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Contextualidade dos irmãos de Jesus na Bíblia


Em vários debates sobre a natureza dos irmãos de Jesus, as opções das discussões são:

a) Irmãos sanguíneos e filhos de Maria e José;

b) Irmãos por parte de pai, no caso José;

c) Os irmãos na verdade eram primos, os escritores usaram de semitismo linguístico.

Usando as escrituras em grego alguns descartam a opção dos irmãos como primos (na septuagésima já se usava anepsios para denotar os primos), e a maioria dos críticos sérios acolhe a ideia de que eram irmãos por parte de pai.

Por uma serie de motivos entre eles:

1) A definição de adelphos, que engloba irmãos por parte de pai ou de mãe;

2) O uso na LXX de uma palavra que qualificava o substantivo adelphos que significa nascido da mesma mãe;

3) O dialogo dos irmãos com Jesus que era feito no Imperativo, dando a entender que eles eram mais velhos que Cristo;

4) Jesus colocando Maria aos cuidados de João ao invés dos ditos irmãos co-uterinos;

Se os irmãos de Jesus assim o são por parte de José, isso implica na Virgindade Perpétua de Maria?

Alguns debatedores usam o texto grego do Evangelho de Tiago, que esta traduzido aqui:


Os debatedores deste tema não levam em consideração que os evangelistas não se expressaram em grego puro e simples, mas em grego influenciado pelo hebraico, que era seu idioma natal, e, em hebraico bíblico, irmão tem o sentido amplo de primo ou outro parente. Outra coisa que não levam em conta é a voz da Tradição, que complementa a Escritura e em nada é inferior a ela. A bem da verdade, existe uma tradição desses irmãos do Senhor serem filhos de São José de um primeiro matrimônio, tradição essa que prevalece na Igreja Oriental. Mas praticamente todos os santos e doutores da Igreja ocidental pensam diferente, de sorte que, após a separação dos orientais, é entendimento comum dos teólogos católicos a também virgindade de São José, a exemplo de sua Esposa e nossa Mãe.

A perspectiva da Igreja Ortodoxa é de que O Justo José, era um ancião, viúvo de um casamento que lhe havia dado 5 filhos. Estes então, seriam os irmãos do Senhor, visto que São José era o esposo da Mãe de Deus e Sempre Virgem Maria. O casamento entre o Justo José e a Bem Aventurada Virgem, se conformou mesmo para que o Santo Ancião fosse um protetor da Virgem e do Seu Divino Filho.

Na Iconografia Ortodoxa, São José sempre é retratado com os cabelos e barba branca, que o caracterizam mesmo como um ancião.


Não chega a ser uma diferença doutrinária entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica, dado que parece perfeitamente lícito que um católico sustente, com boas razões, essa opinião ortodoxa, com base em certos Padres. Agora, como os Padres latinos desenvolveram opinião diferente, quase toda a Igreja latina seguiu a opinião desses padres, e hoje ela é comum, ou seja, que os irmãos do Senhor seriam primos ou parentes próximos de Jesus.

A Igreja não ensina que isso seja dogma de fé, Evidente que José era bem mais velho que Maria. Isso é pacífico, mas o PROTO evangelho de Tiago deve sempre ser lido consultando outras fontes para não aceitarmos, por exemplo, que seja verdade que José tinha filhos quando do casamento com Maria.

A Igreja Católica ensina que a Sagrada Família era Jesus, Maria e José. Não havia outros irmãos, nem outros filhos de José. Os supostos irmãos de Cristo eram primos, segundo o que prega a Igreja, senão teriam dito filhos de Maria, filhos de José e não irmãos de Jesus.

Há toda uma tradição em considerar os irmãos de Cristo como primos e a tese de que ele tivesse irmãos por parte de pai adotivo (José era pai adotivo) não encaixa com o pregado pela Igreja Católica Romana.

Leão XIII coloca São José como exemplo de pureza virginal. Mas será que é sua intenção dirimir essa questão que divide a opinião dos Padres?

Defenderam a opinião de que São José tivera filhos de um primeiro matrimônio Clemente Alexandrino, Orígenes, Hipólito, Eusébio, Epifânio, Cirilo de Alexandria, Teodorato Ancerano, Severo de Antioquia, João Tessalonicense, Anastásio Sinaíta, e outros, principalmente os livros litúrgicos orientais. Essa sentença prevaleceu na Igreja Grega e na Igreja Síria. Na Igreja latina, pouquíssimos falaram assim (São Hilário, o Ambrosiaster, Gregório Turonense; esta solução insinuaram como possível Sto. Ambrósio e Santo Agostinho). No século XI, defendeu principalmente esta sentença Lighfoot.

