afetar todo o modo de pensar de uma pessoa.
A imensa maioria discursa sem pensar nas palavras que usa, em seu sentido exato, em sua origem. Usa as palavras que ouviu, no sentido que captou. Daí a possibilidade de uma busca de perfeita ortodoxia ser conjuminada com o uso de terminologia inadequada. Não são poucos os casos.
A imensa maioria discursa sem pensar nas palavras que usa, em seu sentido exato, em sua origem. Usa as palavras que ouviu, no sentido que captou. Daí a possibilidade de uma busca de perfeita ortodoxia ser conjuminada com o uso de terminologia inadequada. Não são poucos os casos.
O que mais tenho percebido, contudo, e em material que teoricamente é ao menos refletido – homilias de padres cuja busca de ortodoxia é inegável – é o uso e abuso de uma expressão modernista até o cerne: a experiência.
Falam de “fazer a experiência da Fé”, “a experiência de Cristo”, “a experiência da Igreja”. Ora, nada disso existe, nada disso corresponde ao mandato evangélico de conversão.
Explico.
“Experimentar” pode ser duas coisas: “tentar” (no sentido de, por conta própria, efetuar uma tentativa) ou “sofrer” (no sentido de receber passivamente uma influência externa, como quem, indagado se ganhou na loteria, diz que “ganhou experiência”).
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo nos chama à conversão, à entrega absoluta a Deus. Somos todos criaturas de Deus, filhos de Deus pelo Batismo. Igualmente pelo Batismo, recebemos d’Ele a virtude infusa da Fé e a graça santificante. A Fé não é algo que escolhemos ter; é um dom de Deus, absolutamente gratuito, a que podemos e devemos corresponder. A graça santificante é o que nos eleva acima da nossa própria natureza, sem jamais a negar.
Falam de “fazer a experiência da Fé”, “a experiência de Cristo”, “a experiência da Igreja”. Ora, nada disso existe, nada disso corresponde ao mandato evangélico de conversão.
Explico.
“Experimentar” pode ser duas coisas: “tentar” (no sentido de, por conta própria, efetuar uma tentativa) ou “sofrer” (no sentido de receber passivamente uma influência externa, como quem, indagado se ganhou na loteria, diz que “ganhou experiência”).
Ora, Nosso Senhor Jesus Cristo nos chama à conversão, à entrega absoluta a Deus. Somos todos criaturas de Deus, filhos de Deus pelo Batismo. Igualmente pelo Batismo, recebemos d’Ele a virtude infusa da Fé e a graça santificante. A Fé não é algo que escolhemos ter; é um dom de Deus, absolutamente gratuito, a que podemos e devemos corresponder. A graça santificante é o que nos eleva acima da nossa própria natureza, sem jamais a negar.
Assim, o que Deus nos chama a fazer é viver nesta Fé (e nesta Esperança, e nesta Caridade). Não se trata, contudo, de um “viver” externo; podemos e devemos viver no mundo sem pertencer ao mundo, mas não nos seria possível viver na Fé sem pertencermos a Cristo. A vida na Fé é, em termos de ação própria, algo que não admite “experiência”: ou se a faz, ou não se a faz. Fazê-la implica em entregar-se à graça de Deus e buscar ser perfeitamente aquele que Deus criou para ser; não significa tornar-se igual a outro – nem a um santo de devoção! –, mas deixar-se burilar pela ação da graça, deixar-se crescer na Fé e na vida intratrinitária.
Notemos que o segundo sentido da palavra “experiência” – algo externo por que passamos – é também oposto a este chamado de aprimoramento, de santificação, que Nosso Senhor nos faz por Sua Igreja. De nada adiantaria ir à Missa todos os dias para pensar na morte da bezerra, para cantar e responder animadamente como se oralizar fosse participar, para prestar atenção nas roupas das pessoas ou no cuidado com que são massacradas as rubricas. Seria como passar a noite de núpcias assistindo TV. Não é a frequência à Missa que santifica, mas a abertura à graça – que, na Missa, tem seu ápice – que nos possibilita colaborar na obra divina da nossa santificação.
