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Toda criatura criada por Deus é bela. Bela em que aspecto? Físico, moral, espiritual?
O homem é o animal estético, o único animal estético, e isto considerando as diversas belezas da Natureza, como as cores de uma flor bonita, as plumagens de uma ave, as danças de um animal ou o canto de um passarinho: todas essas coisas só são belas enquanto apreciadas por um observador humano e embora possamos dizer que os animais “reconhecem” um canto ou uma bela flor, fazem-no mais plausivelmente movidos por instintos de natureza mais simples que o prazer estético: o pássaro reconhece na flor de certa forma o néctar que a sua espécie costuma retirar. E mesmo o canto das aves serve para a busca do par por não sei que critérios - que não sei se bateriam com os de bancas de avaliadores humanos -, e mesmo assim têm função biológica, há um reconhecimento. Senão o uirapuru, pobre coitado, seria atacado por dezenas de aves fêmeas assanhadas de outras espécies que só levaram em conta que seu canto é o mais bonito.
“Omnia mihi licent sed non omnia expediunt omnia mihi licent.” Epistula I ad Corinthios, 6-12
Essa é uma citação muito famosa de São Paulo, hoje em dia usada até de forma abusiva, para tentar amenizar certas práticas que costumamos julgar não muito virtuosas, mas não tão erradas para serem chamadas de pecado.
Não há como emitir uma opinião sobre esse tema sem fazer uma reflexão do que é o pecado. Podemos defini-lo como qualquer ação (incluído o pensamento e o julgamento) que vai contra a ordem natural das coisas, e sobretudo contra a fruição de alguma virtude ou de uma vida mais santa, cometida por alguém com real consciência e deliberação em consentir desse mal que o ato propicia.
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Gosto de usar dois exemplos diametralmente opostos, embora semelhantes. Cortar o próprio corpo é pecado? Evidentemente, o ato por si só é algo que vai contra a ordem natural do corpo (contra o instinto de auto-preservação). Mas, o que determinará a pecaminosidade desse ato será o que você está buscando com ele. Um ato de auto-flagelação que tenha como objetivo cultivar a fruição das virtudes (suportar a dor, quando feito em oração, principalmente lembrando-se das dores do Crucificado) é um excelente e legítimo modo de se cultivar a fruição da piedade, da temperança e da humildade.
Se, por outro lado, alguém corta o próprio corpo por ódio a si mesmo, por se sentir tão culpado de não ser alguém digno de viver, a ponto de chegar a ter prazer com a sua própria dor, como uma forma de auto-castigo, o efeito é exatamente o oposto: cultiva-se a dor em si mesma, o desprezo pelo seu “eu”, a melancolia, o niilismo - o desejo de anular-se, trancafiar-se, isolar-se do mundo -, e, em alguns casos, o desejo de morrer. É a máxima expressão física e sentimental do que se cita na Súplica Ardente aos Santos Anjos quando clamamos que “nos fechamos em uma mórbida complacência de nós mesmos”.
Agora um outro exemplo. Comer chocolate é pecado? Fumar é pecado? Aqui, ao contrário do exemplo anterior, são atos que por si só, geralmente não agem diretamente contra a ordem natural das coisas. Temos vontade de absorver algo agradável aos sentidos e que nos faz sentir bem. Instinto de auto satisfação. Apesar disso, ambos são atos que, praticados com certa regularidade, independente da frequência, causam males ao corpo.
A diferença aqui, novamente, se dá no que se busca, E o que se cultiva com o ato, voluntaria ou involuntariamente. Buscamos um prazer que sabemos ser mesquinho o bastante para o mal que eu sei estar infringindo no corpo. O risco de me viciar - considerando que eu NÃO possa avaliar de antemão a minha própria inclinação ao vício, mas ao constatar isso nas outras pessoas - é suficientemente alto e, caso ocorra, danoso ao meu organismo para ser justificado? Essas são as perguntas que devemos nos fazer ao buscarmos a motivação para tal ato. Agora as perguntas que devemos fazer para avaliar suas consequências: ao realizar esse ato, seja uma vez, seja muitas, estou abrindo portas à minha alma para o cultivo do orgulho, da vaidade, da irreverência insalubre (vulgo rebeldia), de más influências e de outros vícios piores? E, ao fazer isso, estarei eu influenciando, voluntariamente ou não, outras pessoas a recaírem em todos os erros anteriores?
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Façam-se essas perguntas ao considerarem o ato de comer uma barra de chocolate e tragar um cigarro. Tenho certeza que descobrirão qual delas possui fundamento para ser considerado pecado e qual não o tem.
Feita essa pequena reflexão acerca do que é pecado, convido a você, caro leitor, a fazer uma reflexão em cima da busca da beleza física. Qual a sua motivação em fazê-lo? Pura vaidade? Modismo? Hedonismo desenfreado? Quais as consequências? Talvez você passe a cultivar seu corpo como um objeto sagrado? (E de fato é, mas sagrado para Deus e não para si.) Cultivar uma maior sensualidade? Talvez você, sem mesmo perceber, pregue a irreverência e a imodéstia entre os jovens? Já pensaram se seus filhos ao ver você como escravo da estética colocam na cabeça que não há nada de errado em ser um e isso seja causa de um apego desregrado às coisas mundanas?