Já São Jerônimo, o Pseudo-Agostinho, Alcuíno, Rábano Mauro, Pedro Damião, Ruperto, Abelardo, Hugo de S. Victor, Pedro Lombardo, Santo Alberto Magno, Santo Tomás, São Bernardino de Sena, Gerson, Escoto, Dionísio Cartusiano, Salmerón, Toledo, Suárez, A Lápide, Bento XIV e outros defendem a sentença da virgindade de São José.

A tradição ocidental é correta, mas não devemos ser dogmáticos a respeito do assunto. A posição de que São José permaneceu virgem é apenas doutrina católica (dado que foi ensinado por Leão XIII), mas não é de fé.

Um dos problemas frequentes que via pela tradição ocidental é a questão de não darem muita visibilidade sobre os termos gregos que definem primo (anépsios) e irmão (adelphos), que pode ser sanguíneo ou espiritual.

Debatendo com uma protestante, a mesma afirmava que não existia nem um escritor grego que se confundisse com as palavras, já que São Paulo acertadamente chama barnabé de primo (anépsios) de Marcos em Colossenses 4.10.

Porém, perambulando por alguns livros e com o auxilio de duas versões gregas da Septuaginta (Codex Sinaiticus e outra versão Ortodoxa), conclui-se que ambos os termos também podem significar membros do mesmo clã e não necessariamente primos ou irmãos como os protestantes mencionam com total fé.

Uma pesquisa feita pelo confrade Érick Gomes elucida bem a questão:

Não entrarei na questão da palavra SUGGENE, já que a mesma defini parentesco, porém, comparar “Adelphos” com “Anépsios” para definir questão de irmandade, não significa muita coisa, já que ambos termos também podem significar irmãos. A primeira coisa que devemos entender é que nos escritos neotestamentários a ÚNICA referencia que é mencionada por S.Paulo a respeito de primo encontra-se na passagem de Colossenses 4.10 já citada acima. Fora ela, não há mais nem um ponto o qual algum primo seja designado por “anépsios”. O que possuímos é o termo “adelphos” que é traduzido ora como irmão sanguíneo, ora espiritual ou membro de uma mesma tribo. Quando o apóstolo Paulo escreve aos coríntios, diz que Cristo apareceu a mais de 500 irmãos e a palavra usada é a mesma no qual concernem os irmãos de Nosso Senhor:

1 Coríntios 15.6 - Depois apareceu a mais de quinhentos IRMÃOS de uma vez, dos quais a maior parte ainda vive (e alguns já são mortos).

ΠΡΟΣ ΚΟΡΙΝΘΙΟΥΣ Α΄ 15.6 - ἔπειτα ὤφθη ἐπάνω πεντακοσίοις (ἀδελφοῖς / IRMÃOS) ἐφάπαξ, ἐξ ὧν οἱ πλείους μένουσιν ἕως ἄρτι, τινὲς δὲ καὶ ἐκοιμήθησαν·

Para uma melhor elucidação, utilizarei da versão grega do antigo testamento para demonstrar o que estou dizendo. A versão primária que coloco aqui são das Igrejas Ortodoxas Gregas, mas, entendam, não estou aqui a discutir inspiração (antes que alguém reclame que o livro é “apócrifo” que alias, não é) e sim a definição da palavra.

No livro de Tobias, no capítulo 7, Raguel é apresentado como parente de Tobit (pai de Tobias). Podemos ver que no verso dois Raguel vira a sua esposa e intrigado pela aparência do garoto, menciona que Tobias parecia muito com seu “primo”:

TOBIAS 7.2 – καὶ εἶπε Ραγουὴλ ῎Εδνᾳ τῇ γυναικὶ αὐτοῦ· ὡς ὅμοιος ὁ νεανίσκος Τωβὶτ (τῷ ἀνεψιῷ / primo)

TOBIAS 7.2 – Disse à sua esposa Efna: “Como esse rapaz se parece com meu primo Tobit!”