Esta santificação é um processo difícil e lento. É um processo que leva a vida inteira, com revezes, com avanços, com sofrimentos atrozes e alegrias inauditas. Nele agem a graça e nossa resistência a ela ou confiança nela: nunca é o caso de alguém “resolver experimentar”. De nada adiantaria. Tampouco é o caso de alguém simplesmente sofrer passivamente uma ação da graça: sem a nossa aquiescência ativa, seria como a semente que cai na estrada e é pisada.
A idéia da “experiência” é uma idéia modernista, por partir desta negação da natureza humana tão difundida em nossos dias: a solipsização do homem. Para o modernista, o homem existe sozinho. Solus ipsus, só ele mesmo. Tudo o que está ao redor é fluido, senão inexistente. Assim, tudo o que lhe ocorra, tudo o que ele faça, é uma “experiência” feita por alguém que seria em si mesmo, lidando com uma pseudo-realidade moldável. Ora, quem é em Si é Deus, não o homem!
O encontro do homem e Deus, na Fé, é o oposto disso: somos nós os fluidos, os cambiantes, os que precisam, a cada instante, convencer-se novamente a não fazer o mal que parece tão bom. Enquanto isso, além disso e fora disso – pois Deus está fora do tempo, tendo entrado nele para nos salvar e para Se tornar realmente presente sob a aparência das Sagradas Espécies – Deus permanece imutável. É Ele a Rocha, não eu! Eu não tenho como fazer “experiência” alguma com Deus, pois o objeto desta “experiência” ou bem seria Deus – que não muda – ou bem seria eu – que não seria mais sujeito ou observador dela.
Mais ainda: em termos meramente naturais, a “experiência” de Deus frequentemente é péssima. Isso ocorre porque o caminho que Deus nos dá para seguir é o caminho da Cruz, e cruzes não são agradáveis. Quem fala em “fazer a experiência de Deus” frequentemente acaba sendo ouvido como se dissesse que Deus nos há de mimar se fizermos o que o padre manda (seja ir à Missa, participar disso ou daquilo na paróquia, rezar o Santo Terço, que seja!). Ora, Ele não vai nos mimar. Pode até ser que haja, em alguns casos, consolações sensíveis. Quem as espere ter sempre, contudo, deve se preparar para uma amarga decepção: após a entrada triunfal em Jerusalém, a mesma multidão gritou “crucifica-o!”.
Rezamos, no Pai Nosso, que “venha a nós o Vosso Reino, seja feita a Vossa vontade”. Quando Nosso Senhor nos ensinou a rezar assim, na oração mais perfeita, Ele nos deixou claro que o Reino é o de Deus. E este Reino, como Ele nos advertiu, “não é deste mundo”. Não é uma “experiência” que se possa fazer ou esperar, a não ser como esperança teologal de salvação. Igualmente, a vontade que nos importa seguir é a de Deus, não a nossa, mesmo porque a nossa frequentemente só quer besteiras, movidos que somos por fomes desordenadas.
Ao falar, assim, de “experiência”, o que tantos bons padres erroneamente fazem é dar um tiro de cada lado do alvo, errando-o, porém, completamente: por um lado, fazem do homem um sujeito imutável que “experimenta” algo que seria passageiro, ao invés de reconhecer a cambiante natureza humana e a sua necessidade de aprimoramento pela participação cada vez maior no Ser-em-Si, que é Deus e só Deus. Por outro, negam a necessária colaboração ativa da vontade humana no seu processo de redenção, santificação e salvação, ao fazer da vida na Graça algo que é “experimentado”, como se nos bastasse sentarmos e receber a Salvação.
Façamos, reverendíssimos, uma experiência: deixemos de lado este triste termo, e falemos de “santificação”!