Espero ter deixado claro que o pecado não reside no ato em si, mas em suas causas e consequências morais. A culpa do pecado também é proporcional ao conhecimento que a pessoa tem pela mesma. Para algumas pessoas, simplesmente não há nada de errado em uma cirurgia plástica para correção facial para ficar mais sexy assim como não há problema em manter relações sexuais de qualquer natureza. Ambos são atos errôneos, mas a culpabilidade é relativa.
Em outras palavras, não podemos exigir do leitor que não faça seu tratamento de estética se o fim não for o erotismo sexual e a violação da castidade alheia. Por outro lado o católico tradicional jamais em hipótese alguma pode consentir em um ato que por mais inofensivo que pareça, seria abominável se esse conhecimento fosse dado ao mundo em plenitude. Desejamos a santidade a todos os nossos amigos. Portanto, apontamos o caminho que não a obstrua nem hoje, nem no futuro o que desejamos a eles. Hoje uma aplicação de silicone pode não significar nada de mais para as moças. Mas se elas tiverem a graça de conhecer mais a fundo os mistérios da santidade, sabemos que isso as incomodariam. Logo, não podemos aprovar tal ato. Assim como também justificamos que é um ato pecaminoso, sim.
Por favor, não se ofendam quando mencionamos que o mundo não possui um conhecimento pleno do mistério da santidade. Ninguém de nós conhece. Nós por exemplo, somos os últimos da fila. Mas tentamos nos aproximar e ser fiéis a esse ideal.
Vaidade não é a mesma coisa que etiqueta. Aliás, arrumar-se e bem vestir-se costumam fazer parte dos bons costumes de qualquer cidadão.
Modismo é fazer uma coisa para se enquadrar mais na sociedade, para se sentir mais “parte” da sociedade, medo de ser careta, de não ser como a maioria das pessoas é.
Hedonismo não é apensa sentir prazer pelo prazer, é cultivar sentimentos egoístas de qualquer natureza. O prazer é o mais forte deles, mas o apelo à beleza fútil também é hedonismo.
Cultuar o corpo como sagrado é nada mais que se importar mais com a boa aparência do que com Deus. É pecado gastar dinheiro com plásticas, botox, salões de beleza de luxo se for preciso deixar de ir à Missa dominical para fazer essas coisas. É totalmente incomparável com a etiqueta e a boa apresentação que devemos ter.
Cultivar a sensualidade é usar um objeto apelativo no corpo para torná-lo mais atrativo aos olhos dos outros. A maioria das pessoas que lutam por um corpo perfeito esteticamente são levadas a fazê-las concentrando nos locais mais íntimos do corpo, e/ou influenciam direta ou indiretamente outras pessoas a fazê-lo.
A questão é: como saber até onde você influenciará negativamente o seu próximo? Vale a pena nesse caso?
A beleza natural é a mais nobre forma de expressão da plenitude daquilo que está em seu coração ou mente.
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A Liturgia, por que ela tem que ser bela? Porque expressa a realidade mais sublime, que é a Redenção. A redenção, em si, foi feita de forma “feia”, com Nosso Senhor sendo esfolado pelos homens, mas isso é da natureza do ato, matar um santo (O Santo) é moralmente ruim e Deus fez o assassínio intrinsecamente feio. Mas a redenção é sublime e por isso tem que ser lembrada com a maior beleza que nos é acessível pela estética e beleza litúrgica.
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“Se a mulher casada se enfeita para agradar ao marido, pode fazê-lo sem pecado. Mas as que não têm marido nem os querem ter e vivem em celibato, não podem, sem pecado, querer agradar aos olhos dos homens para lhes excitar a concupiscência, porque isso seria incentivá-los a pecar. Se, pois, se enfeitarem com essa intenção de provocar os outros à concupiscência, pecam mortalmente. Se o fizerem, porém, por leviandade, ou mesmo por um desejo vaidoso de aparecer, nem sempre será pecado mortal, mas às vezes venial. Diga-se o mesmo, aliás, a respeito dos homens.”
O Doutor Angélico diz também: “tais pinturas nem sempre envolvem um pecado mortal, mas só quando são feitas por uma questão de prazer sensual ou no desprezo de Deus”.
Summa Theologica II-IIae, q169, a2
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“Se a mulher casada se enfeita para agradar ao marido, pode fazê-lo sem pecado. Mas as que não têm marido nem os querem ter e vivem em celibato, não podem, sem pecado, querer agradar aos olhos dos homens para lhes excitar a concupiscência, porque isso seria incentivá-los a pecar. Se, pois, se enfeitarem com essa intenção de provocar os outros à concupiscência, pecam mortalmente. Se o fizerem, porém, por leviandade, ou mesmo por um desejo vaidoso de aparecer, nem sempre será pecado mortal, mas às vezes venial. Diga-se o mesmo, aliás, a respeito dos homens.”
O Doutor Angélico diz também: “tais pinturas nem sempre envolvem um pecado mortal, mas só quando são feitas por uma questão de prazer sensual ou no desprezo de Deus”.
Summa Theologica II-IIae, q169, a2
Dica de leitura: tese de doutorado pela Unicamp, intitulada A noção do belo em Tomás de Aquino, por Andrei Ivanov. Depois de se cadastrar no site da Unicamp, pode-se baixar a tese aqui: http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000418352
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