Andando mais dois versos (4), percebemos que a palavra usada já não é mais primo (τῷ ἀνεψιῷ) e sim irmão (ἀδελφὸν), ambas, possuindo aqui o mesmo significado:

TOBIAS 7.4 – καὶ εἶπεν αὐτοῖς· γινώσκετε Τωβὶτ τὸν (ἀδελφὸν / irmão) ἡμῶν; οἱ δὲ εἶπον· γινώσκομεν. καὶ εἶπεν αὐτοῖς· ὑγιαίνει

TOBIAS 7.4 – “Conheceis Tobit, nosso irmão?” – “Conhecemos sim”, responderam – “Ele está bem?”

É fato que Tobias e Raguel faziam parte da mesma tribo que era a de Neftali, porém Tobias era filho de Tobiel ou Tobit enquanto Raguel era um "parente", porém em primeira momento o mesmo classifica o pai de Tobias como primo (vr 2) e logo após irmão (vr 4). Aqui são usados os dois empregos das palavras para designar uma questão de parente por um mesmo clã.

Para deixar a questão ainda mais clara, estou recorrendo ao “Codex Sinaiticus” que foi a versão mais antiga do velho testamento já encontrada (1600 anos atrás).

Como é possível ver, apesar de algumas traduções dessa passagem trazerem o termo “anépsios” o manuscrito menciona a palavra “adelphos”: 

TOBIT 7.2 - του και ειπεν εδνα τη γυναικι αυτου ωϲ ομοιοϲ ο νεανιϲκοϲ ουτοϲ τωβια τω (αδελφω / irmão) μου

Isto é, ambos termos no grego também podem significar a mesma coisa. A afirmação ainda corrobora por exemplo, com o fato de que na tradução grega (assim como na hebraica) Ló, mesmo sendo sobrinho de Abraão (Gn 12.5), foi chamado de seu irmão:

GENESIS 13.8 – εἶπεν δὲ Αβραμ τῷ Λωτ Μὴ ἔστω μάχη ἀνὰ μέσον ἐμοῦ καὶ σοῦ καὶ ἀνὰ μέσον τῶν ποιμένων μου καὶ ἀνὰ μέσον τῶν ποιμένων σου. ὅτι ἄνθρωποι (ἀδελφοὶ / IRMÃO) ἡμεῖς ἐσμεν

GENESIS 13.8 – And Abram said to Lot, Let there not be a strife between me and thee, and between my herdmen and thy herdmen, for we are (brethren / IRMÃO).

Dessa forma, podemos entender que o fato do novo testamento possuir uma única fonte que trás a palavra anépsios como primo, não encerra a questão já que a versão grega do VT nos mostra que ambas também possuíam o mesmo significado e em alguns casos como é a passagem de gênesis, a palavra adelphos é usada para parentesco próximo. Isso concorda também com o fato de que a Igreja Ortodoxa Grega (cismática), onde a língua própria é o Grego, nunca questionou passagens como essa, da forma como o ocidente protestante tem feito.

Irmãos;

Apenas para deixar aqui o que postei acima mais claro, quis enfatizar a passagem de Tobias 7.2, onde algumas versões aparecem Raguel chamando TOBIT de primo:

TOBIAS 7.2 – καὶ εἶπε Ραγουὴλ ῎Εδνᾳ τῇ γυναικὶ αὐτοῦ· ὡς ὅμοιος ὁ νεανίσκος Τωβὶτ (τῷ ἀνεψιῷ / primo)

Enquanto a do Codex, Raguel o chama de irmão utilizando outro termo:

TOBIT 7.2 - του και ειπεν εδνα τη γυναικι αυτου ωϲ ομοιοϲ ο νεανιϲκοϲ ουτοϲ τωβια τω (αδελφω / irmão) μου

Raguel era parente do pai de Tobias e os termos não deixam claro a qual grau ele pertence. O que sabemos, é que faziam parte da mesma tribo e os escritos e tradutores da versão dos setenta deixam isso claro quando citam as duas palavras do grego para definir a filiação do mesmo clã.

Isto é, podemos entender que o argumento protestante não é perfeito e assim continuamos respaldado na questão da tradição ocidental que define que os irmãos de Nosso Senhor, seriam de fato, primos.

Fiquem em Cristo.

Érick Gomes.
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PARA CITAR ESTE ARTIGO:


Contextualidade dos irmãos de Jesus na Bíblia

Fabrício Antares, 10/2014 Tradição em Foco com Roma RJ.


Domine Iesu, quem velatum nunc aspicio, Oro, fiat illud, quod tam sitio, Ut te revelata cernes facie, Visu sim beatus tuae gloriae. Amem.
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